O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, criticou duramente a Samarco durante reunião com o presidente da empresa, Rodrigo Vilella, na última quinta-feira (25). Segundo ele, “a paciência acabou” quanto ao descaso adotado pela companhia sobre danos causados pelo rompimento da barragem do Fundão, em Mariana (MG), em novembro de 2015.
A Samarco é uma joint venture entre a BHP Billiton e a privatizada Vale. O rompimento da barragem em Mariana deixou 19 mortos e causou impacto a dezenas de cidades mineiras e capixabas na Bacia do Rio Doce. Silveira afirmou entender que a Samarco é a responsável objetiva pelos danos causados pelo rompimento da barragem do Fundão.
O ministro criticou a falta de transparência das ações de reparação levadas a cabo pela Fundação Renova, entidade que foi criada com base no acordo para reparação dos danos firmado em março de 2016 pelo governo federal, pelos governos de Minas Gerais e do Espírito Santo, pela Samarco e por suas acionistas Vale e BHP Billiton.
De acordo com a coluna Painel, da ‘Folha de S. Paulo’, o ministro cobrou ainda a prestação de contas dos R$ 25 bilhões que já teriam sido aplicados na reconstrução das áreas atingidas, que até hoje, sete anos depois, não foram reconstruídas.
O ministro cobrou proatividade para o avanço nas negociações do acordo em discussão sob a coordenação do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). O ministro também criticou a inércia da Samarco, definida por ele como irresponsabilidade, e afirmou que ela pode comprometer ainda mais todo o setor nacional.
O acordo de Mariana, considerado o maior da história, enfrenta entraves para ser concluído, apesar da pressão das vítimas e dos Estados que devem ser indenizados.
Até o final de 2022, as partes já haviam realizado mais de 260 encontros, sem chegar a um consenso sobre ações de reparação, valores a serem ressarcidos e prazos para os pagamentos.
DISTRITO
Após a reunião com o ministro Alexandre da Silveira, a Samarco e suas acionistas Vale e BHP Billiton e a Fundação Renova, assinaram acordo para tirar do papel a reconstrução do distrito de Gesteira, localizada na cidade vizinha à Mariana, Barra Longa (MG).
O acordo judicial foi realizado junto ao Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), o Ministério Público Federal (MPF), a Defensoria Pública da União (DPU), a Comissão de Atingidos de Barra Longa, a prefeitura de Barra Longa.
Os termos foram pactuados no âmbito de uma ação civil pública movida pelo MPF e a homologação se deu nesta terça-feira (30) pela Justiça Federal. A avalanche de rejeitos da Samarco atingiu o distrito de Gesteira de forma parcial. A lama preservou quem morava na parte mais alta do distrito, mas nas margens do Rio Gualaxo do Norte o que permaneceu de pé se converteu em ruínas que documentam o episódio.
A reconstrução do distrito será a partir da transferência de recursos aos atingidos, para que conduzam as obras de seus imóveis de maneira independente e à prefeitura do município, que ficará encarregada pela infraestrutura e pelas edificações de uso público. Também foram previstos o pagamento de indenizações individuais e a criação de um fundo destinado a projetos comunitários. Ao todo, foi anunciado o aporte de R$ 126 milhões.
Gesteira foi uma das três comunidades devastadas no episódio, mas a única delas que ainda não tem obra em andamento. A reconstrução de Bento Rodrigues e Paracatu, distritos de Mariana, se aproximam do final, embora o cronograma original previsse as entregas para 2018 e 2019. O MPMG move uma ação judicial para obrigar a Samarco a pagar uma multa pelo atraso.
As obras de reconstrução dos dois distritos de Mariana são administradas pela Fundação Renova. Cabe a ela gerir mais de 40 programas, que são custeados com recursos das três mineradoras, entre eles o de reconstrução e reassentamento das comunidades.
Há pouco mais de um mês, a Fundação Renova entregou as chaves para algumas famílias de Bento Rodrigues, que poderão ser as primeiras a se mudarem. Alguns atingidos, no entanto, alegam que sequer receberam os projetos arquitetônicos. Também existem queixas relacionadas ao resultado final. O novo distrito de Bento Rodrigues pouco lembra a comunidade destruída pela lama.
Já o distrito que está tomando forma conta com imóveis maiores e de padrão de construção mais elevado, cercados por muros, alguns com churrasqueiras e piscinas, que dão ares de um condomínio urbano e se distanciam da paisagem de uma comunidade rural.
Segundo Rodrigo Vieira, coordenador da Cáritas, entidade da Igreja Católica que presta assessoria técnica aos moradores atingidos de Mariana, não se garantiu a preservação do modo de vida das famílias.
“Era uma comunidade rural e agora eles não terão nem água bruta para plantar suas hortas e para criar pequenos animais. Irão viver em um loteamento urbano. Como é que o pessoal vai se reativar economicamente?”, questionou Rodrigo Vieira.
DIVERGÊNCIAS
Há divergências em torno da reconstrução de Gesteira pelo menos desde 2019. Os moradores da comunidade reivindicaram um processo distinto daquele que era realizado em Bento Rodrigues e Paracatu.
Eles optaram por desenvolver seu projeto urbanístico de forma independente, com o apoio de arquitetos e engenheiros vinculados à Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas), entidade escolhida pelos próprios atingidos da cidade de Barra Longa para prestar assessoria técnica. Na época, a Fundação Renova alegava que o processo andava mais lento porque a Aedas queria discutir diversas diretrizes antes de avançar no desenho urbano.
A assessoria técnica dos atingidos contestava. Segundo a entidade, as diretrizes assegurariam a manutenção dos modos de vida da comunidade e direitos das famílias. Ela cobrava a garantia de intervenções no solo caso fossem necessárias, já que os imóveis destruídos se encontravam em área fértil próxima ao Rio Gualaxo do Norte. O direito de autoconstrução era outra reivindicação: alguns atingidos, que também trabalhavam como pedreiros, tinham o desejo de erguer suas próprias casas.
“A Fundação Renova sempre se utiliza disso para dizer que o processo está mais demorado. E, na verdade, quem faz esse processo ficar moroso é ela. No último mês, nós tivemos três agendas para discutir as diretrizes e a Fundação Renova não veio. A gente agenda, ela confirma e desmarca em cima da hora. E quando ela vem, o corpo de profissionais enviado não é capaz de dar respostas e pede tempo para avaliar as diretrizes definidas pelos atingidos”, reclamou Verônica Medeiros, coordenadora operacional da Aedas.
O terreno de 40,41 hectares escolhido pelos atingidos para a nova comunidade chegou a ser adquirido pela Fundação Renova em 2018. Mas as obras não foram iniciadas no local.
Com os diversos atrasos e divergências, apenas seis famílias ainda têm interesse na reconstrução da comunidade. Outras 31 fizeram a opção de serem atendidas por uma outra modalidade de reassentamento, na qual elas escolheram imóveis em outras localidades e a Fundação Renova ficou encarregada de arcar com os custos da aquisição.
O acordo recém-celebrado na Justiça Federal não foi aceito por uma das seis famílias, que tem a alternativa de apresentar suas reivindicações através de ação judicial individual ou buscar um acordo extrajudicial com a Fundação Renova. Os demais atingidos estão abrangidos pelos termos pactuados.
DIVISÃO DOS RECURSOS
Diferente do que ocorre na reconstrução de Bento Rodrigues e Paracatu, a Fundação Renova não irá administrar as obras da comunidade de Gesteira. A entidade se responsabilizará apenas pelo custeio.
Dos R$ 126 milhões previstos no acordo, R$ 57 milhões se referem a um repasse para o município de Barra Longa. A prefeitura ficará encarregada de realizar as obras de urbanização e de infraestrutura e a construção de edificações públicas, incluindo igreja, templo evangélico, galpão para reprodução de mudas, tanque para piscicultura, área de cavalgada, pista de caminhada e ciclismo, área de lazer infantil e campo de futebol, entre outros.
O terreno onde a nova comunidade será instalada, comprado pela Fundação Renova em 2018 e avaliado atualmente em R$ 2,75 milhões, será transferido ao município. Está incluso ainda no acordo um repasse para as famílias que irão viver no distrito reconstruído, exceto para a única que não assinou o acordo. O montante possibilitará que elas realizem as obras de suas casas.
A Fundação Renova deverá fazer o depósito judicial de todos os recursos em até 30 dias úteis. Em caso de descumprimento, a multa é de 10% além de juros de 1% ao mês e correção monetária pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
Também constam no acordo a destinação de R$ 10,8 milhões para um fundo destinado ao financiamento de projetos de caráter social, econômico e cultural e de recuperação da atividade agropecuária. Esses projetos serão definidos mediante deliberação dos atingidos. Ao menos R$ 800 mil precisarão estar voltados para ações relacionadas à assistência técnica e extensão rural.
A composição dos recursos anunciados no acordo incorpora ainda indenizações individuais para todas as 36 famílias signatárias e valores já dispendidos para a reparação em Gesteira, entre eles os gastos realizados com a compra de imóveis para as famílias que optaram por seguir a vida em outras localidades.
O MPF e o MPMG divulgaram comunicados destacando a participação ativa da comunidade na elaboração do acordo. “As pessoas atingidas puderam analisar cada cláusula”, assegurou o MPMG. A Aedas também se manifestou por meio de uma nota que inclui uma avaliação da coordenadora Verônica Medeiros. “Esse acordo celebrado hoje é um testemunho da luta e resistência das pessoas atingidas que apesar de todos os desafios não desistiram e agora dão mais um passo no sentido da concretização do reassentamento”, disse ela.
A Fundação Renova destacou a previsão de pagamento de indenizações individuais às famílias signatárias e de um valor referente ao fundo para projetos comunitários, além dos montantes referentes à reconstrução da comunidade e de outros recursos já repassados aos atingidos de Gesteira.
Em nota conjunta, a Samarco, a Vale e a BHP Billiton afirmaram que a assinatura do acordo reafirma o compromisso com a reparação integral dos danos causados. “Até março de 2023, já foram indenizadas mais de 413,3 mil pessoas, tendo sido destinados mais de R$ 29,19 bilhões para as ações executadas pela Fundação Renova”, dizem as mineradoras.
Com informações da Agência Brasil.