“As empresas estatais brasileiras nunca ocuparam o espaço da iniciativa privada, muito pelo contrário, apenas atuavam nos setores onde ela não tinha interesse e/ou condições de atuar”, observou Felipe Quintas, pesquisador da UFF
Neste momento em que o governo Bolsonaro insiste em entregar a Eletrobrás ao capital estrangeiro, numa negociata criminosa, denunciada até pelo Tribunal de Contas da União, Felipe Quitas, mestre em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense (UFF), nos brinda com um artigo, publicado também no Portal Disparada, mostrando a importância das estatais para a economia do país.
“As empresas estatais brasileiras nunca ocuparam o espaço da iniciativa privada, muito pelo contrário, apenas atuavam nos setores onde ela não tinha interesse e/ou condições de atuar, e, ainda por cima, criavam demanda e mercado para o setor privado onde antes não havia nada”, diz o pesquisador. “A maior ameaça ao capital privado não é a atuação estatal estratégica, é o laissez-faire liberal, que drena recursos da produção e do consumo para alocar na especulação e na criminalidade”, prossegue Quintas. Leia o artigo na íntegra
As empresas estatais não ameaçam o capital privado, o laissez-faire sim
FELIPE QUINTAS (*)
As empresas estatais brasileiras nunca ocuparam o espaço da iniciativa privada, muito pelo contrário, apenas atuavam nos setores onde ela não tinha interesse e/ou condições de atuar, e, ainda por cima, criavam demanda e mercado para o setor privado onde antes não havia nada. Nenhuma estatal brasileira fabricava seus próprios materiais, equipamentos e maquinaria, como a mineradora estatal sueca LKAB faz até hoje e como a petroleira estatal italiana ENI fazia antes de ser privatizada. As estatais brasileiras, ao contrário dessas outras – cuja reputação ninguém nunca duvidou – sempre assumiram o compromisso de comprar de outras empresas, preferencialmente nacionais, para incentivar o empresariado brasileiro.
A CSN e a Cosipa tinham até prejuízos crônicos por venderem aço e estruturas metálicas a preços abaixo do custo para o setor privado interno, o que deixaram de fazer depois de privatizadas, contribuindo para a desindustrialização brasileira. Sem Petrobrás, Eletrobrás, CSN, Cosipa, Vale do Rio Doce, Embratel, Embraer etc., não haveria empresariado privado no Brasil – não sou só eu que falo, o udenista Hélio Beltrão (o pai, não a aberração do filho), insuspeito de estatismo, também dizia isso em plenos anos 80.
A maior ameaça ao capital privado não é a atuação estatal estratégica, é o laissez-faire liberal, que drena recursos da produção e do consumo para alocar na especulação e na criminalidade.
A privatização de setores estratégicos (energia, telecomunicações, finanças, viações, subsolo, utilidades públicas, materiais de defesa e indústrias de base) é, em si, uma fraude. Quando se trata desses setores, não há nem pode haver privatização honesta, pois entrega a grupos privados o que possui uma natureza coletiva por definição e que, portanto, não é da competência deles. Então, não surpreende nada a fraude bilionária detectada pelo TCU na privatização da Eletrobrás.
Todas as privatizações brasileiras ocorridas de 1990 para cá foram gigantescas fraudes de valor incalculável, com a Eletrobrás não seria diferente. Mas não é que exista um “preço certo” para o que foi privatizado: o patrimônio nacional não tem preço, o trabalho de gerações inteiras de brasileiros não tem preço, o que mantém o país de pé e andando não tem preço. A soberania nacional não tem preço e, sem ela, não há cidadania, não há economia, não há nada que presta, só golpe, estelionato, especulação e bandidagem.
Alguns podem me achar exagerado, radical ou o que seja, mas se o Brasil não der um jeito de reaver todas as privatizações e extinções ocorridas de 1990 para cá, com base na farta documentação de corrupção e picaretagem em que elas estiveram envolvidas, vai perder o bonde da história para os países que continuam tendo o controle estatal desses setores, como todos os nossos parceiros de BRICS.
(*) Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense (UFF)