(HP 23/10/2013)
Se dependesse do governo, perda seria maior
Resistência nacional foi decisiva para impedir a privatização completa
O leilão do campo de Libra encontrou a sua própria definição: sob ordem da Presidência, foi realizado por trás de tropas do Exército, da Força de Segurança Nacional e com o cerco até de barcos da Marinha de Guerra, com jovens sendo atingidos e feridos por uma catadupa de balas de borracha, com helicópteros atirando-as sobre a multidão e a violência histérica contra, até mesmo, a bandeira nacional. Nenhum apoio do povo, nenhuma manifestação a favor – só algumas declarações de vendilhões sem vergonha, de alguns tolos e de alguns puxa-sacos do patrão.
Algo que não se via desde a ditadura – e em seus piores momentos.
O resultado demonstrou que a intenção do governo sempre foi a de entregar Libra ao cartel multinacional das petroleiras; segundo, que somente não entregou mais porque o povo, a mobilização em todo o país, não deixou.
Talvez o melhor comentário sobre o leilão de Libra tenha sido feito, ainda antes, pelo petroleiro João Antônio de Moraes, líder da FUP e da CUT, com a rude precisão dos operários: “Quem aluga a bunda não pode escolher onde sentar”.
Não pode mesmo – como demonstra uma notícia publicada no dia seguinte ao leilão, inteiramente confirmada pelos fatos:
“A escolha dos executivos que vão compor a Pré-Sal Petróleo S.A (PPSA), estatal que vai gerir os contratos de blocos arrematados no regime de partilha de produção, semana passada, foi ‘absolutamente fundamental’ para que a Total decidisse participar do leilão de Libra ontem, nas palavras do diretor-geral da francesa Total no Brasil, Denis Besset. (…) A questão da formação da PPSA havia sido levantada por Besset (…) quando o executivo declarou que era complicado definir a participação sem saber qual era a formação da PPSA” (Valor Econômico, 22/10/2013, grifos nossos).
Assim, para entregar parte do Campo de Libra à Total – e também à Shell – a presidente Dilma nomeou, para presidente da PPSA, o braço direito do celerado David (“o petróleo é vosso”) Zylbersztajn na ANP e, para diretor, o chefe de gabinete do malfadado Henri (“Petrobrax”) Reichstul na tentativa de esquartejamento da Petrobrás – ambos durante o governo Fernando Henrique Cardoso. O último, inclusive, era um lobista na ativa das multinacionais. Função da PPSA: fiscalizar as multinacionais.
Já o renegado Lima, depois de se exibir no leilão – devidamente garantido pelas forças policiais e militares presentes – declarou que estava “muito feliz” porque “no Brasil nós nunca fizemos isso porque nunca tivemos uma área tão prolífica como o pré-sal”. Pelo jeito, Lima quer proteger o petróleo da sanha dos brasileiros, entregando-o às multinacionais. O leilão do campo de Libra foi o primeiro leilão de petróleo já descoberto da História. Ninguém leiloa petróleo que já foi descoberto. Leiloam-se áreas para pesquisar petróleo, não áreas em que já se descobriu o petróleo. Mas, pior é o ridículo de dizer que foi a ANP, e não a Petrobrás, que descobriu petróleo nos campos de Libra e Franco, provavelmente com o uso do delicado mini-canivete (suíço?) do seu então diretor-geral. Deixa de ser mentiroso, ô Haroldo!
Disse a presidente Dilma, na segunda-feira à noite, que “85% de toda a renda a ser produzida no Campo de Libra vão pertencer ao Estado brasileiro e à Petrobras. Isso é bem diferente de privatização“.
“Bem diferente”? Quem disse que isso era privatização, e só privatização, e nada mais que privatização, foi ela – é verdade que era candidata, não presidente. Foi a candidata Dilma quem disse:
“Eles [os tucanos] defendem a privatização do pré-sal, ou seja, que a exploração do pré-sal seja feita por quem? Pelas empresas privadas internacionais. Isso é grave porque o pré-sal é uma das riquezas mais importantes do país. Defender a privatização do pré-sal significa tirar dinheiro do país. (…) Isso seria um crime contra o Brasil“.
Quanto ao resto, a expressão “renda a ser produzida no Campo de Libra” é uma forma de não dizer chongas – ou absolutamente nada – da mesma forma que o acréscimo “a Petrobrás” depois de “Estado brasileiro”. “Renda a ser produzida no Campo de Libra” inclui até o preço de um melhoral que algum companheiro petroleiro, acometido de dor de cabeça, compre na cantina de uma plataforma – se é que existem cantinas nas plataformas.
A questão é a parte do governo (ou da União) na partilha do petróleo extraído, não a renda em geral – pela simples razão de que é possível comprar melhoral em outro lugar que não uma plataforma de petróleo, da mesma forma que recolher Imposto de Renda ou Contribuição Social Sobre o Lucro (CSSL) de alguma empresa no pré-sal não é diferente de fazer o mesmo com qualquer outra empresa do país. O que é diferente – isto é, específico – no Campo de Libra é a partilha do petróleo lá produzido.
Como diz um filósofo aqui da casa, não entender algo tão óbvio é burrice demais para ser só burrice. Basta ver as percentagens citadas. Depois desses 85% da presidente, vale tudo.
Nesse passo, daqui a alguns dias, as multinacionais vão estar pagando ao governo para que fique com o nosso petróleo e ainda vão dar um vale para cada brasileiro gastar numa Coca-Cola. Pelas contas da presidente, 41,65% de 45% – que é o “excedente em óleo” ou “óleo-lucro” – são 85%, em vez de 18,74% (v. coluna de Fernando Siqueira nesta página). Antes, para o Lobão e a Magda, a mesma conta resultava em 75% – a presidente, num único dia, avançou mais 10 pontos percentuais. Daqui a pouco o governo vai estar recebendo 120%, 150%, talvez 300% do petróleo de Libra.
Nem vale a pena observar outra vez que os autores dessas contas estão somando espartilhos com caixas de maizena (daí expressões engana-trouxas do tipo “renda a ser produzida no Campo de Libra”) porque, mesmo assim, a conta não dá certo. O que se está discutindo é quanto, na partilha do petróleo, mais exatamente, na partilha do “excedente em óleo” (petróleo extraído menos custo de produção menos royalties) ficará com a União, tendo em vista que os países produtores de petróleo ficam com 80% do excedente – uma média de 72% do óleo produzido – e, no Brasil, o governo estabeleceu que apenas 41,65% desse excedente ficará com a União, podendo, de acordo com uma escala móvel, baixar até 15%.
O resto, leitores, é bobagem (o renegado Lima somou até um aluguel para chegar a lugar algum).
O que não é bobagem, leitores, é ver o nosso povo, é ver trabalhadores, estudantes, mulheres, gente humilde dos bairros, gente que saiu das plataformas e das fábricas, recusando o letal marasmo que lhe é oferecido, para levantar-se e defender o nosso petróleo, a Petrobrás, vale dizer, a nossa Nação, a nossa Pátria. Pois aí está o novo Brasil, ainda em germe, aí, sim, está o nosso passaporte para o futuro.
Não sabemos ainda tudo o que o governo concedeu para entregar 40% de Libra ao cartel petroleiro. Mas, por consequência, tudo o que fez foi para impedir a Petrobrás de ter uma parcela maior. É evidente que a Petrobrás poderia ter 50% ou mais. Porém, se não fosse a sua defesa pelo povo, pelos que, em todo país, mobilizaram-se contra esse leilão ignominioso, nem os 40% ela teria. Tal como já havia anunciado o ministro Lobão, ficaria nos 30%, que é o mínimo que lhe garante a lei do presidente Lula no pré-sal.
Assim, a Shell e a Total, duas das cinco “supermajors”, as petroleiras que mandam no cartel (pela ordem, de acordo com o Platts Top 250 Global Energy Company: ExxonMobil, Shell, Chevron, BP, Total; a ExxonMobil e a Chevron são, ambas, “Standard Oil” do grupo Rockefeller, portanto, é um grupo de cinco que, na verdade, são quatro) ficaram com 40%, mesma percentagem que a Petrobrás. Duas estatais chinesas, a CNPC e a CNOOC, pegaram 10% cada uma.