Começou na manhã desta quarta-feira (13), o julgamento dos doze militares acusados pelos homicídios do músico Evaldo Rosa e do catador Luciano Macedo, em Guadalupe, na Zona Norte do Rio, dois anos e meio após o crime que aconteceu em 9 de abril de 2019. A audiência começou às 9h, na Justiça Militar da União (JMU)
O episódio ficou conhecido como caso dos “80 tiros“, em referência ao número de balas de fuzil disparadas por soldados do Exército que atingiram o carro em que estava Evaldo e a sua família.
Evaldo foi morto a caminho de um chá de bebê com a família quando teve o carro atingido por mais de 80 tiros na Estrada do Camboatá, em Guadalupe. O grupamento militar teria, supostamente, confundido o carro do artista com o de criminosos. O laudo da perícia aponta que teriam sido disparados 257 tiros pelos militares.
Além de Evaldo e do sogro Sérgio Gonçalves de Araújo, que foi atingido por uma bala, mas sobreviveu, também estavam no veículo o filho de 7 anos do músico, a esposa dele e uma amiga da família – que não foram atingidos pelos disparos.
Evaldo morreu na hora, mas seus parentes conseguiram escapar. Luciano, que estava nas proximidades e tentou ajudar a família, acabou sendo também baleado e morreu dias depois.
A defesa dos militares que efetuaram os 257 disparos alega que o catador de latinhas Luciano era um criminoso e os soldados agiram em legítima defesa reagindo a uma tentativa de assalto. Nenhuma arma nunca foi apreendida.
Viúva de Evaldo, Luciana dos Santos Nogueira nega essa versão. “Luciano foi tão vítima quanto o meu marido. Isso não é verdade, e eles sabem”, afirmou.
Os réus respondem ao processo em liberdade enquanto aguardavam o julgamento. Eles respondem por homicídio contra as duas vítimas fatais e atentado contra a vida de Sergio Gonçalves, e também são acusados de não terem prestado socorro às vítimas.
Os onze militares acusados entraram no julgamento fardados e perfilados na sessão por volta de 9h15. O décimo segundo réu entrou à paisana. A entrada dos militares provocou o choro de familiares das vítimas que passaram mal e precisaram sair do auditório.
O julgamento estava previsto para começar no dia 7 de abril, mas foi adiado três vezes a pedido da defesa dos réus.
No primeiro pedido de adiamento a defesa argumentou sobre o agravamento da pandemia e conseguiu adiar a audiência por 90 dias. Em junho, o advogado de defesa alegou que não estava completamente imunizado e pediu que a sessão com data prevista para 7 de julho fosse remarcada para 15 de setembro. Posteriormente, o mesmo alegando “complicações nas cordas vocais” conseguiu adiar ainda mais a sessão, que acontece nesta quarta-feira.
“Esses adiamentos foram dias de muita ansiedade, muito difíceis. Porque você acaba pensando que você pode até estar errada, que eles querem ganhar tempo e que tudo caia no esquecimento”, disse a esposa de Evaldo que continuou: “Foi o pior dia da minha vida. Quem estava comigo nasceu de novo. Infelizmente meu marido não teve essa oportunidade”. “Esperamos uma justiça digna”, finalizou Luciana.
No andamento do processo, foram realizadas oitivas (depoimentos) de acusação e defesa, qualificação e interrogatório dos réus, produção de provas pelas partes, e, por fim, alegações finais do Ministério Público Militar e da Defesa.
A audiência desta quarta-feira no JMU foi conduzida pelo Conselho Especial de Justiça, composto por cinco membros. São eles: a juíza federal substituta da Justiça Militar, Mariana Aquino, que preside a sessão; os juízes militares tenente coronel Sandra Fernandes de Oliveira Monteiro; major Rêmulo Dias de Carvalho; major José Adail da Silva Ferreira; e capitão Fernando Perotti Honori. A escolha dos integrantes do Conselho foi feita por sorteio dentre os militares de posto superior aos acusados.
Defesa alega que andar pelas ruas do Rio é uma “roleta russa”
Na alegações finais do processo entregues à Justiça Militar em março deste ano, a defesa dos militares argumentou que os réus atuaram em “legítima defesa” e que trafegar pelas ruas do Rio, “naquela época e atualmente, são verdadeiras ‘roletas russas’”.
A defesa acrescentou que Evaldo e estava em um “Ford Ka branco, com vidros filmados, pesado pela capacidade total de ocupantes” e que o veículo seria “semelhante ao utilizado pela P2 [serviço reservado da Polícia Militar]”.
Segundo o advogado dos acusados, o músico passou “por todas as barreiras dos traficantes em dia de guerra na favela” e opinou que, “infelizmente, ele [Evaldo] se coloca em risco juntamente com todos os que estão consigo nessa situação”.
O que pede o Ministério Público Militar
O Ministério Público Militar (MPM) pediu à Justiça a condenação de oito dos 12 militares que estão no julgamento.
São eles:
- • Tenente Ítalo da Silva Nunes
- • Sargento Fábio Henrique Souza Braz da Silva
- • Cabo Leonardo Oliveira de Souza,
- • Soldado Gabriel Christian Honorato
- • Soldado Matheus Sant’Anna
- • Soldado Marlon Conceição da Silva
- • Soldado João Lucas da Costa Gonçalo
- • Soldado Gabriel da Silva de Barros Lins
O MPM também pediu a condenação dos oito militares pela tentativa de homicídio do sogro de Evaldo, Sérgio Gonçalves de Araújo.
A promotora Najla Nassif Palma e o procurador de Justiça Militar Luciano Gorrilhas, nas alegações finais explicaram os pedidos:
“Os acusados definitivamente, por prova segura e inconteste dos autos, não estavam em situação de legítima defesa. Os militares apertaram os gatilhos de seus fuzis sem previamente certificarem-se de quem eram as pessoas à sua frente”.
A promotora e o procurador acrescentaram que os militares apertaram os gatilhos “porque desejavam executar as pessoas que estavam dentro do veículo, acreditando que ali se encontravam os criminosos com quem haviam trocado disparos anteriormente”.
No mesmo documento, o MPM pediu a absolvição de outros quatro militares que participaram da ação, mas que afirmaram em depoimento à Justiça que não efetuaram nenhum tiro.
Nas alegações finais, o MPM também pediu a absolvição de todos os 12 denunciados pelo crime de omissão de socorro.
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