Líder do governo na Câmara falava como convidado. Ele irritou os senadores ao dizer que as atividades da CPI estão atrapalhando a aquisição de vacinas pelo Brasil. Aziz encerrou a oitiva e prometeu convocá-lo
O depoimento desta quinta-feira (12) na CPI da Covid-19 no Senado era um dos mais esperados. Prometia, para o bem ou para o mal. Começou tenso e sob confronto imposto pelo líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR). Diante disso, o presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), decidiu encerrar antecipadamente a reunião.
Barros irritou os senadores ao dizer que a comissão estaria afastando do Brasil as empresas fabricantes de vacinas. Antes do encerramento, a reunião já havia sido suspensa por duas vezes.
“Ele foi alertado por mim que, na minha terra, o tucunaré morre pela boca. E aí o ‘gran finale’ dele foi querer fazer uma narrativa de que a CPI está atrapalhando a compra de vacina. Aí não dá. A própria empresa chinesa desmentiu dois minutos depois”, afirmou Aziz.
BARROS ERA OUVIDO COMO CONVIDADO
Antes do recesso legislativo de meio de ano, Barros tinha sido convocado pela CPI. Mas, a pedido do presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), a convocação foi convertida em convite. Omar Aziz disse que a comissão atendeu ao pedido como uma “deferência” ao presidente da Câmara.
“Quando fizemos essa troca [de convocação para convite] foi uma questão de deferência a um deputado federal, que não estava aqui como investigado, estava como testemunha. Agora, ele será convocado para esclarecer. E a narrativa dele de tentar colocar nas costas da CPI é uma narrativa de alguém que realmente não tem compromisso com a vida, desde o primeiro momento defendendo imunização de rebanho”, declarou Aziz.
Após as duas suspensões da reunião, a CPI retomou os trabalhos às 15h. Assim que a reunião foi reiniciada, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) pediu a convocação de Barros, e Aziz atendeu ao pedido.
TIRO NO PÉ E CONFRONTO
Na condição de convocado, o depoente fica obrigado a comparecer e fica obrigado a falar a verdade, sob o risco de cometer crime de falso testemunho.
Após o encerramento da sessão, Ricardo Barros afirmou que a CPI tenta construir “narrativa” de que há corrupção no governo e, segundo ele, por não conseguir, encerrou a sessão.
“Eu entendi tudo: o jogo não estava bom, ele é o dono da bola, põe a bola embaixo do braço e vai embora, não quer jogar mais. Porque eles não estavam conseguindo sustentar a sua narrativa. Eu estou documentado”, declarou.
Barros disse que não vai mudar de atitude quando retornar à CPI.
“Quando iniciei o depoimento, jurei falar a verdade — e não precisava porque vim como convidado. Se vier como convocado, não muda absolutamente nada”, afirmou. “Mas não vou permitir que narrativas mentirosas se repitam sem a devida contradita”, disse. “Se eles não querem ser contestados, que não me chamem para a CPI”, declarou Barros.
CONSULTA AO SUPREMO
O vice-presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), afirmou que a comissão vai fazer consulta ao STF (Supremo Tribunal Federal) para saber quais providências podem ser tomadas caso um deputado federal minta à comissão.
“Consultaremos o Supremo sobre qual a providência a ser tomada quando um deputado federal vem aqui, mente, descumpre o artigo 202 do Código de Processo Penal. Claramente, se alguém usou de estratégia, de má-fé, não foi a CPI, foi o senhor Ricardo Barros, que veio para cá com ‘media training’ e com tropa de choque organizada”, declarou.
Segundo o senador, a consulta ao Supremo servirá para que a comissão saiba “qual medida tomaremos se o deputado voltar aqui e insistir nas mentiras”.
DECLARAÇÃO MOTIVOU TUMULTO
Barros havia dito que as empresas fabricantes de vacina estão evitando vender para o Brasil, com receio de virem a ser implicadas na CPI.
“O mundo inteiro quer comprar vacina, e espero que esta CPI traga bons resultados ao Brasil. Porque o negativo já produziu muito: afastou empresas interessadas em vender vacina ao Brasil”, disse o deputado.
Em seguida, senadores reagiram. “Isso não é verdade”, afirmou a senadora Simone Tebet (MDB-MS), a primeira a se insurgir contra Barros.
“Aí não dá. Nós impedimos que houvesse roubo. Que ganhassem dinheiro com vacina. Foi isso que nós impedimos”, exclamou Humberto Costa (PT-PE).
O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), defendeu a comissão e disse que “vocês do governo” queriam “tirar proveito” da negociação de vacinas. Barros é líder do governo do presidente Jair Bolsonaro na Câmara.
“Afastamento das vacinas que vocês do governo queriam tirar proveito, rapaz”, disse o senador ao deputado. Em seguida, Omar Aziz anunciou a suspensão da reunião.
POR QUE BARROS FOI À CPI?
O nome do parlamentar entrou no escopo da CPI porque, segundo o deputado Luis Miranda (DEM-DF), Bolsonaro citou o nome de Ricardo Barros ao ouvir denúncias de irregularidades na negociação do Ministério da Saúde para comprar doses da vacina Covaxin.
Segundo Miranda, ao ouvir as denúncias em reunião no Palácio do Alvorada, em março, Bolsonaro disse que “isso era coisa” do Ricardo Barros e que acionaria a Polícia Federal. A PF apura se o presidente cometeu crime de prevaricação por não ter pedido a apuração do caso.
Bolsonaro confirma ter se reunido com os irmãos Miranda. O presidente já defendeu a suposta credibilidade de Barros, mas nunca confirmou ou negou que tenha citado o nome do líder do governo no encontro com Luis Miranda e o irmão dele, Luis Ricardo Miranda, que é servidor do Ministério da Saúde.
A CPI investiga denúncias de irregularidades em compras de vacinas e na relação do governo com intermediários.
O contrato com a Covaxin foi cancelado após as denúncias.
M. V.