Ele disse aos demais chefes de Estado que seu governo tem tolerância zero com os crimes ambientais na Amazônia. Sua intolerância, no entanto, é com os fiscais do Ibama e pesquisadores do INPE, que ele perseguiu e afastou por denunciarem a destruição da floresta
Em reunião virtual realizada nesta terça-feira (11) com representantes dos países que são abrangidos pela Floresta Amazônica, Jair Bolsonaro disse que o governo federal tem “tolerância zero” com a ocorrência de crimes ambientais na região. Segundo ele, “combater ilícitos é essencial para a preservação da nossa Amazônia”.
Só que, no caso, para Bolsonaro, o ilícito a que ele se refere, é cometido pelos fiscais que combatem as queimadas e o desmatamento e não por seus protegidos madeireiros e garimpeiros ilegais que estão agindo a todo vapor na região, inclusive com cobertura do presidente.
Como se achasse que as pessoas não têm memória e não estão acompanhando a devastação que está ocorrendo na Amazônia e no Pantanal, ele manipulou números para tentar esconder a grave situação da região. “Em julho deste ano, levando em conta julho do ano passado, nós registramos uma diminuição de 28% de desmatamento ou queimadas na região, mas mesmo assim somos criticados”, disse ele.
Em julho deste ano, o sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), sistema utilizado pelo INPE para controlar a degradação da Floresta Amazônica, registrou efetivamente 1.654,32 km² de área desmatada na Amazônia. O índice é 28% menor do que o contabilizado em julho do ano passado, que foi de 2.255,33 km², mas é o segundo maior já registrado pelo INPE. Além disso, com podemos ver nos dados abaixo, houve aumento de quase 40% no desmatamento no ano, em relação ao ano anterior.
Apesar das declarações parciais do presidente, informações divulgadas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais na semana passada revelaram que o desmatamento na Amazônia cresceu 34% entre agosto de 2019 e julho de 2020 na comparação com mesmo o intervalo anterior. Ou seja, é evidente a aceleração da destruição da floresta. De acordo com o instituto, a área de floresta desmatada na Região Amazônica que foi de 6.844 mil km² entre agosto de 2018 e julho de 2019 subiu para 9.205 km² nos últimos 12 meses.
Há um clima de impunidade crescente desde que Bolsonaro assumiu o governo. Várias medidas foram tomadas pelo Planalto para proteger os interesses de garimpeiros e madeireiros ilegais. Apenas 5% das multas pelos crimes ambientais, quando são aplicadas, o que é raro, são pagas no país. As equipes de fiscalização do desmatamento do Ibama foram desmontadas.
Apesar disso, Bolsonaro mente dizendo que está aumentando a fiscalização. “Desde setembro do ano passado temos lutado com firmeza no maior combate ao desmatamento ilegal e aos crimes ambientais. No Brasil, criamos até uma operação denominada Verde Brasil com participação ativa das forças armadas. Nosso empenho é grande, é enorme no combate aos focos de incêndio e ao desmatamento”, garantiu Bolsonaro. Os fatos e os dados oficiais desmentem sua narrativa.
Mas, mesmo assim, ao tentar achar argumentos para sua tese, ele deixou claro quais são suas reais intenções. Usou o agronegócio para justificar suas acusações a quem defende o meio ambiente.
Disse que a comunidade internacional pressiona contra o desmatamento para prejudicar os negócios do setor. “Afinal de contas, o Brasil é uma potência no agronegócio. Ameaças existem sobre nós o tempo todo. E, lamentavelmente, alguns poucos brasileiros trabalham contra nós nessa questão.” Ou seja, ele acha mesmo que, além do garimpo e das madeireiros, o agronegócio tem que entrar pesado na Amazônia.
O embaixador Everton Vieira Vargas rebateu a fala do presidente ao falar sobre o assunto esta semana. Ele afirmou que é “vergonhoso” o país perder investimentos porque o governo não tem uma política de proteção ao meio ambiente e de reprimir o desmatamento. “Perder esse investimento, que não é do governo A, B ou C, mas da sociedade, deixar isso morrer por não ter estratégia para coibir o desmatamento, coisa que a gente também sabe fazer, é vergonhoso”, declarou em entrevista para Felipe Frazão do portal Terra.
“Ninguém quer comprar carne, soja ou qualquer outro produto que venha de uma região onde ocorreu desmatamento”, destacou. Diplomata com 43 anos de carreira, Everton Vargas chefiou a frente da diplomacia ambiental brasileira e teve participação direta nas tratativas com países nórdicos para trazer ao Rio a ECO-92.
Jair Bolsonaro é um defensor do garimpo ilegal e das atividades madeireiras na Amazônia. Deixou isso claro quando condenou os fiscais que destruíram máquinas usadas pelos criminosos. Deixou isso claro também quando demitiu o diretor do INPE, Ricardo Galvão, quando o órgão divulgou os resultados do desmatamento no Brasil.
O Ministro do Meio Ambiente, ele próprio um criminoso ambiental, que responde processo, afirmou em reunião ministerial, realizada em 22 de abril deste ano, que o governo devia aproveitar a pandemia do coronavírus para “passar a boiada”, ou seja, acabar com todas as normas de proteção do meio ambiente. Ricardo Salles, o ministro que disse esse absurdo, continua no cargo.
Este ano, após o 14º mês seguido de crescimento do desmatamento, que tem sido detectado pelo INPE, o governo resolveu exonerar mais uma diretora do INPE. Desta vez foi a coordenadora-geral de Observação da Terra, a área dentro do INPE que está responsável por monitorar a destruição da floresta por meio do sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter). O governo optou mais uma vez por quebrar o termômetro para fingir que não existe febre. E Bolsonaro repete que está tudo bem e diz que seu governo tem tolerância zero. Sua tolerância zero é com os fiscais.