O presidente do Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas do Estado (Fonacate) e do Sindicato Nacional dos Auditores e Técnicos Federais de Finanças e Controle (Unacon), Rudinei Marques, em entrevista ao HP, falou sobre as consequências para o serviço público caso a reforma administrativa (PEC 32/2020), apresentada pelo governo seja aprovada.
Para Rudinei, as alterações no regime dos servidores públicos podem levar o país a uma convulsão social. “Essa medida chega a ser uma covardia contra os servidores que fazem um serviço que o governo não faz. Estamos num país totalmente sem direção e os servidores são apunhalados com a destruição do serviço público”, afirmou.
Veja abaixo a íntegra da entrevista:
HP: Como você avalia a proposta do governo para o serviço público?
RM: Em 1º lugar, entendemos que o momento é inoportuno para uma reforma dessa envergadura. Milhares de servidores estão na linha de frente do combate ao coronavírus, servidores da área do SUS, médicos, enfermeiros, servidores da assistência social, da pesquisa, e mesmo o pessoal da Educação que não está diretamente envolvido, mas está tendo que fazer uma série de adaptações para atender os alunos.
Essa medida chega a ser uma covardia contra os servidores que fazem um serviço que o governo não faz. Estamos num país totalmente sem direção e os servidores são apunhalados com a destruição do serviço público.
HP: O governo argumenta que o país está com a “máquina inchada” e os servidores com “supersalários”. Essas informações procedem?
RM: O governo apresenta esse projeto baseado em fake News, dizendo que a máquina pública está inchada. A média da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, que reúne 37 países] é 21% de empregabilidade no serviço público. No Brasil estamos com 12%. Temos espaço para dobrar essa ocupação.
A reforma vem com um discurso que a máquina pública tem um custo exorbitante. Acabamos de demonstrar com estudos técnicos que 93% dos servidores públicos estão no Executivo, e com uma média salarial de R$ 4.200. Onde estão os supersalários? Ponto fora da curva deve ser corrigido, mas não destruindo o serviço público.
E os municípios concentram a maior parte dos servidores públicos no Brasil. Do total de 11,4 milhões, 6,5 milhões estão nos municípios com uma média salarial de R$ 3 mil reais. Onde está o abuso?
HP: O governo diz que há uma “ineficiência” estatal…
RM: Outra falácia é dizer que é ineficiente. Esses inconsequentes têm que dizer onde é que está o problema. Nossas instituições, como a Fiocruz por exemplo, fazem pesquisas com os maiores institutos do mundo. É a Fiocruz que é ineficiente? É o Banco Central, que está lançando agora o PIX, um mecanismo de pagamento eletrônico que é um avanço nessa tecnologia. São servidores concebendo projetos para viabilizar o Estado.
O que está claro é que o problema não é o servidor. É a falta de planejamento. Que planejamento tem essa equipe econômica do governo? Nenhum. É deficiente.
HP: Um dos pontos que o governo pretende acabar é a questão da estabilidade. Como isso afeta o serviço público?
RM: A PEC apresentada traz problemas gravíssimos e o fim da estabilidade é um deles. O fim da estabilidade acaba com a proteção do servidor e da sociedade. Se não tivesse estabilidade, o país estaria em um caos ainda maior.
Na Saúde, veja o que tivemos de pressão para o uso da cloroquina, comprovadamente ineficaz no tratamento da Covid-19. Por ter estabilidade, os servidores puderam dizer não. Além das pressões para manipular dados. Se os servidores não pudessem dizer não, os imbecis fariam o que quisessem.
Não só na Saúde. Olha as coisas desastrosas que diz ministro da Educação. Se as universidades não tivessem independência e os servidores não tivessem estabilidade, a ciência no Brasil acabaria. O Ibama, órgão fiscal que multou o presidente, é outro exemplo. Se o servidor não tivesse estabilidade seria demitido. É isso o que essa reforma faz: o aparelhamento do Estado.
HP: A PEC propõe acabar com o Regime Jurídico Único e criar outras formas de contratações. O que isso pode acarretar para os serviços públicos?
RM: A extinção do Regime Único, com a contratação de temporários e outros tipos de contrato, vai levar à precarização do trabalho. Será a “uberização” do serviço público, terceirização irrestrita. É um horror. E mais assombroso ainda, que representa um atraso de 4 séculos, é a possibilidade de o presidente poder extinguir qualquer órgão, agência, a hora que entender. É a volta de Luiz XV, do “o rei sou eu”.
Estamos numa situação em que o distanciamento social impede a realização de audiências públicas e esse é um tema complexo que requer um aprofundamento. Temos diversos estudos que apontam que a pobreza e a pobreza extrema vão superar 50% da população na América Latina, segundo dados da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe). São 580 milhões de pessoas na pobreza e 290 milhões na pobreza extrema.
E no Brasil, diante dessa situação, é o serviço público que vem dando conta de tudo, e a situação vai piorar. Corremos o risco de ter uma convulsão social. Já são 60 milhões de desempregados ou desalentados, vivendo de auxílio emergencial. O país precisa muito do serviço público.
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