Ele encabeça a lista de indiciados. Cúpula que fez parte do governo derrotado está na lista dos que podem ser processados pela PGR (Procuradora-Geral da República)
Foram mais de 7 horas de discussão e embates, entre os representantes do governo e da oposição bolsonarista, quando colegiado da CPMI do Golpe aprovou, nesta quarta-feira (18), o relatório final da comissão.
Por 20 votos favoráveis, 11 contrários e nenhuma abstenção, os parlamentares referendaram o parecer da senadora Eliziane Gama (PSD-MA), que pediu o indiciamento de 61 pessoas, entre as quais o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Mesmo sob pesado protesto da oposição, que votou contra o relatório final, o documento segue agora para os órgãos responsáveis pela persecução penal — perseguição ao infrator — para que aprofundem e apurem as responsabilidades.
“O relatório foi subsidiado e construído também por uma equipe da mais alta qualidade, servidores do Senado, da Câmara, da Polícia Federal, do TCU, servidores da Controladoria-Geral da União, do Banco Central, da Receita Federal, servidores de órgãos de fiscalização e controle. São servidores com o mais profundo conhecimento e qualificação técnica, ou seja, o que está consignado aqui foi construído a várias mãos”, disse a relatora, que foi atacada de forma vil pela oposição bolsonarista.
VOTAÇÃO NA CPMI
Veja como os parlamentares votaram no relatório aprovado da senadora Eliziane Gama. A favor
Senadores:
• Veneziano Vital do Rego (MDB-PB)
• Marcelo Castro (MDB-PI)
• Soraya Thronicke (Podemos-MS)
• Fernando Dueire (MDB-PE)
• Eliziane Gama (PSD-MA)
• Omar Aziz (PSD-AM)
• Otto Alencar (PSD-BA)
• Rogério Carvalho (PT-SE)
• Ana Paula Lobato (PSB-MA)
• Fabiano Contarato (PT-ES)
Deputados:
• Duarte Junior (PSB-MA)
• Dagoberto Nogueira (PSDB-MS)
• Duda Salabert (PDT-MG)
• Paulo Magalhães (PSD-BA)
• Rafael Brito (MDB-AL)
• Laura Carneiro (PSD-RJ)
• Rubens Pereira Júnior (PT-MA)
• Rogério Correia (PT-MG)
• Jandira Feghali (PCdoB-RJ)
• Pastor Henrique Vieira (PSol-RJ)
Votaram contra o relatório da senadora Eliziane Gama
Senadores:
• Marcos Rogério (PL-RO)
• Izalci Lucas (PSDB-DF)
• Eduardo Girão (Novo-CE)
• Magno Malta (PL-ES)
• Esperidião Amin (PP-SC)
• Damares Alves (Republicanos-DF)
Deputados:
• Rodrigo Valadares (União Brasil-SE)
• Aluísio Mendes (Republicanos-MA)
• André Fernandes (PL-CE)
• Delegado Ramagem (PL-RJ)
• Filipe Barros (PL-PR)
“PEÇA HISTÓRICA EM DEFESA DA DEMOCRACIA”
Durante as mais de 45 falas de parlamentares na reunião final, ficou evidente a divergência entre governistas e a oposição sobre os responsáveis pelos ataques aos palácios dos Três Poderes, dia 8 de janeiro, e em relação às possíveis omissões do governo federal para evitar a depredação dos prédios públicos.
Enquanto a base do governo elogiou e classificou o relatório como “peça histórica em defesa da democracia”, os oposicionistas criticaram o documento, taxando-o de parcial e considerando que apresenta “erros graves” por supostamente ter se desviado do objeto determinado da CPMI.
“8 de janeiro nunca mais!”, expressou o presidente da CPMI, deputado Arthur Maia (União Brasil-BA), antes de divulgar o placar da votação.
LINHA CRONOLÓGICA DOS ATOS PREPARATÓRIOS
Na avaliação dos senadores e deputados da base governista, o parecer coloca de forma substanciada a linha cronológica dos atos preparatórios, as ações que se antecederam, até se chegar ao ataque do 8 de janeiro.
De acordo com o senador Rogério Carvalho (PT-SE), o relatório fornece subsídio às instituições para que os 61 indiciados respondam por:
• associação criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.
Na opinião do senador sergipano, “as evidências indicam que houve a tentativa de destruição da democracia, por meio da instrumentalização do Estado e da cooptação da ala militar. Assim, afirmou ele, o relatório da senadora Eliziane representa a realidade dos fatos e será uma grande contribuição para a história do País.”
“Antes, tentaram questionar as urnas, porque sabiam que seria difícil ganhar as eleições no voto. Aí questionaram as urnas e fizeram reunião com o Comando Militar para definir um golpe. E isso não é conversa; isso está dito, isso está registrado, isso foi vivenciado, foi visto, foi ouvido, foi presenciado e foi denunciado em juízo. Então, não tem aqui versão; são dados fáticos”, destacou Carvalho.
“Não há questionamento sobre isso. Eu quero dizer que esta CPI coloca em evidência toda a construção golpista do governo Bolsonaro e coloca em tela para o povo brasileiro acompanhar”.
MAIS AMPARO LEGAL
O deputado Rogério Correia (PT-MG) afirmou que, com a aprovação, o STF (Supremo Tribunal Federal) e a PGR (Procuradoria-Geral da República) vão ter ainda mais amparo legal para não promover qualquer anistia a quem esteve envolvido com a autoria intelectual, o planejamento e a execução dos ataques.
Caso seja condenado, salientou o deputado, o ex-presidente pode pegar até 29 anos de prisão.
“Seu relatório, senadora Eliziane, está sendo atacado porque coloca exatamente o dedo na ferida, explicando o que é o núcleo duro [dos atos antidemocráticos]. Pela primeira vez, peixes grandes não serão anistiados no nosso país a partir de uma tentativa de golpe”, apontou o deputado mineiro.
MILITARES ENVOLVIDOS
Além do pedido de indiciamento do ex-presidente da República, o documento traz ainda como indiciados integrantes militares do governo Bolsonaro próximos a ele:
• o ex-ministro da Casa Civil e da Defesa general Walter Braga Netto;
• o ex-ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general Augusto Heleno;
• o ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência general Luiz Eduardo Ramos, e
• o ex-ajudante de ordens tenente-coronel Mauro Cid.
No total, o relatório pede o indiciamento de 8 generais da reserva do Exército.
RELATÓRIO FUNDAMENTADO
A senadora Eliziane Gama ressaltou que a tentativa de desqualificar e esvaziar o relatório é “perda de tempo” e evidencia, conforme ela salientou, que a oposição se “perdeu” por não sustentar os argumentos levantados por ela própria.
“Nenhum dos indiciamentos dessa comissão veio sem o devido levantamento de provas materializadas. Seja pelo cruzamento de informações e dados, porque nós quebramos os sigilos bancários, telefônicos, telemáticos, fiscais, RIF [relatórios de Inteligência Financeira]”, chamou a atenção.
“Nós fizemos uma leitura apurada. Os indiciamentos que estão aqui consignados neste relatório têm respaldo com muita fundamentação. E dizer que para além do meu olhar nesse relatório, fiz questão de ler palavra a palavra, ponto a ponto. Ele foi subsidiado, foi construído também por uma equipe do mais alto gabarito, da mais alta qualidade”, destacou.
A relatora ainda lembrou que, de acordo com o arcabouço legal que se tem hoje, o acionamento do pelotão da Força Nacional para atuar nesse conflito em torno do Palácio do Planalto fica condicionado à autorização do governo do Estado. O que não ocorreu naquela data.
CONJUNTO BEM AMARRADO JURIDICAMENTE
O senador Randolfe Rodrigues (Sem Partido-AP), que é líder do governo no Congresso, reconheceu o relatório como conjunto bem amarrado juridicamente, que se baseia nos fatos e resgata a verdade e a realidade contra o que ele descreveu de “tese negacionista e alucinógena”, ao se referir ao voto em separado apresentado pela oposição.
“O relatório de vossa excelência, de modo cabal, sepulta uma tese negacionista, eu diria, mas enfim, nós não toleramos nessa comissão e o vosso relatório não tolera negacionismo. Porque a última vez que teve tolerância da sociedade brasileira sobre negacionismo, científico no caso, isso levou à morte de mais de 700 mil compatriotas”, lembrou Randolfe.
“Por isso nós não aceitamos o negacionismo do 8 de janeiro e do processo que o antecedeu sobre as teses rocambolescas, quase com toques de alucinógenos de que o nosso governo seria responsável por um autogolpe contra nós mesmos”, pontificou.
VOTO EM SEPARADO DA OPOSIÇÃO
Para os governistas, o voto em separado, que nem chegou a ser votado, é inconsistente e contraditório por “passar pano” para os réus que tentaram acionar uma bomba no entorno do Aeroporto de Brasília, em dezembro de 2022. Além disso, eles consideraram sem nexo a sugestão de indiciar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Seria como querer responsabilizar a vítima do processo que culminou com o ataque aos Três Poderes da República — Executivo, Legislativo e Judiciário.
“Aprecio o indiciamento feito pela eminente relatora, especialmente porque ela indicia o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro, e não como mentor apenas do golpe. A parte dele não era dar ideia, não era incentivar. Ele é alguém que estava lá dentro, que participou de reunião com os chefes das Forças Armadas, que participou de reunião com hacker no Palácio da Alvorada, tomando café da manhã pra dizer: “Aí, bora invadir a urna eletrônica?”.
“Não dá, é impossível”, teria dito o hacker, segundo Randolfe.
“Ei, pois, faz um código-fonte falso, porque nós temos que enganar a nossa militância pra ter confusão no Brasil”, acrescentou Randolfe simulando a fala de Bolsonaro, com o hacker.
“E o indiciamento, o maior acerto do relatório da senadora Eliziane é na tipificação. Ela não inventa tipo jurídico. Ela repete aquilo que o Supremo já está aplicando: 4 crimes que, portanto, têm muito embasamento jurídico”, apontou.
CARLA ZAMBELLI
Única parlamentar indiciada pela relatora, a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), bolsonarista de primeira hora, compareceu à reunião desta quarta-feira. Ela contestou o indiciamento dela e alegou que a CPMI cometeu série de injustiças por não ter lhe dado o direito à defesa.
O senador Fabiano Contarato (PT-ES) contestou a deputada. Ele explicou que no âmbito de CPMI, o direito de defesa se dá após o indiciamento e destacou que o trabalho do colegiado não se encerra agora. Para ele, é preciso cobrar dos órgãos responsáveis que os indiciados sejam penalizados de acordo com a culpabilidade individualizada, como sugeriu a relatora:
“Em uma Comissão Mista Parlamentar de Inquérito, quando algum indiciado alega que não foi dado o direito de defesa, o que vigora numa CPMI, assim como num inquérito policial, é o ‘in dubio pro societate’. O ‘in dubio pro reo’ é após a deflagração de uma ação penal”, explicou o senador capixaba.
“Aí, sim, será assegurado o contraditório e a ampla defesa, e tanto o Jair Bolsonaro, indiciado, e todos aqueles que foram indiciados e que não foram ouvidos na CPMI terão oportunidade de fazê-lo. Agora, eu também quero esclarecer que o trabalho desta CPMI não finaliza aqui. Ele só vai estar efetivamente finalizado quando todos esses golpistas forem condenados e pagarem pelos ataques à democracia que foram feitos”, pontificou o senador.
MISOGINIA CONTRA A RELATORA
O trabalho da senadora Eliziane foi elogiado por grande parte dos parlamentares. Para eles, ela manteve o propósito da investigação da CPMI, sustentando todos os dados e evidências colocados no relatório.
Eles registraram, no entanto, que em muitas situações o trabalho foi mais desafiador em razão de intervenções que, na visão do senador Fabiano Contarato, muitas vezes eram colocadas de forma misógina.
Esses parlamentares se solidarizaram com a senadora.
“Porque eu queria ver se fosse um homem que estivesse sentado ali, se esse homem seria hostilizado como a senadora foi por diversas vezes. É porque ainda nós vivemos aqui numa Casa que é sexista; nós vivemos ainda numa Casa que é misógina; nós ainda vivemos numa Casa que é homofóbica, como nós tivemos aqui uma deputada que foi tratada com um pronome totalmente diferenciado”, apontou.
“Não foi por mero desleixo, mas foi efetivamente por uma demonstração de um comportamento homofóbico. Nós vivemos um comportamento, principalmente desse povo de direita, que difunde o ódio, que não sabe o que é viver com amor, com empatia”, criticou Contarato.
Pedidos de indiciamento no relatório aprovado de Eliziane Gama:
• Jair Messias Bolsonaro – ex-presidente da República
• Walter Souza Braga Netto – general do Exército, ex-ministro da Defesa, candidato a vice na chapa de Jair Bolsonaro, na eleição de 2022
• Augusto Heleno Ribeiro Pereira – general do Exército, ex-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional)
• Luiz Eduardo Ramos Baptista Pereira – general do Exército, ex-ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, da Secretaria de Governo e da Casa Civil
• Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira – general do Exército, ex-ministro da Defesa
• Almir Garnier Santos – almirante de Esquadra, ex-comandante da Marinha
• Marco Antônio Freire Gomes – general do Exército, ex-comandante-geral do Exército
• Mauro Cesar Barbosa Cid – tenente-coronel do Exército, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro
• Luís Marcos dos Reis – sargento do Exército, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro
• Ailton Gonçalves Moraes Barros – ex-major do Exército
• Antônio Elcio Franco Filho – coronel do Exército
• Jean Lawand Júnior – coronel do Exército
• Anderson Gustavo Torres – ex-ministro da Justiça, ex-secretário de Segurança Pública do DF
• Marília Ferreira de Alencar – ex-diretora de inteligência do Ministério da Justiça
• Silvinei Vasques – ex-diretor-geral da PRF (Polícia Rodoviária Federal)
• Filipe G. Martins – ex-assessor-especial para Assuntos Internacionais da Presidência da República
• Alexandre Carlos de Souza Silva – PRF
• Marcelo de Ávila – PRF
• Maurício Junot – sócio de empresas com contratos com a PRF
• Carla Zambelli – deputada federal
• Marcelo Costa Câmara – Coronel do Exército, ex-ajudante de ordens da Presidência da República
• Ridauto Lúcio Fernandes – general da reserva do Exército
• Meyer Nigri – empresário e difusor de conteúdos no WhatsApp
Agentes públicos do GSI, no dia 8 de janeiro de 2023:
• General do Exército Carlos José Russo Assumpção Penteado
• General do Exército Carlos Feitosa Rodrigues
• Coronel do Exército Wanderli Baptista da Silva Junior
• Coronel do Exército André Luiz Furtado Garcia
• Tenente-coronel do Exército Alex Marcos Barbosa Santos
• Major do Exército José Eduardo Natale de Paula Pereira
• Sargento do Exército Laércio da Costa Júnior
• Coronel do Exército Alexandre Santos de Amorim
• Tenente-coronel da PMDF Jader Silva Santos
Agentes públicos da PMDF:
• Coronel Fábio Augusto Vieira
• Coronel Klepter Rosa Gonçalves
• Coronel Jorge Eduardo Barreto Naime
• Coronel Paulo José Ferreira de Sousa Bezerra
• Coronel Marcelo Casimiro Vasconcelos Rodrigues
• Major Flávio Silvestre de Alencar
• Tenente Rafael Pereira Martins
Difusores de conteúdo falso nas redes sociais, segundo o relatório aprovado:
• Tércio Arnaud Tomaz – ex-assessor especial no Palácio do Planalto
• Fernando Nascimento Pessoa
• José Matheus Sales Gomes – ex-assessor especial no Palácio do Planalto
Financiadores dos atos, segundo o relatório aprovado:
• Adauto Lúcio de Mesquita – empresário
• Joveci Xavier de Andrade – empresário
• Ricardo Pereira Cunha – integrante do grupo Direita Xinguara (PA)
• Mauriro Soares de Jesus – empresário
• Enric Juvenal da Costa Laureano – consultor da Associação Nacional do Ouro
Financiadores integrantes do grupo Movimento Brasil Verde e Amarelo:
• Antônio Galvan – sojicultor
• Jefferson da Rocha – advogado
• Vitor Geraldo Gaiardo – sojicultor
• Humberto Falcão – sojicultor
• Luciano Jayme Guimarães – sojicultor
• José Alípio Fernandes da Silveira – sojicultor
• Valdir Edemar Fries – sojicultor
• Júlio Augusto Gomes Nunes – comerciante
• Joel Ragagnin – sojicultor
• Lucas Costa Beber – sojicultor
• Alan Juliani – sojicultor
Condenados por tentativa de explosão de bomba em Brasília:
• George Washington de Oliveira Sousa
• Alan Diego dos Santos Rodrigues
• Wellington Macedo de Souza
Leia o relatório:
Relatório final da CPMIIBaixar