Enquanto testemunhas dos assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips estão com medo e pedindo proteção, a Polícia Federal reduziu o número de agentes no Vale do Javari, no Amazonas, onde os crimes ocorreram.
A Polícia Federal tem reduzido o efetivo em Tabatinga (AM), nos últimos anos. Na delegacia localizada na cidade que faz fronteira com Letícia, na Colômbia, trabalham menos policiais do que em 2013. Há, atualmente, 32 policiais federais lotados em Tabatinga, sendo três delegados, três escrivães e 24 agentes. É o mesmo efetivo de 2012.
Em 17 de junho, Bolsonaro disse que faltam recursos. “É só ela me dizer onde eu acho recurso para melhorar o trabalho de fiscalização, eu resolvo agora. Eu tenho um teto de gastos“, disse ele.
Apesar de alegar falta de recursos, o governo conseguiu a aprovação, em julho, da PEC Kamikaze, que possibilitará gastos, às vésperas da eleição, de R$ 41 bilhões para benefícios sociais. Porém, nem um centavo desses recursos foi alocado para aumentar o contingente de fiscalização e policiamento no Vale do Javari.
Enquanto o governo Bolsonaro se ausenta, pelo menos 8 testemunhas indígenas que ajudaram desde os primeiros momentos na solução do crime, do encontro dos corpos até apontar a rede criminosa que atua dentro da Terra Indígena Vale do Javari, querem ingressar no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH). Eles se sentem abandonados pelo governo federal.
“Eu não sei mais quem está envolvido no assassinato do Bruno e do Dom que possa está solto por aí”, revela um indígena que esteve até minutos antes da partida dos dois à comunidade São Rafael, em 5 de junho, quando foram assassinados pelos agora réus Amarildo da Costa Oliveira, conhecido como “Pelado”, e Jefferson da Silva Lima. A testemunha indígena integra a Equipe de Vigilância da Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari), um grupo que, na ausência do poder público, assumiu a autoproteção das comunidades da TI Vale do Javari.
“A gente não tem segurança para nada, eu vivo com medo agora… por mim e pela minha família. Ainda tem gente solta e ninguém sabe o que eles podem fazer contra nós”, diz ele. A liderança indígena decidiu se refugiar com a família em uma aldeia de seu povo por conta própria, sem apoio para seu sustento, longe da área urbana, pelo menos enquanto alguma solução não é oferecida pelas autoridades.
Na região do município de Atalaia do Norte, onde fica localizada a maior parte da TI Vale do Javari, após o desmonte do cerco policial e midiático, restam apenas os indígenas, os ribeirinhos e uma estrutura social que gira em torno de crimes, como a pesca ilegal de pirarucu e tracajá, o narcotráfico na tríplice fronteira (Brasil, Peru e Colômbia) e o garimpo em algumas áreas da Terra Indígena.
PRISÕES
No último dia 6, a Polícia Federal (PF) deflagrou mais uma fase da Operação Javari. Foram cumpridos sete mandados de prisão preventiva, sendo dois contra os já presos “Pelado” e o próprio “Colômbia”, nome do agora identificado Ruben Dario da Silva Villar. Este último está preso por apresentar documentos falsos, mas a PF já identificou fortes indícios de que “Colômbia” seria líder e financiador de uma associação criminosa armada dedicada à prática da pesca ilegal na região do Vale do Javari. Por enquanto, o órgão federal não confirma o envolvimento dele com o duplo homicídio.
Os outros cinco detidos são parentes de “Pelado”, entre eles seu filho, Amarílio de Freitas Oliveira (conhecido como “Dedei”), de 21 anos, preso em uma festa em Atalaia do Norte, na madrugada do dia 7 (domingo); seu cunhado, Laurindo Alves (conhecido como “Caboclo”), nomeado pela Prefeitura de Atalaia do Norte para ser a ponte entre poder público municipal e os pescadores da região; e seu irmão, Eliclei Costa de Oliveira, conhecido como “Sirinha”. Os dois últimos nomes foram revelados pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), horas depois das prisões. “Sirinha” chegou a mentir em uma reportagem, dizendo que não acreditava no envolvimento de “Pelado” no crime.
Ainda há questões não resolvidas, mesmo depois de o Ministério Público Federal (MPF) ter denunciado “Pelado”, seu irmão Oseney da Costa de Oliveira e Jefferson, e da Justiça Federal ter transformado os três em réus. É justamente sob esta atmosfera de indefinição que as testemunhas foram abandonadas.
“A culpa desse abandono é do Estado brasileiro”, disse Beto Marubo, coordenador da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja).
A organização indígena apresentou uma lista com oito nomes à Comissão Externa da Câmara para serem incluídos no PPDDH, programa ligado ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MDH). A comissão, cuja relatora é a deputada federal Vivi Reis (PSol-PA), acrescentou, após uma diligência na cidade de Atalaia do Norte, outros seis nomes de indigenistas e servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai), atuantes nos municípios da tríplice fronteira do Brasil com o Peru e a Colômbia, e que também estão sob ameaças de morte.
A deputada apresentou a lista final com os 14 nomes à Procuradoria Geral da República no dia 6 de julho, em reunião com a procuradora Eliana Torelly, que coordena a 6° Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, responsável por assuntos ligados aos povos indígenas. Até agora, silêncio absoluto.
“É fundamental que o Estado brasileiro garanta a vida e a integridade física de indígenas, indigenistas e servidores públicos que estão ameaçados de morte no Vale do Javari […] é inadmissível a demora de alguns órgãos públicos em darem respostas quanto à proteção das pessoas ameaçadas”, afirmou a deputada Vivi Reis.
“Eu não tenho segurança e nem dinheiro para me deslocar de um lugar pro outro. E se acontecer alguma coisa comigo, como essas crianças vão ficar?”, lamentou a testemunha indígena. Casado e com filhos pequenos para criar, ele não consegue mais circular na casa onde morava, no Vale do Javari, por estar se sentindo desprotegido. A solução foi procurar refúgio na aldeia. “Tem dia que até para arranjar o alimento é difícil aqui. Na aldeia, pelo menos a gente pode contar com os parentes”, conta.
Essa testemunha ainda vive assombrada por ter vivido os minutos finais do jornalista britânico e do indigenista. “Eu estava lá no barco com o Bruno e o Dom quando eles levantaram as armas ameaçando a gente.” Esse fato ocorreu no dia 4 de junho, um dia antes dos assassinatos e da ocultação dos cadáveres das vítimas nas margens do rio Itacoaí, no Vale do Javari.