Manifestações em muitos lugares do mundo, pronunciamento de líderes políticos e religiosos e um inédito ato na sede da ONU em Nova York marcaram o 75º aniversário da Nakba – a Catástrofe -, a operação de limpeza étnica contra os palestinos, cujo clímax se deu em 1948, dia 15 de maio, com a implantação do Estado de Israel.
Nas denúncias foi ressaltado que a limpeza étnica não foi um acontecimento de um momento: começou antes do 15 de maio daquele ano e a Nakba perdura até hoje, no continuado e aprofundado apartheid legislado e efetivado em Israel, no assalto a terras na Cisjordânia, na obstrução das negociações de paz com os sucessivos governos – de forma agravada nos de Sharon e Netanyahu – tudo para instalar um Estado baseado em visões e teses supremacistas judaicas e como consequência à sabotagem dos Acordos de Oslo, firmado pelo maior líder palestino, Yasser Arafat e pelo mais destacado israelense – assassinado por fanáticos racistas judeus – Itzhaq Rabin e ao que corresponderia a sua materialização almejada: a Solução do Dois Estados.
A data é oficialmente marcada desde 1998, por decreto do então presidente palestino, Yasser Arafat, coincidindo com o 50º aniversário da devastação. Sua observância, pela ONU, foi aprovada em novembro passado pela Assembleia Geral, o que resultou em um primeiro ato solene na sede das Nações Unidas.
Milhares de pessoas vindas de todas as regiões da Palestina ocupada se manifestaram na segunda-feira (15) em Ramalah, sede da Autoridade Nacional Palestina, com bandeiras palestinas e faixas com a palavra Sanaúd (Retonaremos em árabe). Muitos portavam chaves antigas, que simbolizam os lares de onde seus avós foram expulsos ou obrigados a fugir, durante a primeira das muitas ocupações de terras palestinas pelo Estado de Israel.
Só naqueles anos de 1947 a 1949, foram arrasadas 530 aldeias e vilarejos. As maiores cidades palestinas foram despovoadas de seus residentes árabes (Haifa e Yaffo, hoje Tel Aviv).
Atos de rememoração da Nakba ocorreram também em Belém, em Jerusalém Oriental e na Faixa de Gaza – ali, após uma trégua ter sido decretada, depois dos bombardeios israelenses que se seguiram ao repúdio à morte, sob custódia das autoridades israelenses, de Adnan Khader, palestino em greve de fome, pela sua libertação, uma vez que estava preso pela terceira vez sem sequer uma acusação formal.
“Israel foi fundado sobre as ruínas de 530 aldeias palestinas e suas gangues cometeram mais de 50 massacres, resultando em mais de 15 mil mortos”, disse o primeiro-ministro palestino, Mohammad Shtayyeh, em coletiva de imprensa em frente ao túmulo de Yasser Arafat.
“Eles dizem ‘os velhos vão morrer, os jovens vão esquecer’, e para a minha geração de palestinos nós provamos que ninguém esqueceu e, no mínimo, nossa existência é nossa resistência”, disse um manifestante ao portal Middle East Eye.
As manifestações ocorreram tanto no mundo árabe e muçulmano, quanto em Londres, Paris, Nova York, Washington, Madri, Johanesburgo, São Paulo, no Senado em Brasília e outras cidades.
PRIMEIRA VEZ NA ONU
Na sede da ONU, o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, exortou a que os refugiados palestinos que queiram possam regressar às suas casas o mais rapidamente possível e viver em paz com os seus vizinhos. Ele exigiu que Israel aplique as Resoluções da ONU e, se recusar, “seja suspensa sua adesão a esse fórum multilateral”.
Há “cerca de mil resoluções desde 1947 votadas pela Assembleia Geral, o Conselho de Segurança e o Conselho de Direitos Humanos” da ONU, e até hoje nenhuma resolução foi aplicada”, sublinhou.
Abbas assinalou que as potências colonizadoras ocidentais, especialmente os Estados Unidos e o Reino Unido, são responsáveis diretas, tanto política quanto moralmente, pela Nakba e portanto têm a responsabilidade histórica de contribuir efetivamente para acabar com o sofrimento dos palestinos.
A Sessão Solene pelos 75 anos da Nakba aconteceu mesmo com a tentativa de Israel, primeiro de impedi-lo e depois apelando para os representantes dos diversos países com assento na ONU de não comparecerem. A potência ocupante da Palestina fracassou nos dois intentos e representações de mais de 90 países participaram do ato em Nova Iorque, no auditório da Assembleia Geral da ONU.
A subsecretária-geral para Assuntos Políticos e de Consolidação da Paz, Rosemary DiCarlo, afirmou que posição da ONU é clara: “a ocupação deve acabar e uma Solução de dois Estados que traga paz e segurança duradoura deve ser alcançada de acordo com o direito internacional, as resoluções das Nações Unidas e acordos anteriores”.
Ela também condenou as ações que continuam a minar as perspectivas de estabelecimento de um Estado palestino contínuo e viável e reiterou seu apelo ao respeito pelo status quo nos locais sagrados de Jerusalém.
No ato, se pronunciaram também a União Africana, o Movimento Não-Alinhado, o Grupo dos 77 + China, o Conselho de Cooperação dos Estados Árabes do Golfo, a Liga dos Estados Árabes e a Organização de Cooperação Islâmica, que congrega sucursais em 23 paises, das Américas, Europa, África e Ásia, enviaram mensagens de apoio.
Salem Matug, em nome da União Africana, chamou a “relançar o processo de paz no Oriente Médio”.
Pelo Conselho de Cooperação do Golfo, Sulaiman Mohammed Alanbar destacou que as ações de Israel são “uma extensão da Nakba palestina, hoje a mais prolongada questão da colonização em exercício”. Ele exortou a envidar todos os esforços para acabar imediatamente com as provocações de Israel que se repetem diariamente e tornam ocos os apelos pela paz na região.
Maged Abdelfatah Abdelaziz, pela Liga Árabe, convocou a comunidade internacional a garantir que “as tendências extremistas do governo de Israel fracassem”. Também a OIC chamou a deter um governo extremista que continua suas políticas de colonização e construção – agora acelerada – em terra alheia.
Falando pelos países em desenvolvimento do “Grupo dos 77” e da China, o cubano Yusnier Romero Puentes exigiu que Israel suspendesse o confisco de propriedades palestinas, a expansão dos assentamentos e do muro e todas as medidas de anexação. Ele reafirmou os direitos inalienáveis do povo palestino e da população do Golã sírio ocupado e instou a comunidade internacional a exercer pressão sobre Israel para que seja possível haver um horizonte político para uma solução justa e duradoura.
Leyla Novruz, do Azerbaijão, falando por incumbência do Movimento Não-Alinhado, afirmou que “depois de 75 anos, a prolongada paralisia internacional sobre esta questão é indesculpável”. Ela exigiu o levantamento total e imediato do bloqueio ilegal a Gaza.
Um professor da Universidade de Columbia, Nyle Fort, que leciona estudos afro-americanos e diáspora africana e esteve em Hebron, também deu seu testemunho, lembrando o apoio prestado por Washington ao regime israelense. “Qual é a nossa responsabilidade moral para lidar com a miséria política que é o apartheid israelense? O que nós vamos fazer?” ele perguntou.
Por sua vez, o presidente do Comitê dos Direitos Inalienáveis do Povo Palestino, Cheikh Niang, diante da atual situação terrível nos territórios ocupados, conclamou ao fortalecimento do mandato da Agência das Nações Unidas de Socorro e Trabalho para Refugiados da Palestina no Oriente Próximo (UNRWA).
“NABKA 75 – PELO FIM DO APARTHEID E DA OCUPAÇÃO”
Em Londres, milhares de pessoas marcharam no sábado no ato “Nakba 75 – Fim do Apartheid, Fim da Ocupação”, com início diante da sede da BBC, rumo à sede do governo britânico na Downing Street. A manifestação contou com a presença do ex-líder do Partido Trabalhista, Jeremy Corbyn, um ativista de longa data contra a ocupação israelense da Palestina. “Hoje marchamos por Londres para marcar o 75º aniversário da Nakba e falar contra a desapropriação do povo palestino. Fim da ocupação. Palestina livre”, disse Corbyn em uma mensagem no Twitter.
“Marcamos a Nakba não apenas como um evento histórico, mas como um processo contínuo de opressão decretado nos últimos 75 anos por meio da colonização contínua de terras, imposição do apartheid e ocupação militar”, disse Campanha de Solidariedade Palestina, que organizou o ato ao lado da coalizão Stop the War [Pare a Guerra] e de outras entidades.
Em Joanesburgo e na Cidade do Cabo centenas de sul-africanos foram às ruas se solidarizar com os palestinos no 75º aniversário da Nakba. Oradores compararam a expulsão forçada dos palestinos ao regime do apartheid na África do Sul no século 20.
“A África do Sul condena nos termos mais fortes essas práticas semelhantes ao apartheid e atos desumanos cometidos por Israel com o objetivo de estabelecer e manter a dominação e oprimir sistematicamente os palestinos”, declarou ao Comitê da ONU para o Exercício dos Direitos Inalienáveis do Povo Palestino (CEIRPP), o governo da África do Sul.
No Brooklyn, em Nova York, mais de mil pessoas tomaram as ruas vestidas de vermelho, verde, branco e preto em apoio ao povo palestino, no domingo (14), entoando “Liberte, Liberte a Palestina”. “Setenta e cinco anos depois, centenas de pessoas na cidade de Nova York, jovens e velhos, usavam com orgulho keffiyehs pendurados nos ombros, enrolados na cabeça e amarrados no pescoço”, descreveu o Middle East Eye. Uma celebração da resistência palestina, da vida, da cultura e da luta contínua pela libertação palestina, avaliaram os organizadores.
Em Washington, o ato em lembrança da Nakba foi realizado em um auditório lotado do Senado, por iniciativa da deputada democrata Rashida Tlaib – primeira cidadã palestino-americana eleita ao Congresso. O presidente da Câmara, o republicano Kevin McCarthy, tentou cancelar o evento, que foi mantido após endossado pelo senador Bernie Sanders.
TESTEMUNHO DOS RELIGIOSOS
Na data da Nakba, também os religiosos trouxeram seu testemunho contra a expulsão das famílias palestinas de suas terras ancestrais, o que já dura 75 anos.
O reverendo Jerry Pillay, secretário-geral do Conselho Mundial de Igrejas (CMI) dirigiu mensagem de solidariedade. “A ‘Nakba’, a catástrofe vivida pelas famílias palestinas há 75 anos, continua causando desapropriação e sofrimento não resolvidos para muitos palestinos – especialmente para o povo de Gaza”, disse Pillay. “Que civis desarmados – incluindo crianças – sejam baleados com munição real, até mortos e muitos feridos – não pode ser defendido legal ou moralmente como uma expressão do ‘direito de autodefesa de um Estado”.
O CMI tem consistentemente afirmado – acrescentou – que o status da cidade de Jerusalém deve ser resolvido por meio de negociações pacíficas. “Jerusalém é uma Cidade Santa compartilhada por três religiões: judaísmo, cristianismo e islamismo”, disse Pillay.
Ele também se solidarizou com uma declaração do Conselho dos Patriarcas e Chefes das Igrejas em Jerusalém, que reitera o apelo das Igrejas a lutar por uma paz justa e duradoura para todos os povos da Terra Santa.
Só a igualdade e a justiça podem garantir a paz, reiterou o Patriarca Emérito Michel Sabbah. “No passado, Israel tentou garantir sua segurança olhando através dos mares para aqueles que lhe fornecem armas”, disse Sabbah.
“No entanto, a segurança de Israel depende daqueles que estão próximos e, em particular, dos palestinos. A paz deve começar com eles. Somente a paz com eles libertará esta terra, chamada para ser santa, do derramamento de sangue”.
“Somente justiça e paz, igualdade e reconciliação podem pavimentar o caminho para a realização da vocação desta terra para ser verdadeiramente uma terra sagrada, um lar seguro no qual palestinos e israelenses podem celebrar a vida”, conclamou.