(HP 07/09 a 10/10/2012)
“O desenvolvimento da produção brasileira suportou perfeitamente os encargos da guerra. O esforço do trabalhador brasileiro conquistou, para nosso país, uma posição de relevo entre as nações industriais”
GETÚLIO VARGAS
Existe uma frase muito usada pelos economistas franceses, como índice geral da situação econômica e financeira de um povo: “quand le bâtiment va bien, tout va bien” [“quando a construção (imobiliária) vai bem, tudo vai bem”].
Nossa indústria de construções civis se desenvolveu extraordinariamente em técnica e eficiência. No limiar da guerra, ela se apresentava como a segunda indústria do Brasil. Era indispensável mantê-la em ritmo de evolução porque o crescimento do nosso povo assim o exige. A formação de quadros profissionais, de técnicos e de organizadores não se processa a saltos, nem em clima de desinteresse. Passamos da época do predomínio dos mestres de obras para o dos técnicos, arquitetos e engenheiros. Construímos alguns edifícios públicos, utilizamos outros, realizamos as obras essenciais à defesa nacional e mantivemos em limite de eficiência os quadros de técnicos e trabalhadores para que, no após-guerra, não nos defrontássemos com o problema do desemprego ou da falta de habitações.
Fala-se muito a respeito dessa política, criticando-se a orientação seguida, mas não conheço melhor solução para o problema da habitação do que construir casas ou apartamentos. Existe outra fórmula, que é a de paralisar o crescimento das grandes cidades. Mas a ninguém ocorreria a ideia de colocar a cabeça sob uma prensa porque o chapéu fica apertado.
Nossas repartições públicas funcionavam sem eficiência e conforto dos servidores públicos, em prédios em ruínas ou de alto custo de aluguel.
Quanto aos financiamentos feitos pelos institutos, é uma questão de técnica que permitia, através de um juro mais elevado para construções em geral, assegurar financiamentos a juro mais baixo para construções operárias. E dezenas de vilas proletárias surgiram no Brasil com esse sistema, que permitia o uso do dinheiro a preço mais barato para quem mais necessitasse dessas condições.
Multiplicou-se o número de pequenos proprietários urbanos e nos encaminhamos para um ritmo de equilíbrio social. É claro que a propriedade urbana se valorizou, mas essa valorização é principalmente devida à multiplicação do valor do terreno pelo número de andares nele construídos.
A receita pública aumentou e, inegavelmente, melhorou nosso nível de instalações para o trabalho e de habitação. O problema da habitação só se resolve construindo, e não discutindo. Uma coisa é certa: com o sistema que tanto se critica, muitos foram os funcionários, os militares e os chefes de família da burguesia média que puderam adquirir um lar próprio e milhares de operários estão morando em casa própria ou pagando aluguel módico.
Se é verdade que para termos abundância de alimentos a preços razoáveis precisamos produzir, não é menos verdade que, para termos casas a preços módicos, precisamos construir.
SERVIÇOS
As empresas de serviços públicos que os exploram por concessão ou autorização não acompanharam devidamente a evolução do Brasil, excetuando-se as que produzem energia elétrica, em relação a duas usinas de seu sistema no Rio e São Paulo. É bem verdade que foram instaladas muitas usinas elétricas e se solucionaram alguns problemas dessa natureza, mas nossa evolução de consumo de força industrial apresenta um índice de 14% ao ano de aumento, mantido durante mais de dez anos, e que representa um recorde na evolução econômica de todas as nações, superior ao do plano quinquenal russo. Se um grupo de empresas suportou essa evolução e a acompanhou, outro fracassou. E são precisamente seus elementos representativos os líderes da campanha pela estagnação do Brasil.
Os serviços públicos urbanos que dependiam diretamente do governo foram atendidos na medida do possível. Nossas grandes cidades precisam cuidar de transportes urbanos subterrâneos, e já pensamos nisso para o Distrito Federal, nos estudos feitos na Comissão de Planejamento.
DÍVIDA
O Brasil, até o esgotamento total de seu crédito e ruína dos mercados financeiros internacionais, abalados pelo crack de Wall Street de 1929, cujas consequências culminaram no pânico de 1932, viveu do que importava – mercadorias e dinheiro – em troca de café: 76% de sua exportação. Nossos serviços públicos, nossas estradas de ferro, nossa navegação, quase tudo, enfim, que existia e já em avançado desgaste, foi feito com empréstimos estrangeiros.
Tínhamos caucionados ou apenhados quase todos os nossos impostos e, entre eles, a renda da Alfândega. O serviço de juros era, em 1930, na base de quase 12 milhões de libras, 60 milhões de francos, 34 milhões de dólares, e 2.800 mil florins. A dívida interna consolidada exigia 165 milhões de cruzeiros de juros. Nossos orçamentos eram deficitários e, o que é mais grave, nossa balança de pagamentos era também deficitária. Não tínhamos reservas-ouro, nem divisas, e o Banco do Brasil estava com saques a descoberto. Os juros da dívida externa exigiam mais de 35% do total da receita e quase a metade das nossas exportações. Não podíamos importar porque não tínhamos como pagar. Por mais que exportássemos, os preços não compensavam nosso esforço.
Deixei o governo com a dívida externa pesando apenas em 6% sobre as nossas receitas, com 700 milhões de dólares de saldos no exterior e com tantas possibilidades que o governo é obrigado a proibir a exportação, porque se considera com sobra de cambiais.
Durante os 15 anos anteriores a 1930, foi construída uma média anual de 364 quilômetros de estradas de ferro no Brasil. Até o início da guerra, minha administração construiu uma média superior a 200 quilômetros por ano. Mas as administrações anteriores tiveram o recurso dos empréstimos externos. E nós tivemos que trabalhar com nossos meios.
Além disso, e é indispensável acentuar esse ponto, o material ferroviário, de um parque construído quase todo antes de 1914, em 1930 já tinha quase 20 anos de uso e seu desgaste total pesou, precisamente, sobre meu governo. A reforma de material, novos carros, via permanente [elementos fixos de uma ferrovia: p. ex., trilhos e dormentes], novas locomotivas, trouxeram ônus tão grandes quanto o de sua instalação inicial, quando não maiores. Conseguimos melhorar a eficiência do nosso sistema, como documento com os seguintes dados: em 1931 nossas estradas de ferro transportavam 145.421.000 passageiros e, em 1939, transportavam 194.746.000. Em 1931 foram transportadas 2.288.000 cabeças de gado e, em 1939, 3.895.000. Em 1931 a carga foi de 20.725.000 toneladas. Em 1939 já alcançávamos 35.436.000 toneladas.
Apesar de termos sofrido perdas por torpedeamentos – 31 navios com 131.812 toneladas –, com a compra de 19 embarcações já substituímos 129.170 toneladas. Outros navios ainda foram adquiridos para o Lloyd Brasileiro, mais de 500 quilômetros de estradas de ferro foram eletrificados e foram adquiridas e estão trafegando 103 automotrizes. Em 1930, o Brasil tinha 113.000 quilômetros de rodovias. Hoje tem cerca de 250.000 quilômetros.
FFAA
Desde 1938 tivemos que efetuar um grande esforço para a preparação das nossas forças armadas e só em orçamento consignamos, até 1944, cerca de 12 e meio bilhões de cruzeiros. E isto além dos 8 bilhões que nos custou a guerra propriamente dita e das despesas de 1945. Consagramos às nossas forças armadas mais recursos anualmente que todo o orçamento de receita que encontramos em 1930.
É de suma importância recordar as palavras de S. Ex.ª o Sr. Presidente da República [Dutra], quando ministro da Guerra, em 1940, a propósito da ação do meu governo, relativamente à preparação das forças armadas. Disse então S. Ex.ª:
“Mencionaremos os nobres esforços despendidos pelo Sr. Presidente da República e pela alta administração atual em prol do nosso aparelhamento, dantes tão precário e desconexo: aquisição de material bélico de toda sorte, real equipamento da tropa, intensificação das obras de aquartelamento, desenvolvimento dos estabelecimentos fabris do Exército, amplificação dos seus quadros, além do saneamento e vitalização do serviço militar, anemiado dantes por uma série de praxes e restrições que daninhamente lhe prejudicavam a execução.
“Até 1930, pouco fizemos para armar e equipar o Exército; salvo limitado material adquirido, continuávamos com o velho armamento importado em 1918, quando imperativa situação interna nos obrigara a romper com a rotina das contemporizações de créditos para armamento“.
As despesas públicas realizadas no período de 30 a 44, de acordo com a documentação existente, montaram a Cr$ 68.418.172.956,30. Incluem-se nessas despesas as de orçamentos e créditos adicionais, as do plano de obras públicas e aparelhamento da defesa nacional executadas de 39 a 43, as do plano de obras e equipamentos, iniciado em 44, e os créditos especiais e extraordinários abertos para ocorrer às despesas de guerra no período de 42 a 44.
O total de despesas militares, cujo pagamento já foi efetuado, alcançou a cifra de Cr$ 21.136.375.035,30. A essas despesas devem ser somadas as que resultaram de acordos internacionais como relativas a compras de armamentos no exterior e cuja liquidação se processa pelo Ministério da Fazenda.
De um exército de 50.000 homens em 1930, passamos para 93.000 e, em 1940, chegamos a alcançar os efetivos de 160.000.
Todos sabem que nada tínhamos em matéria de aviação a não ser o esforço de alguns valorosos aviadores num sacrifício permanente pela carência de material. Hoje existe o Ministério da Aeronáutica.
POUPANÇA
É necessário considerar que nossas receitas tiveram de sofrer uma total modificação, pois baseávamos tudo sobre a renda da importação. Nos últimos anos as verbas de receita da Alfândega caíram naturalmente e, não fosse a reestruturação da nossa receita através da do imposto sobre a renda, imposto justo e que cada vez mais se aperfeiçoa, não teríamos elementos suficientes para enfrentar a evolução nacional.
Muito se fala a respeito do nosso protecionismo aduaneiro. Entretanto, posso mostrar que nossas tarifas constituem uma percentagem a ser considerada entre as mais baixas do mundo, figurando praticamente no nível das despesas da isenção tarifária dos Estados Unidos. Não é maior de 19% o índice médio da nossa tarifa. Ao mesmo tempo que esse índice baixo proporciona poucos recursos para o Tesouro, a baixa de volume de importação evidencia uma redução drástica durante longo período.
Há fatores de importância excepcional que devem ser destacados como índice de um grande progresso do Brasil e de uma educação econômica. Entre eles merece especial relevo o que se relaciona com o aumento dos depósitos e dos depositantes das Caixas Econômicas.
O sentido da economia [=poupança] já empolgou o espírito do nosso povo, e esse merece uma referência destacada, pois é precisamente um dos índices mais notáveis da nossa evolução e do nosso progresso.
Talvez cause admiração a afirmação que vou fazer, de que 51% da população do Distrito Federal têm depósitos na Caixa Econômica. E isto representa um nível elevadíssimo de educação social demonstrado pelo povo do Rio de Janeiro. Não era esse o índice que encontrei. Menos de 30% da população tinham depósitos nas Caixas Econômicas. E por isso sinto que são justas as referências de S. Ex.ª o Sr. Carlos Luz quando declarava que “O presidente Getúlio Vargas tem no atual surto das Caixas Econômicas um dos maiores títulos de sua benemerência“.
Antes de 1930 não se tinha uma noção do que fossem os depositantes escolares. Criada esta seção especial na Caixa Econômica, alcançamos, em 1944, a soma impressionante de Cr$ 2.300.000,00 de depósitos escolares.
INFLAÇÃO
Muito se falou nas emissões de papel-moeda, e seria interessante, para conhecimento desta Casa e do povo brasileiro, o cotejo entre a emissão de papel-moeda feita pelo Brasil e os demais países do mundo.
É o que se pode verificar do seguinte quadro: emitiram menos do que o Brasil, em proporção à circulação anterior, 11 países. Nenhuma nação apresentou índice inferior a cerca de 150. O Brasil tinha um índice de 275, os Estados Unidos de 419, e a Inglaterra de 231. O Canadá tem 387 de índice de emissão, a Austrália, 440, e a Índia 538. O conjunto do Império Britânico apresenta, assim, um índice superior ao do Brasil.
[NOTA: Foi omitida, aqui, uma tabela com 50 países, apresentada por Getúlio, pois a descrição do parágrafo acima, nos dias de hoje, é suficientemente clara.]
A circulação inglesa não aumentou proporcionalmente à dos Estados Unidos porque a Inglaterra congelou os pagamentos dos fornecimentos do Império e de todos os outros países, como a Argentina e o Brasil, fazendo verdadeiros empréstimos internacionais forçados.
Verifica-se, portanto, que, entre as grandes nações, a média de emissão do Brasil é relativamente pequena.
O fenômeno da inflação não é, pois, o fenômeno básico da perturbação de preços. É um dos fatores, mas não é o único fator.
Desde novembro de 1945 até setembro de 1946 [isto é, depois de Getúlio sair da Presidência], foram emitidos 2.835 milhões de cruzeiros.
Desde o início da guerra mundial, sustentando a preparação militar e a luta armada, meu governo emitiu em média 143 milhões de cruzeiros por mês. Nestes últimos dez meses foram emitidos 280 milhões de cruzeiros por mês.
E o custo de vida teve a seguinte evolução:
O crédito do Brasil no exterior se fortaleceu de maneira excepcional, com os acordos da dívida externa, e nada mais preciso fazer para documentar essa realidade do que transcrever as cotações dos títulos do Brasil em 1930 e em 1945.
[NOTA: Omitimos aqui uma tabela que mostra, entre os anos mencionados, a valorização dos títulos brasileiros no exterior.]
Mas, o que importa destacar é que o nosso potencial monetário, que em 1930 era de 5.200 milhões, em 1945 era de 44.272 milhões. Para muitos isto se apresenta como um fenômeno pavoroso – e de fato teria sido se a produção geral do Brasil não tivesse crescido na mesma proporção. Já vimos que os índices de produção de carvão, de ferro, de carburantes, de produção industrial em geral, aumentaram 300%, 400% e até 500%. Já vimos que os índices de produção agrícola e pecuária destinados a gêneros alimentícios aumentaram na proporção da população. E podemos verificar que os índices de matérias-primas aumentaram em nível superior a 300%. Todos esses fatores, formando um conjunto com as reservas-ouro do Brasil, corrigiram todos os efeitos negativos da emissão de papel-moeda e a equilibraram no conjunto da economia brasileira.
SALÁRIOS
Dois grandes problemas meu governo tinha a resolver: o primeiro era elevar o índice de salários do povo brasileiro, que é o construtor de toda essa prosperidade, e, em segundo lugar, valorizar a nossa exportação, que tinha sido destruída em sua estrutura de valores pela derrocada dos preços do café. O índice que devíamos acompanhar não era já o dos preços internos, e sim o da elevação dos preços das matérias importadas pelo Brasil. Sem acompanharmos esses índices no mesmo nível, o Brasil se empobreceria fatalmente.
Em 1930, época da valorização do café e dos preços mais altos até então obtidos, o índice médio de valores da nossa exportação foi de Cr$ 1,95 por quilo e o índice médio de valores da nossa importação foi de Cr$ 0,49. Em 1944 os produtos de importação tinham subido para Cr$ 1,20. Mantivemos elevado o nível proporcional dos valores de nossa exportação, que alcançara, em 1944, a média de Cr$ 3,93 por quilo. Daí a nossa riqueza em reservas de ouro e de divisas.
O trabalho brasileiro deixou de ser o trabalho escravo, de salário médio de pouco mais de Cr$ 100,00, e subiu para um salário médio superior a Cr$ 450,00. Essa perturbação de níveis, esse desequilíbrio de valores é que devem ser reajustados.
Corrigidos os abusos de especulação, reajustados os salários gerais do Brasil no verdadeiro nível de um povo que se consagra, com seu esforço, à grandeza da pátria, teremos uma economia sólida sobre os alicerces que já foram construídos com tanto sacrifício e transmitidos não como herança pesada, mas como a mais preciosa de todas as heranças que um governo lega à administração que o sucede.
Desde 1942 até 1945, as despesas podem ser assim classificadas:
Desde 1930 até 1945 as despesas obedeceram ao seguinte critério:
Das despesas civis é necessário destacar a verba de mais de 15 bilhões que foram gastos no Ministério da Viação e Obras Públicas. Não é justo, portanto, pensar no que devia ser feito, e sim no que podia ser feito.
O desenvolvimento da produção brasileira suportou perfeitamente os encargos da guerra. O esforço do trabalhador brasileiro conquistou, para nosso país, uma posição de relevo entre as nações industriais. Nosso crédito no exterior se renovou, conforme documentam as cotações de títulos. Não tínhamos reservas em ouro e divisas. Hoje possuímos 700 milhões de dólares, correspondentes a 14 bilhões de cruzeiros. Nossa população aumenta em nível superior ao dos povos vizinhos. Nossa produção de matérias-primas triplicou. Nossa produção industrial triplicou também em volume. Nossa produção de gêneros alimentícios aumentou em proporção superior ao [aumento] da população. Encontrei uma crise de depauperamento. Deixei uma crise de crescimento. É fácil corrigi-la.
(continua)