Saúde fez contrato de R$ 9,3 mi sem licitação com empresa sem capacidade técnica

O contrato foi fechado por meio do Hospital Federal dos Servidores no Rio. Foto: Divulgação

O Ministério da Saúde, por meio do Hospital Federal dos Servidores do Rio de Janeiro, firmou em setembro de 2020 contrato emergencial de R$ 9,3 milhões, sem licitação, com empresa que não tinha capacidade técnica adequada para complexidade do serviço, segundo reconheceu o próprio hospital apenas três meses depois.

Esse tipo de problema evidencia e coloca a nu, no mínimo, um governo mambembe, ou pior, um governo todo permeado por corrupção na área da saúde.

Contratada para preparar, manipular, fornecer e distribuir refeições no hospital, empresa Alimentação Global Service já foi acusada formalmente, ao menos duas vezes, de ter fraudado licitações.

Um mês após assinar contrato com o Ministério da Saúde, o dono da empresa, Emerson Freire Ramos, foi alvo de mandado de prisão por esquema de fraude envolvendo contratos emergenciais com a Seap (Secretaria de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro).

Procurado mais de uma vez para falar sobre o assunto, o Ministério da Saúde não respondeu aos questionamentos. Representantes da empresa não foram localizados.

NO RADAR DA CPI

Investigações a respeito de irregularidades em contratações por hospitais federais do Rio de Janeiro entraram no foco da CPI da Covid-19 no Senado após depoimento do ex-governador Wilson Witzel (PSC), que sofreu impeachment depois de ter sido denunciado por corrupção durante a pandemia.

Witzel acusou a União de repassar verbas para hospitais federais como forma de garantir propina para empresas relacionadas à prestação de serviço.

Essa chegou a ser considerada uma das principais frentes da investigação da comissão parlamentar de inquérito. A comissão recebeu diversos documentos, mas não conseguiu examiná-los por completo ou realizar audiências sobre o tema.

IRREGULARIDADES NO PROCESSO DE CONTRATAÇÃO

De acordo com técnicos da CPI, há uma série de possíveis irregularidades no processo de contratação da Global.

Em abril de 2020, a administração do Hospital dos Servidores pediu autorização para abrir processo de contratação emergencial para o fornecimento de refeições, sob argumento que o contrato vigente à época terminaria em setembro daquele ano e que já havia sido prorrogado em caráter excepcional.

Uma das possíveis irregularidades apontadas foi a apresentação de atestados de capacidade técnica relacionados a serviços de natureza e complexidade diferentes do requerido. Isso porque a dieta hospitalar tem especificidades não exigidas por outras instituições.

Dos quatro atestados apresentados pela empresa, apenas um foi emitido por unidade de saúde — a quantidade de refeições entregues por mês —, porém, foi muito menor do que aquela exigida pelo Hospital dos Servidores.

Para a Santa Casa de Misericórdia de Vitória (ES), a Global forneceu 31.800 refeições mensais. Para o hospital federal, a demanda era de 85 mil refeições por mês.

Os outros três atestados apresentados diziam respeito ao fornecimento de alimentação escolar para as prefeituras de Mesquita (RJ) e Porto Real (RJ) e de refeições para a Seap.

FRAUDES EM CERTAME DE INTERESSE PÚBLICO

O contrato com a prefeitura de Mesquita passou a ser investigado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro depois que uma CPI indicou a existência de irregularidades. O contrato com o município de Porto Real foi rescindido ao final do ano passado devido a uma paralisação no fornecimento.

O contrato com a Seap gerou denúncia apresentada pela Promotoria, e o empresário Emerson Ramos se tornou réu na 2ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro sob suspeita de fraudes em certame de interesse público.

Em 2018, a empresa também já havia sido alvo de ação civil pública de improbidade administrativa movida pelo Ministério Público. Mais uma vez, a Global foi acusada de ter participado de esquema de fraude envolvendo contrato sem licitação com a prefeitura de Itaperuna (RJ).

Segundo a Promotoria, o município simulou situação de emergência para contratar a empresa emergencialmente e fraudar a pesquisa de preços, aumentando o valor do contrato de fornecimento de merenda escolar.

Enquanto seguia em vigor o contrato emergencial com o Ministério da Saúde, a Global participou do pregão eletrônico que tinha como objetivo selecionar a empresa que passaria a fornecer regularmente as refeições para o hospital.

INDÍCIO DE FAVORECIMENTO

Em setembro do ano passado, a Global apresentou a melhor proposta e foi considerada vencedora do certame.

A empresa, porém, não firmou novo contrato com o hospital porque falhou em apresentar atestados que comprovassem capacidade técnica para fornecer o serviço de alimentação hospitalar.

“Após a análise das responsáveis pela área de nutrição do HFSE acerca da totalidade de atestados referentes à qualificação técnica apresentados pela empresa, a manifestação encaminhada ao pregoeiro foi no sentido de que tanto o serviço voltado para a alimentação de merenda escolar, bem como o serviço voltado para a alimentação penitenciária são completamente diferentes do serviço de alimentação e nutrição hospitalar que são exigidos no edital”, informou o pregoeiro.

“O Serviço de Alimentação e Nutrição Hospitalar para pacientes do tipo normal e dietética possui imensa complexidade, pois atende às diversas patologias dentro da especificidade de cada clínica.”

Outro ponto que chamou a atenção dos técnicos da CPI diz respeito à data do pedido de abertura do processo de contratação por dispensa de licitação.

O requerimento foi feito em abril, cinco meses antes do término do contrato que estava em vigor. Seria tempo suficiente para concluir a licitação que estava em curso.

Outra questão apontada pelos técnicos foi o alegado recebimento pelo hospital de uma única proposta de preços, da Global, ainda que 40 fornecedores tenham sido contatados por e-mail para apresentar um orçamento.

No dia 3 de setembro do ano passado, também foi publicado um aviso de dispensa de licitação no Diário Oficial da União, com prazo de envio de propostas até o dia 9 de setembro.

Por fim, a demora na conclusão do pregão eletrônico também foi citada pelos técnicos como atípica. A sessão foi aberta em 16 de setembro de 2020 e concluída somente em 4 de janeiro de 2021. O contrato com a empresa vencedora, com valor mensal de R$ 1,5 milhão, teve início em março deste ano, logo após o término da vigência do emergencial com a Global.

Durante três meses, o pregoeiro requisitou que a Global, então primeira colocada no certame, enviasse documentos adicionais, certificados e planilhas, até que a empresa falhou em apresentar o comprovante de capacidade técnica e foi desclassificada.

O contrato emergencial firmado em setembro com o Ministério da Saúde, no valor mensal de R$ 1,5 milhã o, tinha como prazo máximo 180 dias ou até que o processo de licitação em curso terminasse. Segundo o Portal da Transparência, a Global recebeu dois empenhos de R$ 1,5 milhão, em setembro e outubro do ano passado.

M. V.

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