
Em carta aberta ditada de dentro de sua prrisão na Louisiana, Khalil denuncia o racismo de sua injusta detenção e da investida governamental contra as manifestações solidárias à Palestina no meio acadêmico norte-americano
“Meu nome é Mahmoud Khalil e sou um prisioneiro político”, afirmou nesta terça-feira o ativista pró-Palestina, graduado na Universidade Columbia e que aí cursa doutorado, em carta ditada de dentro de sua prisão.
“Estou escrevendo para você de um centro de detenção na Louisiana, onde acordo em manhãs frias e passo longos dias testemunhando as injustiças silenciosas em andamento contra muitas pessoas excluídas das proteções da lei”, seguiu, denunciando que foi sequestrado e preso pelo governo Trump por seu papel em protestos antigenocídio na Universidade de Columbia.
Khalil, que é portador do Green Card, que lhe dá o direito de residência permanente, não foi acusado de nenhum crime, mas continua encarcerado em uma unidade de detenção do ICE, a polícia norte-americana de imigração e fronteiras, a mais de 1.300 milhas de sua esposa, uma cidadã americana que está esperando seu primeiro filho em abril. Esses são seus primeiros comentários públicos desde que foi seqüestrado em 8 de março na cidade de Nova York.
“A minha detenção foi uma consequência direta do exercício do meu direito à liberdade de expressão, ao defender uma Palestina livre e o fim do genocídio em Gaza, que foi retomado com força total nesta noite de segunda-feira”, assinalou numa declaração postada pelo jornal britânico The Guardian.
“Quem tem o direito de ter direitos? Certamente não são os humanos amontoados nas celas aqui. Não é o senegalês que conheci que foi privado de sua liberdade por um ano, tem sua situação legal no limbo e sua família a um oceano de distância. Não é o detento de 21 anos que conheci, que pisou neste país aos nove anos, apenas para ser deportado sem sequer uma audiência”, observou.
“EUA CONTINUAM A FORNECER ARMAS A ISRAEL”
“Sempre acreditei que meu dever não é apenas me libertar do opressor, mas também libertar meus opressores de seu ódio e medo. Minha detenção injusta é indicativa do racismo antipalestino que tanto o governo Biden quanto o governo Trump demonstraram nos últimos 16 meses, enquanto os EUA continuam a fornecer armas a Israel para matar palestinos e impediram a intervenção internacional”, denuncia ao se referir aos vetos dos Estados Unidos às resoluções da ONU em defesa do povo palestino.
Depois de relatar o papel dos estudantes na liderança dos protestos contra a guerra e o racismo, Khalil alertou:
“Minha prisão, a expulsão ou suspensão de pelo menos 22 estudantes da Columbia — alguns destituídos de seus diplomas de bacharelado poucas semanas antes da formatura — e a expulsão do presidente da SWC (Student Workers of Columbia), Grant Miner, na véspera das negociações do contrato, são exemplos claros do racismo que prevalece por aqui”.
A universidade que esteve no centro dos protestos universitários no ano passado, que exigiam o fim do apoio dos EUA a Israel devido às mortes de civis e à crise humanitária causada pelo ataque e cerco israelense a Gaza, foi cortada em US$ 400 milhões em financiamento – o equivalente a R$ 2,3 bilhões por Trump, alegando que não teria agido com firmeza contra os atos solidários aos palestinos, ou, nas palavras dele, contra as “manifestações de antissemitismo”.
“O governo Trump está me alvejando como parte de uma estratégia mais ampla para suprimir a dissidência. Portadores de visto, portadores de Green Card e cidadãos serão todos alvos por suas crenças políticas. Nas próximas semanas, estudantes, defensores e autoridades eleitas devem se unir para defender o direito de protestar pela Palestina. Em jogo não estão apenas nossas vozes, mas as liberdades civis fundamentais de todos”, disse, convocando todos a se mobilizarem.
TRUMP ATACA JUDICIÁRIO
A declaração de Khalil ocorreu no mesmo dia em que o presidente Donald Trump, em sua conta no Truth Social, atacou violentamente o juiz federal James Boasberg por emitir uma ordem de restrição temporária de 14 dias bloqueando a deportação de centenas de imigrantes venezuelanos sob a anacrônica Lei de Inimigos Estrangeiros de 1798.
Os ataques de Trump ao Judiciário obrigaram o presidente do Supremo Tribunal John Roberts a emitir uma rara declaração nesta terça-feira repreendendo Trump. Em uma mensagem enviada à mídia corporativa, Roberts escreveu:
“Embora Trump tenha afirmado que ‘nunca desafiou’ uma ordem do Judiciário em sua entrevista com Ingraham, altos funcionários de sua administração declararam publicamente que não cumprirão as ordens judiciais”, constatou.
O juiz Jesse Furman, do Tribunal Federal de Manhattan, decretou duas vezes a suspensão do processo de deportação de Khalil, que encontra poucos precedentes na história recente norte-americana. Nas últimas semanas, têm-se multiplicado os casos de imigrantes legais e de turistas detidos e deportados dos Estados Unidos, num quadro de agravamento das restrições racistas do governo de Trump à entrada e permanência no país.