A ministra Maria Elizabeth Rocha, futura presidente do Superior Tribunal Militar (STM), afirmou, em entrevista à Agência Brasil, que é “lamentável” a absolvição de militares que assassinaram o músico Evaldo Rosa e o catador de recicláveis, Luciano Macedo, no Rio de Janeiro, em 7 abril 2019.
“O que eu posso dizer é que uma família perdeu o pai, o sangue espirrou na blusa do filho e tudo isso, para mim, foi um elemento de convencimento para realmente ser dura na pena. Aqueles militares que atuaram em Guadalupe descumpriram todas as regras de engajamento previstas. E nem se tratava de uma operação de Garantia da Lei de da Ordem (GLO), que já tinha, inclusive, findado no ano anterior”, assinalou a ministra, que vai assumir a Presidência do tribunal em março.
Os militares dispararam 257 vezes, sendo que 62 tiros acertaram o carro que estava Evaldo e a família. Eles estavam a caminho de uma festa de chá de bebê no bairro de Guadalupe, na Zona Norte do Rio. Luciano Macedo foi morto ao tentar ajudar a família alvejada no carro.
Os 15 ministros do STM encerraram o julgamento do caso Evaldo Rosa na última semana de trabalho do ano. O STM é composto por 10 juízes militares das três Forças Armadas e cinco civis.
O tribunal decidiu seguir o relator e, por oito votos, na prática, absolveu os militares da morte do músico. Os militares tiveram a condenação mantida apenas pela morte do catador de recicláveis Luciano Macedo.
Eles terão que cumprir penas em regime aberto, que vão de 3 anos e 2 meses a 3 anos e 10 meses. Apenas o tenente Ítalo da Silva Nunes recebeu uma pena ligeiramente mais alta.
A condenação é 10 vezes menor do que a condenação da primeira instância, em 2021, quando receberam penas de 28 a 31 anos de prisão em regime fechado.
Três votos foram divergentes, entre eles o da ministra Elizabeth Rocha.
A ministra proferiu o voto mais expressivo contra os criminosos, pedindo uma pena de 31 anos e 6 meses de reclusão para o tenente e de 28 anos de reclusão para o sargento, além de 23 anos e 4 meses para os cabos e soldados envolvidos.
Contudo, ela foi voto vencido, e os juízes seguiram o relator da matéria, o ministro e tenente-brigadeiro da reserva da Aeronáutica Carlos Augusto Amaral, que atendeu à tese da defesa e considerou que o tiro que atingiu Evaldo teria ocorrido durante a troca de tiros entre a patrulha do Exército e os homens que realizavam um assalto na região.
“Na verdade, foi lamentável tudo o que aconteceu. Eu fiquei extremamente abalada”, disse Elizabeth. “Talvez tenha sido o pior processo que eu julguei nesses 18 anos de magistratura”.
A futura presidente do STM registrou que “houve muita divergência dentro da Corte”. “Na verdade, o meu voto foi o mais duro, mas teve ministro que condenou há 10 anos. Não foi uma liberalidade geral como em princípio pareceu. Mas realmente prevaleceu o voto do ministro relator e revisor, numa pena de três anos e pouco, em regime aberto”.
“Mesmo que se tratasse de criminosos, de bandidos, como eles os qualificaram, eram um pai de família e um catador de recicláveis. Não se poderia desfechar mais de 250 tiros contra homens que estavam desarmados. E mesmo que estivessem armados, que não era o caso, essa desproporção foi inimaginável em um Estado Democrático de Direito”, criticou.
“Por tudo isso, a lição que eu quis deixar assentada no meu voto é que não é admissível que o Estado se comporte dessa forma. Eles foram sujeitos a um perfilamento racial”, denunciou. “O mais irônico é que faziam parte da tropa, que fuzilou o músico e o catador de recicláveis, homens pretos e pardos. Esses homens acreditam nesse sistema de exclusão social”.
BOLSONARO
A ministra ainda comentou na entrevista que o governo Bolsonaro desvirtuou as funções das Forças Armadas.
“Houve realmente um dos efeitos mais nefastos do governo Bolsonaro (2019 – 2022), essa participação maciça de militares e essa ocupação maciça de militares nos postos de poder que deveriam ser destinados a civis”, avaliou.
“Os homens que são armados e investidos no monopólio da força legítima pelo Estado têm que se submeter ao poder civil e se subordinar às regras civis e militares que os enquadram”, defendeu.
“Então, nesse sentido, não pode haver esse constrangimento de militar participar da política. Porque quando a política adentra os quartéis, a hierarquia e a disciplina saem arranhadas. E foi o que aconteceu”.
“Subordinado ofendendo comandante, militar querendo inventar golpe de Estado. Agora, é preciso que haja uma separação da instituição dos seus autores. É preciso separar o joio do trigo. Mas a sociedade não tem essa visão transparente, não tem essa lucidez para ver que são determinados indivíduos que serão apenados, que serão julgados, que participaram desses delitos”.
Elizabeth Rocha já foi vice-presidente da Corte no biênio 2013-2015. Assumiu a Presidência do tribunal em 2014 para completar o mandato do biênio.