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Mais de 155 mil pessoas votaram, até o momento, contra a proposta, enquanto apenas 2.178 disseram “sim” à PEC que está em discussão na CCJ do Senado e Flávio Bolsonaro é relator
No site do Senado Federal, a enquete sobre a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 3/22, conhecida como a “PEC das Praias”, consta com 155.936 mil votos contrários, ante apenas 2.178 votos favoráveis, até o momento.
Com isso, 98% dos participantes são contra a PEC. O resultado da consulta foi anunciado, nesta quinta-feira (6), às 8h55. Estes números foram registrados na enquete, até às 7h54, desta quinta-feira.
Pela enquete, como se vê, os brasileiros são amplamente contrários à proposta originária da Câmara dos Deputados, já aprovada na Casa, e em discussão no Senado Federal.
A PEC, que já era motivo de polêmica no Senado, voltou a ser discutida na última semana por meio de audiência pública na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Casa. Todavia, a mobilização on-line se fortaleceu após as trocas de farpas entre a atriz Luana Piovani e o jogador de futebol Neymar.
O endereço virtual da consulta foi muito compartilhado na internet, o que gerou resultado atípico para as enquetes do e-Cidadania, criado pelo Senado em 2012, para ampliar a participação popular no chamado processo legislativo.
Para votar na enquete acesse este linque: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/151923
DEBATE TEMÁTICO
O plenário do Senado aprovou, nesta quarta-feira (5), em votação simbólica, requerimento do senador Jorge Kajuru (PSB-GO) para realização de sessão de debates temáticos sobre a PEC 3/22, que autoriza a União a vender os chamados terrenos de marinha, localizados próximos das praias, lagoas e rios.
Nesse tipo de audiência pública no plenário da Casa, especialistas são convidados para falar sobre o tema em pauta.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), descartou votar rapidamente a proposta. Ele explicou que a PEC vai ser amplamente debatida na CCJ antes de ir ao plenário. Os críticos temem fechamento do acesso às áreas públicas à beira-mar. O governo também se posicionou contrário à proposta.
“PEC DAS PRAIAS”
De autoria do ex-deputado federal Arnaldo Jordy (Cidadania-PA — PEC 39/11) —, a proposta recebeu no Senado o número de PEC 3/22, cujo relator na CCJ é o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).
A proposta prevê o repasse do domínio sobre os terrenos em beira-mar da União para Estados, prefeituras, e iniciativa privada — os chamados terrenos de marinha. Com isso, deixariam de ser compartilhados entre o governo da União e os ocupantes e teriam apenas um proprietário, como hotel ou resort.
Após as várias críticas, o senador anunciou que a PEC terá o texto alterado, especificamente no trecho que trata da transferência dos terrenos. Segundo o senador, a mudança visa garantir que as áreas à beira-mar usadas pela população não sejam privatizadas.
O senador, relator da PEC no Senado, explicou que emenda será apresentada para reforçar que as praias continuarão sendo “de todos os brasileiros”. Mas isso não basta. Os terrenos devem continuar nas mãos da União. É essencial para a soberania nacional, como defende a Marinha.
O QUE DIZEM OS ESPECIALISTAS
Em audiência pública realizada na CCJ, no último dia 27 de maio, especialistas alertaram para riscos ambientais, sociais e patrimoniais dessa PEC que transfere os terrenos de marinha — terras da União no litoral — para ocupantes particulares, Estados e municípios.
Na audiência pública, a coordenadora-geral do Departamento de Oceano e Gestão Costeira do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marinez Eymael Garcia Scherer, informou que a área de segurança nos terrenos de marinha em outros países costuma ser maior que a adotada no Brasil (33 metros).
Ela citou o exemplo de Portugal (50 metros), Suécia (100 a 300 metros), Uruguai (150 a 250 metros) e Argentina (150 metros). A PEC pode significar, na visão de Marinez, um risco de ônus para toda a sociedade e de perdas na qualidade de vida.
“CAOS ADMINISTRATIVO”
A secretária-adjunta da Secretaria de Gestão do Patrimônio da União no MGI (Ministério da Gestão e da Inovação dos Serviços Públicos), Carolina Gabas Stuchi, afirmou que a PEC é de interesse de toda a população brasileira.
Segundo Carolina Stuchi, o domínio da União sobre a faixa da costa marítima é essencial para a soberania nacional e para o equilíbrio do meio ambiente. Ela ainda disse que, se a PEC fosse aprovada hoje, haveria “um caos administrativo”, porque a estimativa é que existam cerca de 3 milhões de imóveis não registrados ocupando essa faixa.
CHOQUE CONTRA SOBERANIA NACIONAL
Diretor do Departamento de Assuntos do Conselho de Defesa Nacional do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) da Presidência da República, Bruno de Oliveira, opinou de forma contrária à PEC.
Ele disse que a mudança pode chocar com princípios de soberania nacional, justiça social e pontos importantes da preservação do meio ambiente. Para Oliveira, eventuais ajustes podem ser feitos por meio de projetos de lei.
PORTOS E PESCA
Na compreensão de Ana Ilda Pavão, representante do Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais, a PEC é retrocesso. Ela disse que as leis precisam se atentar à realidade local. Segundo Ana Pavão, o Senado precisa ouvir mais aqueles que são diretamente atingidos pela mudança legislativa.
Ela abriu bandeira do movimento e disse que a PEC “não tem nada a ver” com os pescadores, que já sofrem com o assoreamento e com o desmatamento. Conforme informou Ana Pavão, já há várias áreas alagadas no Maranhão, impedindo a permanência de povos tradicionais.
“O teor dessa PEC, no fundo, é a urbanização das orlas, são os grandes empreendimentos. Quem vai lucrar? Não somos nós. Nós só vamos perder. Essa PEC precisa ser revista. Muito tem se falado aqui, mas se esqueceram de falar da vida”, registrou.
INSEGURANÇA JURÍDICA
De acordo com a gerente técnica da ATP (Associação dos Terminais Portuários Privados), Ana Paula Franco, todo terminal usa parte do terreno de marinha, com a devida autorização do poder público.
Por isso o interesse do setor na PEC. Ela disse que a ATP é desfavorável à proposta, por trazer insegurança jurídica — comprometendo os negócios dos terminais. Ana Paula lembrou que a construção de um porto exige um longo tempo, sua operação demanda muitos investimentos e alertou que essas mudanças legais podem judicializar a questão.
PROPOSTA TEMERÁRIA
Na mesma linha, o diretor-presidente do Instituto de Terras do Estado do Amapá, Reneval Tupinambá Conceição Júnior, classificou a proposta como temerária e pediu mais debate sobre o tema. Ele disse que em seu estado há uma certa confusão entre terrenos urbanos e rurais nas áreas classificadas como terrenos de marinha.
Reneval Júnior ainda pediu mais envolvimento do governo federal, ao cobrar mais valorização para os setores que trabalham com regularização de patrimônio.
MUNICÍPIOS
Em outro sentido, os prefeitos convidados defenderam a capacidade de os municípios administrarem os terrenos de marinha. O prefeito de Belém (PA), Edmilson Rodrigues (PSol), afirmou que 42% da área continental do município são constituídos por terrenos de marinha ou acrescidos.
Ele disse que a proposta faz a ressalva para as áreas de segurança nacional, que permaneceriam com a União.
Segundo o prefeito, há situações que demandam atenção maior do poder público, que é o caso de terrenos que são ocupados por pessoas de baixa renda. Ele disse que há um bom diálogo com o governo federal para tratar do assunto e lembrou que Belém “vive há séculos” com a ocupação dos terrenos de marinha.
De acordo com o prefeito, há muitos casos em que o ocupante do terreno tem que pagar a taxa de ocupação para a União e ainda o IPTU (Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana) para o município.
“Não é por combater a especulação imobiliária que temos de fazer uma injustiça social”, alertou.
TERRENOS DE MARINHA
Os terrenos de marinha são terras da União no litoral, situados entre a linha imaginária da média das marés registrada no ano de 1831 e 33 metros para o interior do continente. Trata-se de faixa costeira considerada estratégica pelo governo.
Também são consideradas nessa condição as margens de rios e lagoas que sofrem influência das marés. Apesar do nome, terrenos de marinha nada têm a ver com a força armada Marinha. São determinados por estudos técnicos, com base em plantas, mapas e documentos históricos.
O conceito foi instituído ainda no tempo do Império, com a vinda de Dom João 6º e da família real. As terras eram destinadas à instalação de fortificações de defesa contra invasões marítimas. A medida de 15 braças, equivalente a 33 metros, era considerada a largura suficiente para permitir o livre deslocamento de pelotão militar na orla e assegurar o livre trânsito para qualquer incidente do serviço do rei e defesa do País.
Também era espaço estratégico para o serviço de pesca, já que constituia faixa onde os pescadores puxavam as redes. Hoje, a principal legislação sobre o assunto é o Decreto-lei 9.760, de 1946.