Em debate pelo “Democracy Now”, programa norte-americano de rádio independente comandado por Amy Goodman, um voluntário da associação que foi um dos alvos do ataque neonazi em Pittsburgh – a Hias (Sociedade de Ajuda aos Imigrantes Hebreus) -, o neurologista e professor aposentado da Universidade de Boston, David Glosser, advertiu que o massacre na sinagoga Árvore da Vida “é o que acontece quando o discurso de ódio é legitimado”. Na chacina no sábado (27), Robert Bowers matou a tiros de AR-15 11 judeus idosos durante um culto e feriu mais dois, além de quatro policiais.
A entrevistadora destacou como o neonazi Robert Bowers postou em uma rede social pouco antes do crime na sinagoga que “a Hias gosta de trazer invasores que matam nosso povo. Eu não posso ficar sentado observando meu povo ser assassinado. Apertem suas miras, eu estou indo”. Goodman lembrou que em uma postagem seis dias antes o neonazi registrou ter notado “uma mudança nas pessoas que diziam ‘ilegais’ e agora dizem ‘invasores’” – na verdade, a caracterização da caravana de refugiados hondurenhos rumo aos EUA como “invasores” é do próprio Trump.
Teve grande repercussão em agosto artigo de Glosser no site Político sobre um dos principais formuladores da política anti-imigrantes de Trump, Stephen Miller, a quem denunciou como “um hipócrita sobre imigração”, acrescentando “eu sei, porque sou seu tio”.
Para Glosser, o que está se vivendo nos EUA é a consequência “dos nossos líderes políticos abandonaram suas responsabilidades morais”. “A questão que tem que ser perguntada: o que acontece quando o discurso de ódio se torna legitimado e se torna aceitável em nosso discurso político para condenar e vilipendiar pessoas inocentes com base em raça, religião, nacionalidade ou cor?”
“Trump adotou como política difamar e desumanizar hispânicos, muçulmanos, não-brancos, chamando-os de animais subumanos que estão infestando nosso país como muitos insetos ou ratos. Não se engane: este é o mesmo tipo de propaganda que é idêntico aos discursos racistas nos comícios do partido nazista na Alemanha nos anos 1930”, denunciou Glosser. Ele acrescentou que “agora Trump vomita as mesmas mensagens venenosas para seus partidários e declara inocência quando esse vitríolo inflamatório é pulverizado sobre a sociedade. Ele alega inocência agora que esta gasolina política pega fogo e as pessoas se machucam e matam”.
“Estou horrorizado com isso. Eu adoraria dizer que fiquei surpreso, mas não estou”, afirmou o neurologista. “Mais chocante, o Congresso Republicano tolerou sua difamação. Onde estavam seus gritos de indignação? Seu silêncio foi ensurdecedor. Eu diria que esse silêncio tende a legitimar as loucas teorias da conspiração, o discurso do ódio, as ameaças, os atos violentos dos elementos supremacistas brancos mais nocivos do espectro político americano”.
Glosser ressaltou, ainda, como Trump não teve “a menor vergonha’ de nos dizer que “entre os nazistas em Charlottesville, havia muitas pessoas boas, tirando uma falsa equivalência moral entre aqueles que protestavam contra esse tipo de ação e os próprios nazistas”. “Deveríamos nos surpreender agora que supremacistas brancos fanáticos e bem armados, isolados – solitários sem amigos, buscando validação para suas vidas vazias, atuem com base em seu ódio? Eu acho que não”, apontou.
“O Sr. Trump não puxou o gatilho na sinagoga. Ele não enviou essas bombas. Mas pela primeira vez em 50 anos, ele fez do discurso fanático do ódio nos Estados Unidos uma ferramenta de manipulação política”, denunciou Glosser.
Glosser também relatou seu orgulho em ser voluntário para a Hias. “A Hias ajudou a resgatar minha família há cerca de cem anos, agora serve para proteger refugiados desesperados em todo o mundo”. Ele lembrou como, tirando os descendentes dos escravos trazidos à força, ou dos nativos americanos, “todos os outros vieram aqui, em geral, para fugir do perigo, da opressão, da fome e do medo”.
“Eu entendo e respeito a história dos refugiados e imigrantes por causa da experiência pessoal de nossa família, mesmo que Stephen e o Sr. Trump não o façam”, enfatizou Glosser. “O avô do Sr. Trump era – pelo que entendi, ele estava fugindo do recrutamento para o exército alemão. Sua avó era uma refugiada escocesa empobrecida em busca de uma vida melhor em Nova Iorque”, lembrou.
“Você esperaria que essas pessoas tivessem um pouco mais de compreensão, um pouco mais de compaixão, um pouco mais de percepção de que os imigrantes foram bons para este país e que são bons para esse país”. Mas – concluiu – em vez disso “eles se voltaram para essa difamação venenosa de pessoas e as desumanizaram, e isso alimenta essas teorias conspiratórias loucas que levam pessoas desequilibradas como Bowers e Sayoc, a agirem para fora das suas próprias inadequações pessoais ao tentar serem importantes em alguma coisa através da violência”.