Mais de 200 cientistas, entre eles três ganhadores do prêmio Nobel, assinaram manifesto em apoio à ciência brasileira e contra a barbárie bolsonarista na pandemia
Cientistas e pesquisadores de várias partes do mundo, incluindo três ganhadores do Prêmio Nobel, lançaram um manifesto denunciando os ataques do governo Bolsonaro à ciência brasileira. A carta defende o exercício da ciência no Brasil e critica duramente a atuação do governo federal durante a pandemia de Covid-19.
A doutoranda na Universidade Paris 8, com especialidade em migrações, a pesquisadora Glenda Andrade tomou a iniciativa de redigir a carta aberta de solidariedade aos colegas acadêmicos e cientistas e ao povo brasileiro, diante da crise sanitária causada pela Covid-19 e agravada pela má gestão do governo federal. A carta reuniu mais de 200 assinaturas de pesquisadores de todo o mundo.
A pesquisadora frisa que a ciência brasileira está sofrendo diversos ataques: cortes e mais cortes orçamentários que ameaçam pesquisas e colocam o trabalho de cientistas em xeque; instrumentalização da ciência para fins eleitoreiros, como bem mostram as declarações do presidente buscando desacreditar o trabalho de cientistas durante a crise sanitária.
“Se o coronavírus afeta todos os países do globo, a amplitude da catástrofe sanitária que acomete o país não pode ser dissociada da gestão desastrosa do presidente Jair Bolsonaro. O presidente deve ser responsabilizado pela condução da crise sanitária no Brasil, que não somente fez explodir o número de mortes mas acentuou as desigualdades no país”, diz um trecho da carta.
A carta é “destinada aos acadêmicos de diferentes continentes em solidariedade a seus colegas do Brasil e ao povo brasileiro”. O grupo afirma que a área científica brasileira está sob ataque do governo de Jair Bolsonaro. Até o dia 19 de abril, o documento já somava mais de 200 assinaturas. Entre os signatários estão três pesquisadores laureados com o Nobel: Michel Mayor (Nobel de Física em 2019), Peter Ratcliffe (Nobel de Medicina em 2019) e Charles Rice (Nobel de Medicina em 2020).
Além dos ganhadores dos Prêmios Nobel de Medicina de 2019 e 2020 e do de Física de 2019, a carta tem nomes como Peter Wagner (Universidade de Barcelona, Espanha) e Jacques Rancière (Universidade Paris 8, França), Helena Hirata (CNRS, França) e Susan McGrath (Universidade de York, Canadá).
“Ao desmentir a ciência, Bolsonaro não somente fere a comunidade científica, mas toda a sociedade brasileira: são diários os recordes de mortes pela Covid, dados da Fiocruz indicam, por exemplo, a circulação de 92 cepas do coronavírus no Brasil, o que torna o país uma gigantesca fábrica de variantes; para além temos ainda os impactos sobre o meio ambiente, povos tradicionais da Amazônia e o clima global”, diz um outro trecho da carta, que já foi publicada pelo jornal Folha de S. Paulo e pelo site francês Mediapart.
A carta também é assinada por brasileiros membros de diferentes universidades e institutos científicos. No texto, os signatários afirmam que a ciência brasileira sofre com cortes orçamentários, perseguições e a instrumentalização para fins eleitorais. O grupo ainda aponta o governo Bolsonaro como o responsável pela proliferação de informações falsas referentes a Covid-19, o que agravou a situação da pandemia no país.
“Se o coronavírus atinge todos os países do globo, o presidente Jair Bolsonaro deve ser responsabilizado pela gestão catastrófica da crise no Brasil, que não só ajudou a aumentar o número de mortes, mas acentuou as desigualdades no país”, afirmam os signatários. O documento foi assinado por membros de universidades na França, Canadá, Marrocos, Senegal, África do Sul, Estados Unidos, Reino Unido, Portugal, Espanha, Itália, Grécia, Holanda, Bélgica, Mianmar, Alemanha, Espanha, Argentina, Colômbia, México e Suécia.
Assista ao vídeo da entrevista com a pesquisadora brasileira em Paris
Leia, abaixo, a íntegra da carta:
CARTA ABERTA EM SOLIDARIEDADE À CIÊNCIA NO BRASIL
“Terça-feira, 6 de abril de 2021: o Brasil contabilizou 4.195 mortes ligadas à Covid-19. Ao todo, mais de 340 mil brasileiros já morreram desde o começo da pandemia. Se o coronavirus atinge todos os países do mundo, a amplitude da crise sanitária no Brasil não pode ser dissociada da gestão catastrófica do presidente Jair Bolsonaro. Ele deve ser denunciado por suas ações, que não apenas fez explodir o número de vítimas, mas acentuou a desigualdade no país.
Em várias ocasiões, o presidente da república do Brasil qualificou a Covid-19 como “uma gripezinha”, minimizando a gravidade da doença. Criticou as medidas preventivas, como o isolamento físico e a utilização de máscaras, e provocou inúmeras vezes aglomerações populares. Defendeu pessoalmente o uso da cloroquina, apesar de cientistas terem advertido sobre os efeitos tóxicos de sua utilização. Os pesquisadores que publicaram estudos científicos demonstrando que a utilização do medicamento aumentava o risco de morte de pacientes com Covid foram ameaçados no Brasil. Bolsonaro igualmente desencorajou a vacinação, chegando a sugerir, por exemplo, que as pessoas poderiam se transformar em “jacaré”. Entre o negacionismo, a proliferação de informações falsas e os ataques contra a ciência em plena crise sanitária, Bolsonaro mudou quatro vezes de ministro da Saúde.
A ciência no Brasil está sob fogo cruzado. De um lado, cortes orçamentários que golpeiam a pesquisa e ameaçam o trabalho de cientistas; de outro, a instrumentalização da ciência para fins eleitorais, como mostram as declarações do presidente. Não é possível esquecer também os ataques de Bolsonaro ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), num contexto alarmante de altos níveis de desmatamento na Amazônia.
Negando a ciência, Bolsonaro não apenas atinge a comunidade científica, mas a sociedade brasileira em sua totalidade. Os números da devastação desde o início da pandemia só faz aumentar; de acordo com os dados da Fiocruz, quase 92 novas cepas de coronavirus foram identificadas, transformando o país numa verdadeira usina de variantes, e a estas estatísticas deve-se acrescentar os impactos sobre o meio-ambiente, sobre povos tradicionais da Amazônia e sobre o clima em todo o mundo.
Neste contexto de crise sanitária, agravamento da desigualdade e mudança climática, este tipo de comportamento é inaceitável e o presidente deve ser responsabilizado por seus atos. Estamos preocupados com o agravamento da crise no Brasil e os ataques à ciência. Nesta carta aberta, queremos manifestar nossa solidariedade com nossos colegas no Brasil, cuja liberdade está ameaçada. Manifestamos igualmente nossa solidariedade com a população brasileira, que vem sendo diariamente afetada por esta política destruidora.”