Um dos líderes mais influentes da Igreja Católica no Brasil e na América Latina das últimas décadas, dom Pedro Casaldáliga, incansável na luta em defesa da reforma agrária, contra o latifúndio, morreu às 9h40 deste sábado (8), aos 92 anos, na Santa Casa de Batatais, no interior de São Paulo.
O bispo emérito da Prelazia de São Félix do Araguaia (MT) estava com infecção no pulmão e insuficiência respiratória agravada pelo Parkinson, doença que o acometia há mais de 10 anos.
Testes foram realizados e não acusaram a presença do novo coronavírus. O anúncio da morte foi feito em comunicado conjunto pela Prelazia de São Félix do Araguaia (MT), a Congregação dos Missionários Filhos do Imaculado Coração de Maria (Claretianos) e a Ordem de Santo Agostinho (Agostinianos).
Natural de Balsanery, província de Barcelona, na Espanha, Casaldáliga viveu mais de meio século no Brasil e participou, ao lado de outros bispos progressistas, da criação do Conselho Missionário Indigenista (Cimi) e da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
O bispo veio para o Brasil em 1968. Ele dedicou a vida para servir os mais pobres e injustiçados, foi em São Félix do Araguaia, então um povoado de 600 habitantes no interior de Mato Grosso que Casaldáliga fez história.
As condições miseráveis da população, na maioria retirantes do Nordeste, e os abusos cometidos por latifundiários acobertados pela ditadura militar, mobilizou o bispo que era admirador de grandes revolucionários, como Che Guevara, para apoiar a resistência do povo contra os grandes fazendeiros.
Em 1970, “Escravidão e Feudalismo no norte de Mato Grosso”, uma importante denúncia que o tornou conhecido no Brasil e no exterior como um lutador contra as injustiças sociais. Ele passou a ser perseguido pela ditadura.
Em 1971, o papa Paulo 6º nomeou Casaldáliga bispo da prelazia de São Félix. Na cerimônia, ele substituiu os artigos religiosos por um chapéu de palha e o anel de tucum (palmeira amazônica), presente que ganhou dos índios tapirapés que logo símbolo da Teologia da Libertação, corrente católica influenciada pelo marxismo.
O texto mais conhecido foi publicado em 1971, “Uma Igreja da Amazônia em conflito com o Latifúndio e a marginalização social”, nele o bispo chamou de “absurdas” as dimensões dos latifúndios e os listou um a um. “A injustiça tem um nome nesta terra: latifúndio. E o único nome certo do desenvolvimento aqui é a reforma agrária”, escreveu.
O posicionamento político de Casaldáliga o levou a sofrer diversas tentativas de assassinato
O pior deles foi em outubro de 1976, no povoado de Ribeirão Bonito, hoje a cidade de Ribeirão Cascalheira (MT). O bispo e o padre jesuíta João Bosco Penido Burnier foram até a delegacia tentar resgatar duas mulheres que estavam sendo torturadas. Na discussão com policiais, o companheiro de Casaldáliga foi assassinado com um tiro à queima-roupa na nuca.
O bispo foi um ferrenho opositor à ditadura militar. Com medo de ter a entrada ao país negada, só viajou ao exterior após a redemocratização. Para sua terra natal, ele nunca mais voltou.
Em nota, o arcebispo metropolitanao de Belo Horizonte e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Walmor Oliveira de Azevedo, lamentou a perda: “Dom Pedro Casaldáliga pregou o Evangelho em cada atitude. Transmitiu as lições de Jesus com o seu jeito de ser. A coragem que marcou a sua vida e o fez sempre estar, incondicionalmente, ao lado dos pobres é própria de quem cultiva no coração uma fé sólida, inabalável”.
Dom Walmor disse ainda que pede em orações “que o seu exemplo possa inspirar cada vez mais atitudes corajosas, sobretudo neste grave momento da nossa história, quando os povos tradicionais estão especialmente ameaçados – além dos já conhecidos interesses econômicos, sofrem com a atual pandemia”.
O padre Júlio Lancelotti, da Pastoral do Povo da Rua da Arquidiocese de São Paulo, define o bispo Pedro Casaldáliga, um dos principais nomes na luta pelos direitos humanos do Brasil
“Quando se ataca um direito humano se está atacando a outros. É um momento muito importante de lutarmos pela vida com dignidade como Dom Pedro fazia, sempre estando ao lado dos mais pobres”, afirma.
“Dom Pedro é irmão de toda vida, da humana e da natureza, sem nenhuma discriminação e preconceito. Ele é o poeta que canta a vida e descreve a dor, que anuncia a esperança e o amor. Será imortal, porque quem ama não morre jamais”, completa.
O legado de dom Pedro não se resume à luta contra a injustiça social. Escritor e poeta, é autor de diversos livros, alguns publicados apenas na Espanha, onde também é reconhecido como influente liderança católica.
Em um de seus poemas sobre a morte, escreveu:
“Eu morrerei em pé, como as árvores/Me matarão em pé. O sol, testemunha maior, imprimirá seu lacre/sobre meu corpo duplamente ungido. De golpe, com a morte/se fará verdade a minha vida/Por fim, terei amado!”.