Investigação identificou transferência de pelo menos R$ 554,2 mil de empresas ligadas ao lobista Mário Peixoto para o governador
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu nesta quarta-feira (2) manter Wilson Witzel (PSC-RJ) afastado do cargo de governador do Rio de Janeiro por atos de corrupção. Por 14 votos a 1, os ministros mantiveram a decisão do relator, ministro Benedito Gonçalves, que afastou Witzel do cargo por 180 dias, na Operação Tris In Idem, que investiga irregularidades e desvios em recursos da saúde do Rio de Janeiro.
O governador é acusado de receber volumosa quantia de empresas ligadas ao empresário Mário Peixoto, prestador de vários serviços ao governo do Rio, principalmente na área de saúde. Na denúncia, detalhada pelo relator, há evidências de que o governador tenha recebido, de empresas de Mário Peixoto, por intermédio do escritório de advocacia de sua mulher, pelo menos R$ 554,2 mil em propina. O MPF descobriu transferência de R$ 74 mil de Helena Witzel para a conta pessoal do governador.
As empresas que repassaram recursos indevidamente para o escritório da primeira-dama do estado, são o Hospital Jardim Amália LTDA, que repassou R$ 280 mil; DPAD Serviços Diagnósticos LTDA – ME Bioslab, que repassou R$ 112.620,00; Cootrab (Cooperativa Central de Trabalho), que repassou R$ 59,385,00 e Quali Clínicas Gestão e Serviços de Saúde LTDA, que repassou R$ 102.231,50. Essas empresas que, direta ou indiretamente pertencem a Mário Peixoto, contrataram o escritório da mulher de Witzel, que não tinha nenhum funcionário, para permitir a transferência ilegal de recursos.
O voto do relator
Benedito Gonçalves defendeu a publicidade do julgamento e sua decisão de aplicar a Witzel medidas cautelares diversas da prisão. “Foi pedida a prisão preventiva. Entendi que a prisão preventiva era mais gravosa. Entendi por optar por medida menos gravosa, que era afastamento”, disse o relator, ao pedir o referendo da cautelar.
Os votos dos demais ministros
Francisco Falcão – O ministro Francisco Falcão acompanhou o relator afirmando que, “diante da gravidade dos fatos”, não vê como não referendar a decisão. “Os fatos são graves, merecem uma apuração e no momento em que vivemos, numa pandemia, onde já tivemos mais de 120 mil vítimas, é impossível que alguém que esteja sendo acusado e investigado possa continuar exercer o cargo tão importante de maior dirigente do Estado do Rio de Janeiro”, afirmou.
Nancy Andrighi – A ministra disse que uma organização criminosa tendente a beneficiar agentes públicos justifica as medidas. “Ocorrem dezenas de pagamentos de despesas pessoais da família do governador em espécie”, citou. Segundo a ministra, o afastamento se faz necessário já que, segundo ela, a participação do governador “assume maior relevo na prática de atos administrativos inerentes à função pública”.
Laurita Vaz – A ministra também acompanhou o relator e argumentou que as medidas cautelares são necessárias para cessar as atividades criminosas, para impedir a reiteração. “Há evidência de vazamento de informações sensíveis da investigação, pois se constatou que foram informados da deflagração das operações”, afirmou.
Maria Thereza Assis Moura – Defendeu que o afastamento deve ser uma medida a ser sempre tomada de forma colegiada. Mas afirmou que não viu prejuízo porque a decisão judicial foi prontamente trazida à Corte Especial. “O Ministério Público foi expresso no sentido de que, além dos fatos narrados na denúncia, diversos outros merecem ser aprofundados inclusive com relação ao grau de atuação da organização criminosa em questão, que possui espectro de incidência delitiva em praticamente todos os setores do governo do estado”, afirmou.
Napoleão Nunes Maia – O ministro foi o primeiro a votar contra o afastamento de Witzel. “A decisão liminar do ministro Benedito Gonçalves, sem fazer nenhuma restrição à lucidez de sua percepção, sem manifestar qualquer descontentamento com o conteúdo da sua decisão, eu penso que ela não está a merecer, da minha parte, o meu referendo”, disse.
Og Fernandes – O ministro também acompanhou o relator afirmando que o ministro definiu um prazo claro de afastamento, que depois poderá ser revogado. “Esse afastamento da função seria pelo prazo de 180 dias. Isso quer dizer que, apurados os fatos que são objeto de investigação, concluído esse prazo, o ministro Benedito e o tribunal como um todo verificará sobre a necessidade ou não do período do afastamento”, ressalvou.
Luís Felipe Salomão – O ministro votou com o relator, afirmando que não vê nenhum tipo de nulidade na cautelar determinada. “Há uma apuração em curso com valores totais ainda não levantados totalmente, ainda não dimensionados”, disse.
Mauro Campbell – O ministro acompanhou o relator ressalvando que, apesar de considerar que a decisão deveria ter sido colegiada, há fatos que justificam o afastamento. “Não possui justificativa forte o bastante para ter sido deferida monocraticamente, mas tal raciocínio resta prejudicado pela atual sessão. Portanto, convalida-se aqui essa legitimidade. Essa decisão tem que ser sempre colegiada”, afirmou. “Tais fatos justificam a decretação de uma medida cautelar tão imperativamente agressora da democracia? Creio que a resposta é positiva.”
Raul Araújo – O ministro também acompanhou o relator, argumentando que o STJ “tem competência para impor a governador medidas cautelares penais, dentre outras prisão preventiva e afastamento do cargo, independentemente de autorização da Assembleia Legislativa”. Mas que o STJ deve ponderar sobre a necessidade do prazo máximo de afastamento de 180 dias. “Talvez represente uma demasia.”
Isabel Gallotti – A ministra foi a décima a acompanhar o relator, formando o quórum qualificado para manter o afastamento. A ministra disse que há fortes indícios de prejuízo ao erário ao longo de toda a gestão de Witzel, continuando até os dias de hoje. “Indícios são graves, serão submetidos ao contraditório.”
Antonio Carlos Ferreira – O ministro também acompanhou o relator, afirmando que a decisão é tomada “sem prejuízo de uma nova, uma futura análise, diante da natureza provisória que caracteriza as medidas cautelares”.
Marcos Buzzi – O ministro afirmou que há fortes indícios de materialidade e autoria para manter o afastamento. “Entendo no mesmo sentido apontado pelo relator que estão evidenciados os serviços que se negam ter sido prestados, as minutas com as empresas contratadas, as evidências das relações espúrias entre Estado e empresas e agentes, a ativação da banca da advocacia da primeira-dama. São dados objetivos que estão, sim, nesta altura e nesta fase demonstrados”, disse.
Sergio Kukina – O ministro divergiu do relator e defendeu a prisão preventiva de Witzel. “Esse governador está rotulado, e há elementos, por ora, que sinalizam no sentido de ser ele o governador, o cabeça da organização criminosa. A meu sentir, parece contraditório que todos os demais permanecessem presos e exatamente o cabeça estivesse em liberdade”, argumentou.
Humberto Martins – O presidente do STJ acompanhou integralmente o voto do relator,. Disse que Os elementos dos autos “comprovam a materialidade”. Segundo ele, há “indícios suficientes de autoria em relação a todos os representados”. No entendimento de Martins, isso “reforça a medida de afastamento adotada pelo ministro relator em circunstanciado modo que no meu sentir não merece qualquer reparo”.
Logo depois que o quórum mínimo para o afastamento foi atingido (dez votos), Witzel afirmou em uma rede social que respeita a decisão do STJ.
“Compreendo a conduta dos magistrados diante da gravidade dos fatos apresentados. Mas, reafirmo que jamais cometi atos ilícitos. Não recebi qualquer valor desviado dos cofres públicos, o que foi comprovado na busca e apreensão. Continuarei trabalhando na minha defesa para demonstrar a verdade e tenho plena confiança em um julgamento justo. Desejo ao governador em exercício, Cláudio Castro, serenidade para conduzir os trabalhos que iniciamos juntos e que possibilitaram devolver ao povo fluminense a segurança nas ruas e, com isso, a esperança em um futuro melhor”, escreveu.