O procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima, que foi o esteio da força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba – ele, que era veterano da investigação e acusação no escândalo do Banestado -, publicou artigo no UOL em que diz: “A saída de Bolsonaro do poder é uma obrigação moral”.
“Foram pessoas como ele e seus seguidores fanáticos da internet”, escreve o procurador, hoje aposentado, “que aplaudiram pessoas nas fogueiras, que se regozijaram quando nazistas levaram judeus, ciganos, homossexuais e deficientes físicos e mentais para câmaras de gás, que, enfim, resistem à civilização humana em tudo que ela tem de positivo e bom. Preconceituosos, ignorantes que ouvem a insensatez e loucura de seus iguais nas redes sociais e desacreditam a ciência, o progresso e os mínimos preceitos éticos”.
Figura central na organização da maior ação de combate à corrupção da História do país, o procurador define a atitude de Bolsonaro em relação à vacinação contra a COVID-19 como “a gota d’água” que faz transbordar o copo da indignação pública.
“A estratégia de Bolsonaro é conhecida”, considera Carlos Fernando. “Com sua postura de confronto e declarações polêmicas preocupa-se mais em criar uma cortina de fumaça sobre a ausência de qualquer plano de governo e sobre os escândalos envolvendo sua família e correligionários, bem como em agradar seus seguidores fanáticos e, principalmente, atacar qualquer potencial rival nas próximas eleições”.
“Se corrupção mata, falta de caráter e irresponsabilidade matam também”.
Abaixo, a íntegra do artigo do procurador Carlos Fernando dos Santos Lima (C.L.).
Desisto da polidez e boa educação. Fora Bolsonaro!
CARLOS FERNANDO DOS SANTOS LIMA
Desisto da polidez e boa educação. A gota d’água foi mais uma decisão indecorosa, indecente, infame e todos os adjetivos correlatos que foram e vierem a ser inventados para descrever a ação mal-intencionada e irresponsável de Jair Bolsonaro. A politização de uma crise de saúde pública que, até agora, levou mais de 150 mil brasileiros a óbito já era inadmissível, mas a continuidade de sua postura negacionista, de seu contínuo esforço de arrastar o Brasil para o lamaçal de sua ignorância é insustentável.
Não podemos mais aceitar o que acontece. Nem estou falando da corrupção evidente nos gabinetes de seus filhos, nem sua união com a escória política do Congresso Nacional, nem de suas escolhas de pessoas subalternas aos interesses dos políticos, aplaudidas até pelo PT, para altos cargos do STF e do Ministério Público Federal. Finjamos, como querem, que a corrupção acabou e que o problema do Brasil seja a Lava Jato, o casamento gay ou outra pauta qualquer dessa intelectualmente indigente direita cultural. Mas salvemos os brasileiros de morrer quando é possível salvá-los.
Já tinha a impressão de que a natureza humana não tinha realmente mudado somente por dez mil anos de civilização, mas agora tenho certeza. Bolsonaro está aí para provar. Foram pessoas como ele e seus seguidores fanáticos da internet que aplaudiram pessoas nas fogueiras, que se regozijaram quando nazistas levaram judeus, ciganos, homossexuais e deficientes físicos e mentais para câmaras de gás, que, enfim, resistem à civilização humana em tudo que ela tem de positivo e bom. Preconceituosos, ignorantes que ouvem a insensatez e loucura de seus iguais nas redes sociais e desacreditam a ciência, o progresso e os mínimos preceitos éticos. Sim, infelizmente como disse Umberto Eco, a internet deu voz a esses imbecis.
Mas mesmo os ladrões costumeiros do nosso dinheiro, mesmo os conformados que tratam tudo como se fosse apenas uma guerra de versões, precisam reagir. A estratégia de Bolsonaro é conhecida. Com sua postura de confronto e declarações polêmicas preocupa-se mais em criar uma cortina de fumaça sobre a ausência de qualquer plano de governo e sobre os escândalos envolvendo sua família e correligionários, bem como em agradar seus seguidores fanáticos e, principalmente, atacar qualquer potencial rival nas próximas eleições.
O que estamos vivenciando não se trata mais de esquerda versus direita, mas sim de salvar pessoas e a economia brasileira de repetirmos em 2021 o desastre deste ano. A saída de Bolsonaro do poder é uma obrigação moral. Seja pela sua não reeleição ou, a via mais urgente, pelo impeachment, que existe para dar uma solução para situações em que haja um crime de responsabilidade. E deixar que brasileiros morram por opção política é sim suficiente para isso.
Entretanto, espanta-me a pasmaceira. Vivemos em um país que dinheiro é escondido no reto de políticos, que milícias dominam parte do território nacional, que líderes de organizações criminosas fogem do país sob o beneplácito irresponsável de um magistrado das altas cortes. Tudo cansa, refugiamo-nos em nossas prisões particulares, fingindo-nos de mortos na esperança de sermos poupados. Mas ninguém será poupado da omissão. O sangue de cada brasileiro que podia ser salvo da peste, mas não o foi por covardia, passividade ou ignorância está nas nossas mãos.
Se corrupção mata, falta de caráter e irresponsabilidade matam também. É mais que hora de dizermos não a essa ideologização da saúde pública. Vacinas não têm ideologia, não têm partido político ou pertencem a alguém. Seja qual for sua origem, desde que aprovada segundo critérios científicos e os procedimentos adequados, ela deve ser aplicada. Precisamos de mais de 400 milhões de doses. O mundo lutará por poucos milhões quando serão necessárias bilhões de doses. Não se pode desprezar qualquer vacina com eficácia e segurança comprovada. Pouco importará para quem for salvo qual foi sua origem.
É preciso revolta e indignação, por muito menos brasileiros foram às ruas em 2013. Foi triste ver imagens de tentativas de invasão do Congresso Nacional ou do Itamaraty, mas foi ali que iniciou a percepção de que havia algo de muito podre no Brasil. Dilma Rousseff foi “impichada” por muito menos que Bolsonaro já fez. A ex-presidente realmente era incapaz para o cargo, mas Bolsonaro transcende qualquer definição de inadequação ou irresponsabilidade. Fora Bolsonaro!