A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) do Ministério Público Federal (MPF) emitiu uma Nota Técnica ao Congresso Nacional criticando a Medida Provisória (MP) 910 que facilita a concessão de títulos de propriedades rurais a ocupantes de terras públicas da União.
Para os procuradores, a MP estimula a grilagem de terras públicas, perda de receitas, ampliação de conflitos no campo, desmatamento e promove severos impactos no cumprimento da Constituição Federal quanto às políticas de reforma agrária no país.
O MPF destaca que, se aprovada, a MP 910 põe em risco “o acesso justo e legítimo à terra, mediante reforma agrária, o patrimônio público econômico e ambiental e os direitos de grupos étnicos e culturais”, que são bens protegidos pela Constituição Federal.
“No caso da MP 910, não há um só estudo que evidencie que o enorme destacamento do patrimônio público para o privado é medida de justiça e de atenção ao interesse comum. Pelo contrário, a fragilidade das bases de dados fundiários oficiais revela que não é ainda possível determinar o número, a distribuição e o perfil dos imóveis que necessitam de regularização. Portanto, ela propõe uma alteração de lei vigente, com efeitos projetados até 2021, sem qualquer análise dos impactos positivos e negativos por ela gerados”.
Para o MPF, a Medida Provisória 910, editada pelo governo Bolsonaro em 10 de dezembro de 2019 é ainda mais agressiva que as leis 11.952/2009 e 13.465/2017, conhecidas como MPs da Grilagem, que atualmente são objeto de ações no Supremo Tribunal Federal (STF) por serem inconstitucionais.
Na avaliação do órgão, a MP “aprofunda inconstitucionalidades das proposições anteriores e resultará em impactos sociais, econômicos e ambientais ainda mais graves”.
“A lei de 2009 restringia sua incidência apenas ao território da Amazônia Legal. Já a lei de 2017 estendeu os seus limites para todo o país, mas restringindo a possibilidade de regularização às áreas registradas em nome do Incra. Agora, com a nova MP, também são alcançadas as ocupações de áreas da União. Ou seja, em qualquer local do território será possível regularizar ocupação de até 2.500 ha incidente em área de domínio do Incra ou da União, com as mesmas normas inicialmente estabelecidas para a Amazônia Legal”, alertou.
“Por meio desses instrumentos, foram transferidos a particulares milhares de hectares de terras, sob diversas condições resolutivas, muito especificamente pagar determinado valor e implantar projeto de exploração agropecuária num certo prazo. A partir de agora, as condições para renegociação desses contratos saem da lei e passam a ser estipuladas por decreto do presidente da República”.
De acordo com a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, a MP faz com que a invasão de terra pública compensa porque “a eternidade se encarrega de regularizar a situação”.
CONDUTAS CRIMINOSAS
Longe de evidenciar a realização de justiça social na distribuição de terras, essa sucessão de medidas legislativas que vão flexibilizando os requisitos para a regularização fundiária tem também o potencial explosivo de gerar condutas criminosas de invasão de terras públicas.
Isso porque parte significativa das áreas a serem regularizadas proveem de contratos celebrados sob a denominação de Contrato de Alienação de Terra Pública e Contrato de Compromisso de Compra e Venda, largamente utilizados no processo de “ocupação” da Amazônia Legal, sobretudo nos estados de Rondônia, Pará e Mato Grosso.
“Aliás, não é fortuito que sucessivos relatórios da Comissão Pastoral da Terra coloquem os estados do Pará, Rondônia e Mato Grosso como campeões de conflitos no campo”, reforça o documento.
EXCESSOS
O Ministério Público Federal ainda critica o excesso de Medidas Provisórias adotadas pelo governo Bolsonaro desconfigura sua função e a relação institucional entre os Poderes da República.
“A grilagem de terras e o desmatamento atravessam séculos sem soluções de todo satisfatórias. Não é concebível que, de um momento para o outro, se transformem em problemas de tamanha urgência que demandem o uso desse instrumento excepcional que é a medida provisória. Leve-se ainda em conta que há uma lei recente, de 2017, alcançando contratos que podem ser renegociados até 22 de dezembro de 2021. A urgência seria então apenas para aumentar o estoque de terras disponível para a regularização e tornar mais flexíveis as exigências para tanto?”, afirma a nota técnica.