Integrante do PCC conseguiu obter certificado de registro de CAC mesmo tendo uma ficha corrida com 16 processos criminais
Um integrante do Primeiro Comando da Capital (PCC) em Minas Gerais conseguiu obter o registro de caçador, atirador esportivo e colecionador (CAC) no Exército Brasileiro. Essa condição permitiu ao criminoso ter acesso a sete armas – entre elas um fuzil – irregularmente.
O homem foi alvo de uma operação da Polícia Federal (PF) em Uberlândia, em 14 de julho, na qual foram cumpridos mandados de busca e apreensão. A PF apreendeu as armas e investiga o caso.
“Causa-me espécie verificar que os responsáveis no Exército Brasileiro pela apreciação dos pedidos administrativos foram enganados e emitiram um Certificado de Registro como Caçador e Atirador Esportivo em favor do representado sem, sequer, fazer uma pesquisa para verificar sua vida pregressa”, afirma o juiz José Humberto Ferreira, da Justiça Federal de Uberlândia, que autorizou a Polícia Federal a fazer busca e apreensão contra o membro da facção.
Segundo o magistrado, “uma simples consulta no Google em nome de X acenderia uma luz amarela, a indicar que outras diligências deveriam ser tomadas antes de conceder o Certificado”, disse o juiz, na decisão.
Conforme reportagem do jornal Folha de S. Paulo, o integrante do PCC conseguiu obter o certificado de registro de CAC mesmo tendo uma ficha corrida com 16 processos criminais, incluindo cinco indiciamentos por crimes como homicídio qualificado e tráfico de drogas.
Mas, de acordo com o jornal O Estado de S. Paulo, ele apresentou ao Exército uma certidão negativa obtida no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) – órgão da 2ª instância, além de uma declaração de idoneidade falsa. O Exército não se manifestou sobre o caso.
Não há informação sobre por qual razão o documento de antecedentes criminais não foi requerido.
Para ter acesso ao certificado de registro de CAC no Exército, segundo a polícia, o criminoso apresentou somente a certidão negativa de antecedentes criminais na segunda instância, emitida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
A investigação aponta que o Exército não exigiu certidão negativa da Justiça de primeira instância, onde o membro do PCC acumula 16 processos, conforme prevê a legislação. Caso ele tivesse expedido o documento nessa instância, sua ficha criminal seria revelada.
FARRA ARMAMENTISTA
Segundo levantamento do Instituto Sou da Paz, o número de pessoas com licença de CACs aumentou 262% entre julho de 2019 — primeira vez que este dado foi obtido — e março deste ano.
O salto verificado entre 27 de julho de 2019 e 29 de março de 2022 foi de 167.390 para 605.313 pessoas. De acordo com o portal g1, a diferença de 437.923 representa uma média de 449 indivíduos com registro de CAC a cada 24 horas.
A lei em vigor permite que os atiradores comprem até 60 armas; dessas, 30 de uso restrito, como fuzis, além da compra anual de até 180 mil balas. Assim, os caçadores podem comprar até 30 armas, 15 delas de uso restrito e até seis mil balas.
A farra armamentista promovida por Bolsonaro a partir da edição de vários decretos alterando a legislação sobre acesso a armas, não impõe limite para os “colecionadores”, que podem comprar até cinco peças de cada modelo de arma, e também seis mil balas.
Os fatos constatam que, disfarçados de colecionadores e atiradores esportivos, estão, na verdade, perigosos traficantes ligados a facções criminosas como PCC. Em junho, a Polícia Civil de São Paulo apreendeu armas legalizadas que seriam do grupo, que domina o tráfico de drogas no Estado de São Paulo.
Durante a operação, que cumpriu mandados de busca e apreensão, a polícia prendeu o traficante João Aparecido Ferraz Neto, conhecido como João Cabeludo. Com ele e seus comparsas, havia fuzil, metralhadora e pistolas legalizadas.
Além das armas, a polícia apreendeu cerca de R$ 60 milhões divididos em carros e imóveis de luxo e jóias. De acordo com a polícia, durante as investigações que duraram oito meses, foi descoberta uma estrutura formada pelos familiares do criminoso e laranjas que lavavam dinheiro por meio de empresas fantasmas, na qual o capital social ultrapassava os R$ 12 milhões.
“João Cabeludo” tem passagens criminais que somam mais de 500 anos de condenação. Atualmente, o criminoso está foragido. Ele é suspeito de comandar o tráfico em São José dos Campos e consta na lista divulgada pelo Ministério da Defesa como um dos mais procurados no País.
Em janeiro, a Polícia Civil do Rio de Janeiro apreendeu um arsenal em poder do traficante de armas Vitor Furtado Rebollal, que tem credenciais de colecionador e de atirador desportivo. Com o criminoso, que é fornecedor de quadrilhas, foram apreendidos vinte e sete fuzis, pistolas e munição que estavam em uma casa no Grajaú, Zona Norte da cidade.
DECRETO CRIMINOSO
Os CACs tiveram seus direitos ampliados desde o início do mandato de Jair Bolsonaro. Por decreto, o presidente defensor da tortura e da violência, aumentou o limite de armas e munição a integrantes da categoria: atualmente, atiradores podem ter até 60 armas; antes o limite máximo era de 16. O PL 3.723/2019, proposto pelo Executivo para alterar o Estatuto do Desarmamento, pode flexibilizar ainda mais as normas para CACs.
Ele propõe, entre outros pontos, a autorização do transporte de uma arma municiada para atiradores e caçadores, sem restrição de horário, e dificulta a fiscalização da categoria, ao determinar que investigadores que desejem ter acesso a bancos de dados sobre CACs justifiquem o motivo da pesquisa.
“É realmente inacreditável como a inflação está destruindo o tecido social e jogando pessoas na extrema pobreza. Há um produto que não sofreu com a pandemia ou com a inflação. Imune ao vírus, beneficiado por decretos publicados na surdina, no meio do carnaval de 2021. Esse produto é o fuzil”.
A avaliação é do jornalista Leandro Demori. Em um artigo intitulado “Um produto que não sofreu com a inflação”, publicado na internet, Demori aponta os estímulos e facilidades para se comprar armamentos no Brasil.
Segundo o artigo, anos atrás, no mercado ilegal, fuzis custavam entre R$ 40 mil e R$ 50 mil cada. Atualmente, com as mudanças impostas pelos decretos presidenciais, esse preço pode chegar a R$ 20 mil. “O que aconteceu? O bom e velho capitalismo de oferta/demanda”, ironiza Demori.
Assim, já que os decretos aumentaram a quantidade de fuzis e armas legalizadas no mercado, baixando os preços, por que correr riscos e pagar mais caro no mercado ilegal”, pergunta o jornalista. “Por que se arriscar e pagar mais caro no mercado ilegal se você pode comprar fuzis de colecionadores?”.
Os dados do Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública apontam que o país registrou 47,5 mil mortes violentas e aumento dos roubos em 2021, ainda durante a pandemia. Os números levaram o Brasil a liderar o ranking mundial de homicídios e escalada de 473% no registro de armas.
Apesar de registrar uma leve queda de 6,5 no número de mortes violentas, 47.503 pessoas foram assassinadas no Brasil em 2021. Isso revela um número elevadíssimo de mortes segundo os dados FBSP. Ou seja, 20,4% dos homicídios do mundo ocorreram no Brasil, o que invalida o discurso de que a liberação de armas reforça a segurança da população.
JOSI SOUSA