A mortalidade de bebês indígenas voltou a subir em 2019. Entre janeiro e setembro de 2019, foram registradas as mortes de 530 bebês indígenas com até um ano de idade, uma alta de 12% em relação ao mesmo período de 2018.
O aumento do índice coincide com o fim da atuação dos médicos cubanos contratados pelo Programa Mais Médicos. O acordo de cooperação foi encerrado em 2018 e muitos dos profissionais que atuavam dentro dos territórios indígenas não foram substituídos.
Os dados são do Ministério da Saúde e foram obtidos pela BBC News Brasil com base na Lei de Acesso à Informação.
Logo no mês seguinte ao fim do convênio com Cuba, em janeiro de 2019, houve 77 mortes de bebês indígenas, sendo o índice mais alto para um único mês desde pelo menos 2010, quando se inicia a série de dados obtida pela BBC News Brasil.
Os 301 cubanos contratados pelo programa respondiam por 55,4% dos postos de médicos na saúde indígena. Desde a saída do grupo, o governo repôs parte das vagas com médicos brasileiros, mas muitos líderes comunitários apontam que houve uma piora nos serviços.
A principal causa das mortes dos bebês em 2019 foram algumas afecções originadas no período perinatal (24,5%), doenças do aparelho respiratório (22,6%) e algumas doenças infecciosas e parasitárias (11,3%). O índice de mortes de bebês indígenas em 2019 foi o maior desde 2012, quando houve 545 casos entre janeiro e setembro.
O “Mais Médicos” teve início no ano seguinte, em 2013. Entre 2014 e 2018, o indicador caiu para uma média de 470 mortes por ano.
Para calcular o índice de mortalidade infantil entre indígenas em 2019, seria necessário considerar o total de bebês nascidos no período, número ainda não disponível. Em 2016, o Ministério da Saúde lançou um programa para tentar reduzir esse índice em 20% até 2019. Naquele ano, havia 31,28 mortes de bebês indígenas por mil nascidos vivos, sendo mais do que o dobro da média nacional (13,8). A maioria das mortes (65%) era causada por doenças e causas evitáveis.
O atendimento das comunidades nativas é uma atribuição da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), subordinada ao Ministério da Saúde. A secretaria gere 35 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs), responsáveis pelos cuidados de cerca de 765.600 indígenas em todo o país.
Entre 2018 e 2019, houve aumento na mortalidade de bebês em 18 desses distritos, e em cinco deles o índice mais do que dobrou. Os distritos com mais mortes de bebês foram Yanomami (97), Alto Rio Solimões (54) e Xavante (47).
A maior variação ocorreu no DSEI Bahia. Entre janeiro e setembro de 2019, 11 bebês indígenas com até um ano morreram na região, número quase quatro vezes maior do que o registrado no mesmo período de 2018, quando foram 3 mortes.
Antes do fim do convênio, em 2018, os médicos cubanos respondiam por 51,6% dos 16.150 médicos do programa. O convênio foi encerrado após Bolsonaro questionar se os profissionais cubanos eram médicos de fato. O então candidato à Presidência chegou a acusar os médicos de serem agentes cubanos infiltrados no país.
Bolsonaro dizia que os médicos cubanos trabalhavam em regime de escravidão, pois tinham de deixar as famílias para viajar ao Brasil e porque 70% de seus salários ficavam com o governo cubano. Ele questionava ainda a qualificação dos médicos cubanos, que eram dispensados de revalidar seus diplomas no Brasil para participar do programa. Durante a campanha eleitoral, Bolsonaro afirmou que passaria a exigir a revalidação para “expulsar” os cubanos do país.
Ao comunicar o término da parceria, o governo de Cuba criticou Bolsonaro por questionar “a dignidade, o profissionalismo e o altruísmo dos colaboradores cubanos que, com o apoio das suas famílias, prestam serviços atualmente em 67 países”. A prestação de serviços de saúde é uma das principais fontes de receita de Cuba, que tem a maior relação de médicos por habitantes do mundo, segundo o Banco Mundial.
Com o fim do acordo, o país caribenho convocou seus médicos a deixar o Brasil entre 25 de novembro e 25 de dezembro de 2018.
ATENDIMENTOS
Os dados obtidos pela BBC News Brasil apontam para uma melhora expressiva após a implantação do Mais Médicos, embora os indicadores continuassem abaixo da média da população brasileira. De 2007 a 2013, segundo uma reportagem publicada em 2014 pela BBC News Brasil com dados do Ministério da Saúde, 40% de todas as mortes indígenas no país eram de crianças com até quatro. Desde 2015, o índice caiu para menos de 30% e fechou 2019 em 28%. A média brasileira é de cerca de 4,5%.
Outros indicadores tiveram uma variação menor na época do Mais Médicos, como o percentual de mortes de indígenas por doenças infecciosas e parasitárias, consideradas evitáveis. O índice passou de 8,2%, em 2013, para 7,2%, em 2018, ante uma média nacional de 4,5%.
Especialistas atribuem as melhoras não só aos Mais Médicos, mas também ao aumento nos atendimentos realizados pelas Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena. Encarregados da atenção primária, os grupos são compostos por outras categorias profissionais, entre as quais enfermeiros, nutricionistas e agentes indígenas de saúde e de saneamento.
Segundo um relatório da Sesai divulgado no início de 2019, a média de atendimentos realizados por essas equipes passou de 1,56 atendimento por habitante, em 2014, para 6,32, em 2017.