Órgão considera que já haveria indícios para essa acusação, mas pretende usar a prova, pois a plataforma digital alega não estar mais disponível
A PGR (Procuradoria-Geral da República) avalia faltar apenas a disponibilização formal de conteúdo publicado em rede social para poder denunciar o ex-chefe do Executivo por incitação ao crime em decorrência dos ataques golpistas às sedes dos três Poderes, dia 8 de janeiro, em Brasília.
O órgão considera que já haveria indícios para essa acusação, mas pretende usar prova que a Meta, dona do Facebook, alega não estar mais disponível virtualmente.
Trata-se de vídeo produzido por terceiro e publicado por Bolsonaro no perfil dois dias após os atos em que o autor questionava a lisura das urnas eletrônicas.
O ex-presidente apagou o conteúdo pouco depois.
CRIME DE INCITAÇÃO
O crime de incitação, pelo qual Bolsonaro pode ser acusado, está previsto no artigo 286 do Código Penal, que prevê pena de detenção de 3 a 6 meses.
Nesta segunda-feira (4), a PGR reiterou o pedido de acesso ao material em manifestação ao STF (Supremo Tribunal Federal). Também demandou que seja dado prazo de 48 horas para o cumprimento da obrigação, determinada ainda em janeiro pelo relator do caso, o ministro do STF, Alexandre de Moraes, também presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Em petição enviada em agosto a Moraes, a Meta escreveu que “o vídeo em questão foi deletado pelo próprio usuário em data anterior à ordem judicial e não está disponível nos servidores da empresa, impossibilitando o cumprimento da ordem”.
“Importante esclarecer, ainda, que o vídeo em questão não foi preservado porque não existia obrigação legal ou judicial nesse sentido. Explica-se: a Meta Plataforms não recebeu ofício e tampouco foi intimada da referida decisão de 13 de janeiro de 2023”, está escrito no documento de agosto.
TEORIAS DA CONSPIRAÇÃO
A publicação é considerada importante porque o Grupo Estratégico de Combate aos Atos Antidemocráticos do MPF (Ministério Público Federal) avalia que militantes bolsonaristas que perpetraram os ataques foram influenciados por teorias da conspiração que questionaram a vitória eleitoral do presidente Lula (PT).
O coordenador do grupo que investiga o caso na PGR, o subprocurador Carlos Frederico Santos, disse que Moraes havia determinado a inclusão do ex-presidente no inquérito e a expedição de ordem imediata à provedora para que o vídeo fosse preservado.
Objetivo foi garantir a entrega posterior conforme as regras estabelecidas no Marco Civil da Internet. Também foram solicitadas informações sobre o alcance do material — total de visualizações, número de compartilhamentos e de comentários —, registradas antes de o vídeo ter sido apagado.
NÃO FOI JUNTADO
No entanto, segundo o MPF, passados 11 meses do pedido e da determinação judicial, o material ainda não foi juntado ao inquérito. Em julho, o MPF já havia reiterado a solicitação, que segue sem resposta.
“Não obstante as determinações judiciais, o MPF não foi intimado acerca do cumprimento das ordens judiciais, ou seja, não há informações da preservação e entrega do vídeo pela empresa Meta INC”, disse o subprocurador.
Desta vez, além de reiterar os requerimentos já deferidos pelo relator do inquérito, o coordenador pediu que seja fixada multa diária de R$ 100 mil em caso de descumprimento da ordem, destacando que o material requerido “é fundamental para que o titular da ação penal possa ajuizar eventual denúncia contra o ex-presidente da República”.
EXPLICAÇÕES QUE NINGUÉM ACREDITA
O vídeo postado por Bolsonaro mostrava homem identificado como Dr. Felipe Gimenez, que atacava a segurança das urnas eletrônicas. A publicação trazia ainda as frases “Lula não foi eleito pelo povo. Ele foi escolhido e eleito pelo STF e TSE [Tribunal Superior Eleitoral]”.
Em depoimento à PF (Polícia Federal) em abril, Bolsonaro disse ter publicado o vídeo por engano, quando estava sob efeito de medicamentos.
As justificativas foram dadas no âmbito do inquérito que mira os autores intelectuais dos ataques.
O advogado do ex-presidente, Paulo Cunha Bueno, disse na ocasião que o vídeo havia sido postado quando Bolsonaro tentava transmiti-lo para o arquivo de WhatsApp dele para assisti-lo posteriormente.
INTERNAÇÃO DE ARAQUE
Também afirmou que, justamente nesse período, o ex-presidente estava internado em hospital em Orlando (Estados Unidos), quando teve crise de obstrução intestinal e foi submetido a um tratamento com morfina.
Bueno disse que o ex-presidente teria recebido o vídeo de terceiros e queria armazená-lo para assistir mais tarde. Bolsonaro, afirma a defesa, não percebeu que havia feito a postagem, mas foi alertado por auxiliares e a apagou em seguida.
Ex-chefe da Secom (Secretaria de Comunicação Social) da Presidência da República, Fabio Wajngarten, também afirmou que a publicação havia sido feita equivocadamente pelo ex-presidente.
MIRABOLÂNCIAS DA DEFESA
“A referida postagem, objeto do depoimento de hoje, acontece poucas horas, poucos momentos após a saída dele do hospital, altamente debilitado, altamente medicado. E a postagem, a mecânica de postagem na plataforma do Facebook, se dá com meros dois cliques no botão compartilhar”, confirmou Wajngarten.
Ao longo de todo o mandato — 2019-2022 —, o ex-presidente Bolsonaro acumulou declarações de cunho golpista e, ao perder as eleições, resistiu a reconhecer o resultado e incentivou os apoiadores a permanecerem em acampamentos em frente aos quartéis que pediam às Forças Armadas golpe de Estado que impedisse a posse de Lula.
M. V.