Rosa Helena Penna Macedo Guita, desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, afirmou no despacho em que determinou a prisão de Marcelo Crivella (Republicanos), na manhã desta terça-feira (22), que o acusado é o chefe de uma organização criminosa que atua na Prefeitura da cidade. Segundo Rosa, Crivella “autorizava a prática de tais crimes e deles se locupletava”.
A prisão de Crivella ocorre no âmbito da Operação Hades, da Polícia Civil e do Ministério Público do Rio de Janeiro. Segundo o MP, Rafael Alves, operador do esquema, recebia propina de empresas para, em troca, facilitar a assinatura de contratos e o pagamento de dívidas no Executivo municipal. Ele é irmão de Marcelo Alves, que foi presidente da Riotur. Rafael Alves operava a partir de um gabinete informal na Cidade das Artes, onde fica localizada a sede da Riotur. O local era conhecido como “QG da Propina”.
A decisão judicial que menciona que Sérgio Mizrahy, doleiro que colaborou com a Justiça a partir de um acordo de delação premiada, apresentou cópias das mensagens entre membros do esquema e que, nelas, “cobravam o recebimento de determinada quantia em espécie a pedido do ‘Zero Um’, codinome atribuído ao prefeito”.
A magistrada também determinou o afastamento de Crivella das funções públicas já que, embora restem poucos dias para terminar o mandato, sua manutenção no cargo até lá implicaria em riscos à ordem pública.
Além de Crivella e Rafael Alves, foram presos o delegado aposentado Fernando Moraes e os empresários Adenor Gonçalves dos Santos e Cristiano Stockler Campos, da área de seguros.
O ex-tesoureiro da campanha de Crivella, Mauro Macedo, conhecido como “Mestre dos Magos”, também foi preso. Ele é primo do chefe da Igreja Universal, Edir Macedo.
Em sua sentença, frisa a desembargadora:
“… chamam a atenção as estreitas relações religiosas mantidas entre o Prefeito MARCELO CRIVELLA, Bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, MAURO MACEDO, primo do fundador da referida Igreja, e EDUARDO BENEDITO LOPES, Bispo da mesma Igreja, em cotejo com o Relatório de Inteligência Financeira n.º 42.938, mediante o qual foi identificada e comunicada movimentação financeira anormal no âmbito daquela instituição religiosa, na ordem de quase seis bilhões de reais no período compreendido entre 05/05/2018 e 30/04/2019, o que sugere a indevida utilização da Igreja na ocultação da renda espúria auferida com o esquema de propinas, até porque, como já observado, MAURO MACEDO e EDUARDO BENEDITO LOPES, ao lado de RAFAEL ALVES, foram identificados como os operadores financeiros do grupo criminoso, ocupando, por assim dizer, o chamado ‘1º escalão’” (grifos nossos).
Leia mais: Igreja Universal pode estar lavando dinheiro de Crivella, afirma Ministério Público
RISCO À ORDEM PÚBLICA
A desembargadora enfatiza que as investigações apontaram que os crimes foram cometidos de modo permanente ao longo de quatro anos de mandato, incluindo contratações fraudulentas e recebimento de propinas em diversos setores da administração pública.
“É verdade que o prefeito está prestes a encerrar o seu mandato, faltando poucos dias para tanto. Poder-se-ia então argumentar que, uma vez praticamente encerrada a sua gestão, não mais haveria que se falar em risco à ordem pública. Tal assertiva poderia até ser verdadeira, caso os ilícitos cometidos tivessem sido esporádicos. Todavia, consoante as investigações revelaram, os crimes foram cometidos de modo permanente ao longo dos 04 anos de mandato, verificando-se contratações fraudulentas e recebimento de propinas nos mais variados setores da Administração. As tratativas espúrias, na verdade, tiveram início ainda durante a campanha eleitoral e miravam as futuras contratações do governo”.
De acordo com a decisão judicial, no corpo do acordo de colaboração premiada, o doleiro Sérgio Mizrahy e colaboradores aderentes prestaram depoimentos e apresentaram diversas provas que revelaram ao Ministério Público a existência de um “intricado esquema criminoso envolvendo membros da Administração Municipal, empresários, pessoas físicas e jurídicas que funcionavam como ‘laranjas’, além de operadores do esquema”.
Para a Justiça, mesmo com o fim do mandato, contratos fraudulentos já firmados continuarão ativos, permitindo que os investigados continuem a receber propina das empresas envolvidas no esquema criminoso.
Os integrantes do esquema, apesar de não possuírem vínculo efetivo com a Prefeitura do Rio “interferiam nas tomadas de decisão, agilizando os pagamentos a empresas específicas e interferindo nos processos de licitação, de forma a beneficiar aqueles empresários que assentiam em pagar propina ao grupo criminoso aparentemente gerenciado pelo homem de confiança do prefeito Marcello Crivella, Rafael Pereira Alves”. Rafael Alves, diz a denúncia, contava com o doleiro Sérgio Mizrahy para “branquear” os valores recebidos.
Leia mais: Crivella era chefão do QG da propina e Rafael Alves o operador
QG DA PROPINA
Em relação a Rafael Alves, a desembargadora apontou que, embora ele se apresente como empresário, suas empresas são inoperantes, “o que leva à conclusão de que ele vive do crime, ou melhor, da corrupção”.
Em março de 2020, na primeira fase da Operação Hades, o celular de Rafael Alves recebeu uma ligação de Marcelo Crivella no momento em que ele era alvo de uma ação de busca e apreensão. A ligação do prefeito foi atendida pelo delegado que cumpria o mandado.
O telefone para o qual o prefeito ligou estava escondido em uma pilha de roupas.
“Da análise do conteúdo dos telefones celulares de Rafael Alves, apurou-se que o Prefeito Marcelo Crivella figura como um de seus mais frequentes interlocutores, tendo sido detectadas, no aparelho encontrado sob a pilha de roupas, 1.949 mensagens trocadas entre eles”, apontou a desembargadora.
De acordo com os depoimentos prestados por Sérgio Mizrahy à Polícia Civil do Rio, a empreitada criminosa teria se intensificado em 2016, durante a campanha eleitoral de Marcelo Crivella. Rafael Alves pediu a Crivella que providenciasse contas bancárias pelas quais pudesse receber quantias em espécie a serem utilizadas na referida campanha.
“Uma vez eleito Marcelo Crivella, o denunciado Rafael Alves passou a ocupar uma sala na sede da Riotur, mesmo sem exercer qualquer cargo público, local onde o colaborador esteve por diversas vezes para lhe entregar valores em espécie provenientes das operações de troca de cheques mediante cobrança de ‘taxa de serviço’.
Segundo a delação de Mizrahy, Rafael Alves cobrava propina para autorizar o pagamento de faturas atrasadas a empresas credoras da Prefeitura, destinando o percentual de 20% a 30% a Marcelo Alves, irmão de Rafael Alves e então presidente da Riotur, e outro percentual ao próprio Prefeito Marcelo Crivella.
“Corroborando os fatos narrados pelo colaborador Sérgio Mizrahy, na data da sua prisão pela Polícia Federal foi arrecadado na sua casa um cheque no valor de R$ 70.000,00, da empresa Randy Assessoria, pertencente ao empresário e hoje denunciado/colaborador João Alberto Felippe Barreto”, acrescenta a desembargadora.
Leia também: