
Querem impor o silêncio sobre a morte do miliciano que chefiava o Escritório do Crime, central de assassinatos de aluguel, e que foi homenageado duas vezes pelo senador Flávio Bolsonaro, o ‘zero um’ do presidente
Dois jornalistas da revista Veja foram detidos pela polícia da Bahia na sexta-feira (14), enquanto apuravam a morte do miliciano Adriano da Nóbrega.
O repórter Hugo Marques e o fotógrafo Cristiano Mariz foram abordados pela Polícia Militar enquanto tentavam localizar o fazendeiro Leandro Abreu Guimarães, apontado como uma possível retaguarda de Adriano naquela região e uma testemunha importante do caso.

Mesmo depois de se identificarem, os dois foram detidos e levados ao distrito policial de Pojuca. A polícia apreendeu ali um gravador que continha entrevistas feitas durante a reportagem. Após os depoimentos, os repórteres foram liberados.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, reagiu com veemência ao episódio. “Inadmissível, arbitrária e abusiva a detenção de jornalistas da revista Veja pela Polícia Militar da Bahia”, disse o presidente da ordem. “Deve receber repúdio de todos que defendem a liberdade de imprensa e de expressão”, acrescentou. A Associação Nacional de Jornais (ANJ) e a Associação Nacional de Editores de Revistas (ANER) considerou a ação “arbitrária e injustificável”.

“A abordagem inicial aos dois jornalistas, quando duas viaturas da PM cercaram Marques e Mariz, a detenção dos profissionais por cerca de 20 minutos e, ainda, a apreensão temporária de um gravador com várias entrevistas são atitudes injustificáveis”, diz a entidade, concluindo que não estão querendo que se esclareça as circunstâncias da morte do miliciano na operação batizada com o nome de “Operação BR 101”, que envolveu cerca de 70 policiais da Bahia e do Rio de Janeiro.

A regional da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), a Associação Bahiana de Imprensa (ABI), também protestou. Ela repudiou “as ações de órgãos de segurança contra profissionais da comunicação. Desta feita, o fato ocorre em nosso estado e praticado por integrantes da Polícia Militar da Bahia intimidando jornalistas da Revista Veja”.
“Uma atitude que atinge frontalmente a liberdade de imprensa, contrapondo-se com os ditames democráticos que regem a sociedade brasileira. É de esperar-se providências imediatas das autoridades estaduais, para apurar as responsabilidades dos policiais envolvidos, com a adoção de medidas que visem eliminar este clima de intolerância que vem marcando as relações entre imprensa e polícia”, denunciou a ABI.

A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), líder da Minoria na Câmara dos Deputados, considerou a ação como uma “gravíssima violação da liberdade de imprensa”. “Mesmo identificados como jornalistas, os repórteres Hugo Marques e Cristiano Mariz foram detidos pela PM baiana”, denunciou.
Outros parlamentares do PT e do PSOL também protestaram contra a prisão arbitrária dos repórteres da Veja enquanto esses faziam reportagem sobre a morte do miliciano Adriano da Nóbrega, chefe do Escritório do Crime, um Esquadrão da Morte existente no Rio de Janeiro, que está envolvido na morte da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes.
A última edição de revista trouxe fotos do corpo do ex-capitão que mostram que ele foi morto com tiros disparados à curta distância – no máximo 40 centímetros, diz um legista -, o que contraria a versão oficial da polícia baiana, de que ele teria reagido e morto.
Segundo especialistas, o ferimento no tórax atingiu a parte lateral do tórax, como se ele estivesse com os braços levantados, e o ferimento no pescoço foi dado a um ângulo de 45 graus, que sugere que ele estava deitado quando foi atingido. A lesão está na parte de baixo do queixo. Dias antes de ser morto, Adriano contou ao seu advogado que temia ser alvo de uma queima de arquivo, e por isso não se entregaria à autoridades.

Familiares e conhecidos de Adriano estão certos de que houve execução. “Ele me ligou e disse que não adiantaria se entregar porque ninguém queria a sua prisão, mas sim a sua morte”, disse o advogado Paulo Emílio Catta Preta, que defendia o ex-capitão na Justiça. No domingo 2 de fevereiro, uma semana antes da ação policial que resultou na morte de Adriano da Nóbrega, a esposa dele, Júlia Mello Lotufo, declarou que ele seria assassinado. “Meu marido foi envolvido numa conspiração armada”, afirmou ela à revista Veja.
O miliciano Adriano da Nóbrega estava escondido no interior da Bahia. O ex-capitão do Bope era considerado peça-chave para o esclarecimento de dois casos emblemáticos. Ele tinha ligações muito estreitas com Flávio Bolsonaro, filho do presidente da República. A mãe e a ex-mulher de Adriano, Raimunda Veras e Danielle da Nóbrega, respectivamente, eram lotadas no gabinete do então deputado Flávio Bolsonaro.
Segundo o Ministério Público do Rio de Janeiro, as duas receberam cerca de R$ 1 milhão do gabinete, sem trabalhar, e repassaram R$ 400 mil para Fabrício Queiroz, comparsa de Flávio e de Adriano. Gravações feitas pela polícia entre Adriano e a ex-mulher confirmaram que o miliciano também recebia dinheiro de Flávio Boslonaro.

O pistoleiro profissional morto e Fabrício Queiroz, assessor de Flávio, serviram juntos no 18º Batalhão da PM, em Jacarepaguá, na Zona Oeste. Os dois se envolveram em um homicídio em 2003. Juntos, Adriano e o sargento Queiroz atiraram em Anderson Rosa de Souza no dia 15 de maio de 2003, durante uma ronda na Cidade de Deus. Queiroz, que era muito ligado a Jair Bolsonaro, foi trabalhar no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro.
Neste ano, Flávio prestou uma homenagem da Assembleia Legislativa ao pistoleiro. Em 2005, quando Adriano estava preso por outro crime, Flávio Bolsonaro fez outra homenagem a Adriano com a Medalha Tiradentes, maior honraria do Rio de Janeiro. Na época, Jair Bolsonaro, então deputado, discursou na Câmara Federal em defesa de Adriano da Nóbrega.
Numa clara tentativa de inverter tudo e criar falsas suposições, um dos maiores interessados na morte de Adriano da Nóbrega – por tudo o que ele sabia -, o atual senador Flávio Bolsonaro, aproveitando-se da intenção da família do miliciano de cremar seu corpo, foi para as redes sociais “protestar” contra a decisão e pedir a elucidação do “brutal assassinato” do pistoleiro profissional.
“Acaba de chegar a meu conhecimento que há pessoas acelerando a cremação de Adriano da Nóbrega para sumir com as evidências de que ele foi brutalmente assassinado na Bahia. Rogo às autoridades competentes que impeçam isso e elucidem o que de fato houve”, disse Flávio Bolsonaro. Ou ele está zombando do país, ou quer homenagear novamente o seu antigo Adriano.
SÉRGIO CRUZ
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