Em um recuo da política anterior em relação à Covid-19 – a tal “quarentena seletiva” – o governo Piñera anunciou que a partir das 22 horas de sexta-feira (15) toda a área metropolitana de Santiago, com 32 cidades, mais outros oito municípios vizinhos, entrarão em confinamento obrigatório.
Cerca de oito milhões de pessoas, o que corresponde a 42% da população do Chile, só poderão sair para comprar alimentos e remédios ou ir ao hospital. Para sair às ruas, os cidadãos terão de apresentar licenças temporárias individuais, enquanto os trabalhadores essenciais precisarão de um salvo-conduto. A quarentena impactará 70% das atividades na Grande Santiago.
Até aqui, o presidente Sebastián Piñera vinha resistindo aos apelos de prefeitos para a decretação do chamado fechamento [lockdown], enquanto, tirando um ou outro penduricalho, a política que ele praticava mesmo era a “quarentena vertical”, com os idosos a partir de 80 anos obrigados a permanecerem em casa, idade agora rebaixada para 75 anos, e isolando uma área aqui, outra ali, que logo era liberada.
Nas últimas três semanas, Piñera esteve louvando o “platô na curva da expansão da doença” e chamando os chilenos a um “retorno seguro” ao trabalho. No final de abril, chegou a anunciar um plano – muito criticado, segundo a Reuters – que previa ainda a reabertura gradual de escolas e shopping centers.
O “Plano” era uma macaqueação daquelas convocatórias de Trump a reabrir tudo e salvar a economia. Desde então (24 de abril), o total de casos de Covid-19 triplicou e o de mortos, dobrou.
O governo Piñera também fez planos para a emissão de “passaportes de imunidade” para os que já tivessem tido a doença, o que permitiria apressar a volta dessa gente ao trabalho, mas recuou após a OMS declarar que não havia base científica para esse tipo de “passaporte”.
“BATALHA POR SANTIAGO”
Agora, a convocação é outra. “A batalha por Santiago é a batalha crucial na guerra contra o coronavírus”, afirmou o ministro da Saúde, Jaime Mañalich, após a curva de contágio empinar. Em 24 horas, os novos casos cresceram 60%, para 2660, implodindo a orientação anterior do governo chileno e fazendo todos os sinais de alarme soarem. Foram 11 as mortes.
Dos 2.660 novos casos em 24 horas, 84% foram na região metropolitana de Santiago, sendo 1.873 na capital chilena e 383 nas cidades adjacentes. Há um mês, a média diária de casos era de 400.
Quanto aos testes, foram cerca de 10 mil testes rápidos (PCR) no período, totalizando quase 314 mil desde o início da pandemia. Laboratórios privados reclamam que a falta de insumos poderá acarretar atrasos no processamento dos resultados.
Note-se que, em relação à situação no Equador, ou no Brasil, o quadro chileno ainda não atingiu a escala de desastre desses países. São 34.381 casos confirmados no Chile e 346 mortos – o que também revela a dimensão da subnotificação.
Esse aumento de 60% nos casos em 24 horas ocorre quando quase 90% dos leitos de UTI e dos ventiladores mecânicos estão já ocupados, tornando iminente o colapso ao sistema hospitalar chileno. Nas comunidades, o açodamento no levantamento das parcas medidas de distanciamento semanas atrás, desencadeou novos focos de contágio.
Ao anunciar a quarentena, o ministro Mañalich assinalou que essas medidas devem ser tomadas “para limitar o risco de que mais pessoas devam ser hospitalizadas” e para evitar que “este grande foco de enfermidade e morte em que a Grande Santiago se transformou leve a uma disseminação a outros lugares”.
POSTERGAÇÃO
A instauração da quarentena total já vinha sendo insistentemente pedida pelos prefeitos da Grande Santiago e por médicos e especialistas há semanas. Como destacou o oposicionista Johnny Carrasco, prefeito de Pudahuel, cidade do entorno de Santiago, já havia sido pedida a quarentena, que fora declarada “inadmissível”. “Há um nível de improvisação muito forte e muito irresponsável, vergonhoso, por parte da autoridade central”.
O ministro da Saúde sublinhou que as medidas de isolamento social são “absolutamente necessárias”, por “dolorosas que sejam” e acrescentou que é preciso ajudar os grupos mais vulneráveis, os mais afetados pelas restrições.
CORDÃO SANITÁRIO
A quarentena na Grande Santiago incluirá a instauração de um cordão sanitário para barrar deslocamentos que não estejam diretamente relacionados ao trabalho ou ao fornecimento de bens essenciais. Sob as novas normas para a região metropolitana, apenas as atividade essenciais – como saúde, supermercados, farmácias e entrega de produtos – seguirão operando.
Os trabalhadores cujas funções não sejam essenciais, e que não possam realizar teletrabalho, terão acesso à proteção ao emprego sob a lei de suspensão de contrato por ato de autoridade, segundo a ministra do Trabalho, María José Zaldívar.
Pelo Twitter, Piñera, ao endossar a quarentena, postou que seu governo trabalha “para proteger a saúde e a vida de nossos compatriotas” e pediu a “colaboração” da população.
Está mantido o toque de recolher nacional, das 22 h às 17 h, a proibição de aglomerações e o fechamento de escolas e universidades e das fronteiras.
Antes da pandemia, o Chile vinha vivendo as maiores manifestações da história contra a herança maldita do ultraliberalismo pinochetista, como o sistema privado de aposentadorias e o ensino universitário pago, era enorme o isolamento de seu governo e chegou a ser marcada a data da eleição de uma constituinte.
Economistas estimam em até 11% a contração da economia no segundo trimestre deste ano. A previsão do FMI é de que o PIB do Chile encolherá 4,5%. O governo do Chile pediu ao FMI um empréstimo emergencial de US$ 23,8 bilhões, sem pré-condições, em razão da pandemia.