MARCO CAMPANELLA (*)
Nos últimos dias, Bolsonaro já não é mais o mesmo presidente, falastrão, acusador doentio e contumaz de uma conspiração contra ele e seu governo.
Numa única semana, três derrotas acachapantes e parece ter acusado o golpe.
A prisão do ex-assessor de Flávio Bolsonaro, Fabrício Queiroz, na residência do advogado da família, em Atibaia, na última semana, que caiu como uma bomba sobre o bolsonarismo.
A forçada demissão do ministro neofascista Weintraub e sua “fuga” alucinada para Miami aproveitando-se do passaporte diplomático a que ainda tinha direito e da premeditada demora de sua exoneração no Diário Oficial.
A aprovação quase unânime pelo STF pela validação e continuidade do inquérito que apura os crimes (fake news) produzidos pelo “gabinete do ódio” e outras falanges bolsonaristas.
Mas não é só isso.
Mal começamos a semana, e o general Heleno, aliado desde a primeira hora, um dos poucos militares de alta patente a alinhar-se politicamente ao presidente, jogou um balde de água fria na versão pela qual Bolsonaro referia-se à troca da segurança pessoal em seu pronunciamento desastrado na desastrada reunião de 22 de abril e não ao comando da Polícia Federal, como denunciou Moro, saindo na sequência do governo.
Heleno, em despacho encaminhado à PF, afirmou que o Gabinete de Segurança Institucional que está sob a sua responsabilidade confirmou que o presidente não encontrou “óbices ou embaraços” para trocar a segurança pessoal dele. Portanto, reforçou a tese, já bastante consolidada, de que as ameaças de Bolsonaro estavam claramente endereçadas ao comando da Polícia Federal e ao então ministro da Justiça, Sergio Moro, numa clara tentativa de interferir politicamente no órgão para proteger seus apaniguados.
A Polícia Federal também acaba de encaminhar ao STF um pedido para interrogar Bolsonaro sobre sua tentativa de interferir politicamente na PF. O ministro Celso de Mello deve decidir sobre o pedido da delegada Christiane Correa Machado, que, em seu despacho, afirmou: “As investigações se encontram em estágio avançado, razão pela qual nos próximos dias torna-se necessária a oitiva”.
A provável detenção nos próximos dias da esposa de Queiroz, considerada uma pessoa chave nas investigações sobre as “rachadinhas” no gabinete de Flávio na Alerj, e sua conexão com o crime organizado e as milícias armadas e digitais, deverá também colocar mais gasolina na fogueira.
Outro elemento que agravará a situação do clã é a descoberta de R$ 41 milhões de verba pública com a empresa Globalweb, em contratos com vários órgãos da administração federal, cuja proprietária é nada mais nada menos que a ex-esposa do advogado Wassef, o mesmo que protegia Queiroz, Cristina Boner Leo.
Não é a primeira vez que o governo destina recursos vultosos para finalidades inconfessáveis, assim como aconteceu no direcionamento de verba pública da Comunicação Social palaciana para impulsionadores de fake news que estão na mira da justiça.
O ministro Alexandre de Moraes já apontou a necessidade de rastrear a procedência dos recursos que financiam a infraestrutura e as peças de divulgação dos atos antidemocráticos, promovidos por grupos bolsonaristas, com o claro propósito de violar o “Estado Democrático” e provocar as “Forças Armadas ao descumprimento de sua missão constitucional”.
As investigações já chegaram a alguns deputados federais que pertencem ao núcleo bolsonarista ortodoxo na Câmara Federal, enquanto o presidente usa e abusa da caneta para cooptar figuras da “velha política” que antes condenara, na desesperada tentativa de recompor sua base e evitar a progressão de provável impeachment no legislativo.
Com isso, a fachada apresentada por Jair Messias na campanha de que faria um governo “incorruptível”, avesso às “negociatas” e vigilante no combate ao “crime organizado”, vai caindo por terra pouco a pouco.
Sua desidratação política é acelerada, como também seu isolamento político.
Recente pesquisa da Quaest Consultoria apontou que, pela primeira vez desde sua posse na Presidência, Bolsonaro é rejeitado por mais da metade da população brasileira. Segundo o levantamento, 54% dos entrevistados consideram a gestão “ruim” ou “péssima” – o recorde de desaprovação na série da Quaest.
Nesse quadro, o “mito” estará cada vez mais ocupado em salvar a própria pele, deixando Guedes livre para continuar fazendo suas “maldades” contra o país e o povo, mesmo durante a pandemia.
As medidas provisórias editadas para permitir a suspensão de jornada de trabalho com redução de salário (936, já votada) e com o objetivo de estabelecer novas regras trabalhistas durante a pandemia (927, em votação) representam uma agressão aos direitos dos trabalhadores tão ou mais grave que a perpetrada por Temer na famigerada “reforma” da CLT. Felizmente, a ação da oposição e de setores do centro político reduziram os danos da primeira.
As medidas de natureza “privatista” também recrudesceram. A sanha entreguista concentra-se nesse momento na votação do projeto que prevê a privatização do setor de saneamento básico em um país em que cerca de 45% da população, precisamente a mais pobre, não dispõem desse serviço essencial. E o Banco do Brasil continua na alça de mira do governo, aliás, do seu ministro da Economia e do próprio presidente da instituição, nomeado com a missão, assumida, de entregar o banco ao “mercado”.
Esse é o retrato de um governo no momento em que o país soma quase 53 mil mortos pela pandemia e mais de 1,2 milhão de infectados, sem ainda uma perspectiva segura de que a curva da letalidade começará a ceder.
Não por acaso, nesta sexta-feira, a frente ampla que se forma contra o bolsonarismo se reunirá novamente, em defesa dos Direitos, já, dessa vez com maior representatividade. Estão sendo esperadas centenas de personalidades do mundo político, militar, social, artístico, midiático, científico e sindical. Confirmaram a presença 16 partidos políticos.
Será, sem dúvida, em tempos de quarentena, a mais expressiva das manifestações da nacionalidade em defesa da vida e da democracia, que haverá de continuar se multiplicando pelo Brasil afora.
Hoje, os cristãos comemoram o dia de São João Batista, cuja data, infelizmente, por conta do distanciamento social, não contará com as tradicionais e contagiantes festas que tiveram origem no Nordeste brasileiro e se espraiaram pelo país.
Trata-se do profeta que previu o advento do Messias e o batizou. O Messias que lutou contra as injustiças e crueldades de sua época, entrando definitivamente para a história.
Mais de dois mil anos depois, são os brasileiros que lutam para se livrar de outro “Messias”, o maior embuste de nossa trajetória republicana, cujo destino será muito diferente – o irremediável lixo da história.
Então, salve São João e o povo brasileiro!
(*) Jornalista.