No Meia Noite em Pequim desta semana da TV Grabois, em pauta a notícia, que tomou conta dos meios televisivos e escritos, de que há ‘uma crise econômica na China, resultado do fracasso da política de Covid Zero’, de acordo com tais interlocutores.
Na minha opinião – observa o pesquisador e escritor Elias Jabbour – existe um processo muito recente na China de queda tanto do crescimento industrial quanto do consumo.
O que, ele aponta, tem relação direta com esse processo lento, gradual e seguro, de reconstrução do setor de construção civil na China, depois da quebra da principal empresa do setor, a Evergrande, que está passando por uma estatização. Mas – sublinha – o principal do que está acontecendo é que o maior hub industrial do país, Xangai, foi paralisado por dois meses, ou 70 dias, por uma questão sanitária.
Ou seja, as pessoas foram proibidas de sair de casa por 70 dias, as empresas ficaram sem funcionar por 70 dias e muito do que consumimos no ocidente vem dessas indústrias, muitas delas capazes de gerar um efeito encadeamento na economia global, de gerar crescimento econômico também em outros países.
Então não estamos falando de qualquer economia, estamos falando de uma economia que representa 18%, 19% do PIB mundial e você tem uma conurbação urbana como Xangai paralisada por conta da Covid. É óbvio que isso impacta o mundo inteiro.
A revista The Economist – ele comenta – fez uma capa e um editorial terrível sobre a situação chinesa. É a pós-verdade na sua forma mais crua, a ordem completamente invertida, como se na China tivesse morrido um milhão de pessoas de Covid e, nos EUA, somente 6 mil.
A China, o governo Xi Jinping, o Partido Comunista, fizeram uma escolha, destaca Jabbour, “colocaram a vida na frente da economia”. Recusaram-se a correr o risco de ter mortes assim em excesso como aconteceu no Ocidente.
O que implicaria em uma desmoralização muito grande do regime e, inclusive, para muita gente, poderia levar a um questionamento mais profundo do sistema e à queda do Partido Comunista. Então o governo chinês está sendo radical nessa questão da política de Covid Zero.
Xangai, por problemas políticos locais, talvez não tenha levado tão a sério essa política e o preço a se pagar foi o alastramento da Ômicron naquela cidade, que levou ao fechamento da mesma e à intervenção de Pequim sobre as autoridades locais. Como já falei – ele ressalta – o Partido Comunista chinês não é um bloco monolítico.
Engraçado que, com todos esses problemas que estão falando que economia Chinesa vai ter, a previsão de crescimento para este ano é de 4,5% – enquanto os EUA vêm de um crescimento negativo no primeiro trimestre do ano.
Essa taxa de crescimento da China prevista para este ano é muito menor que a média dos últimos anos, 6,5%-6%, e muito menor do que há um tempo atrás, 9%. A questão é que o crescimento econômico é uma variável que, na medida em que você expande a sua economia, se torna qualitativo.
Então o atraso que é o dinamismo econômico faz com que durante muito tempo um país possa crescer 10, 12% como a China cresceu. Na medida em que o país alcança níveis de desenvolvimento das forças produtivas alto, esse crescimento passa a ser qualitativo, passa a crescer 6%-7%, sem afetar a necessidade da geração de empregos anuais, que na China para os próximos 5 anos é de 11 milhões de empregos urbanos por ano.
Então hoje a China pode escolher crescer de uma forma mais sustentável, mais verde, um crescimento menos ofensivo à natureza. Podem escolher porque o país criou mecanismos institucionais e políticos capazes de gerir uma economia que, apesar do menor crescimento, mantém um aumento da produtividade do trabalho e também cumpre suas metas de geração de emprego, que é a grande preocupação dos chineses. A estabilidade social depende da geração de empregos.
Ninguém está colocando em questão que a economia chinesa está sofrendo um baque muito grande por conta do lockdown em Xangai. Mas, ao mesmo tempo em que acontece o lockdown em Xangai, os chineses pedem às províncias seus planos para o lançamento de outro pacote fiscal imenso, no valor de 2,5 trilhões de dólares.
Isso significa que os chineses têm capacidade financeira e industrial suficiente para lançar um imenso pacote fiscal, isso é um plano Biden, que [nos EUA] não saiu do papel de jeito nenhum, e a China é capaz de colocar em elaboração, o que desmoraliza o próprio plano Biden.
Então a China – diante uma situação como a de Xangai que acaba paralisando boa parte da sua produção industrial – consegue construir a partir do que acumulou nas ultimas décadas de condições financeiras e de instituições industriais para fazer frente a essa queda de demanda interna.
O que não vai evitar um crescimento menor que nos anos anteriores. São escolhas conscientes e, por mais duras que possam parecer, são corretas, afiança o pesquisador. Ele reitera que a China não pode arriscar um espalhamento do vírus em um país com 1,4 bilhão de habitantes, o que poderia levar a uma catástrofe nacional e internacional.
Esse debate tem sido feito dentro e fora da China, embora muitas vezes enviesado, tentando mostrar que ali é só erro atrás de erro, enquanto se esconde o fato de metade dos EUA não ter se vacinado, de ter de mais 1 milhão de mortes.
Para concluir, Jabbour avalia que a China irá recuperar o crescimento. Em 2021, o crescimento foi muito alto, por conta de ter sido muito baixo em 2020 por causa da pandemia. Em 2023 a China deve se recuperar desse baque que foi o lockdown de Xangai e – apesar do ambiente internacional cada vez mais desfavorável à China – voltar ao normal, crescendo em patamares aceitáveis e de acordo com as demandas do próprio país.
Elias Jabbour é professor dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Econômicas e em Relações Internacionais da UERJ.