Apesar do avanço descontrolado da doença, o governo Bolsonaro mantém a postura negacionista e genocida que adotou desde o início da pandemia
O Brasil completa um ano enfrentando a pandemia de Covid-19 e, nesses 365 dias, a doença já matou mais 250 mil pessoas no país. A triste marca foi ultrapassada na quarta-feira (24), quando o número absoluto de óbitos chegou a 250.036, de acordo com o Consórcio de Veículos de Imprensa.
A multiplicação de vidas perdidas estabelece números assustadores em cada vez menos tempo. As primeiras 50 mil mortes demoraram 95 dias. Entre a marca de 200 mil, em 7 de janeiro deste ano, e a de 250 mil, foram 48 dias.
As provas da conduta criminosa de Bolsonaro são incontáveis. Desde as repetidas frases de deboche das vítimas do coronavírus, como a vez que chamou a Covid-19 de ‘gripezinha’, até a promoção de manifestações contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal, em meio à pandemia.
Aglomerações ele não perde uma. Sem preocupação com o uso de máscaras, reuniu-se com centenas de pessoas no Palácio do Planalto, no mesmo dia em que o país atingiu as 250 mil mortes por Covid.
A cerimônia de posse do ministro Onyx Lorenzoni, que assumiu a Secretaria-Geral da Presidência, e do deputado João Roma (Republicanos-BA) no Ministério da Cidadania, com a presença de Bolsonaro foi um prato cheio para a Covid.
Como se não bastasse, a defesa do uso de cloroquina como forma de “tratamento precoce” e até mesmo preventivo à Covid-19 é alardeado por Bolsonaro desde o início da pandemia, por mais que já se tenha comprovado que o medicamento não possui nenhum efeito benéfico no tratamento do coronavírus.
No fim de novembro de 2020, o Ministério da Saúde distribuiu toda a cloroquina disponível a estados e prefeituras. Até novembro, a pasta adquiriu e distribuiu todos os 5,8 milhões de comprimidos de cloroquina obtidos.
Em 17 de fevereiro, o Ministério da Saúde abriu novo chamamento público convocando empresas com interesse em fornecer novas doses de hidroxicloroquina ao governo.
Nesta quinta-feira (25), o Ministério da Saúde mantinha no ar orientação para o uso de cloroquina e do antibiótico azitromicina no tratamento precoce da Covid-19. O manual foi lançado em 11 de agosto, quando Eduardo Pazuello ainda era ministro interino da Saúde, e não foi revogado nem substituído por nenhuma outra orientação da pasta, embora o especialista em logística negue que tenha recomendado o uso dos medicamentos.
VACINAÇÃO
O governo federal se esforça para comprar cloroquina, mas não possui qualquer compromisso com a compra das vacinas contra o coronavírus. No último trimestre de 2020, o Ministério da Saúde ignorou a oferta de compra de vacinas feita pelo Instituto Butantan, que mantém parceria com o laboratório chinês Sinovac, além da oferta de vacinas realizadas ao Brasil por laboratórios multinacionais.
O acordo com o Instituto Butantan, para a compra de 46 milhões de doses, foi fechado contra a vontade de Bolsonaro, que insistia em desqualificar a vacina produzida pelos chineses.
Mais preocupado em marketing, o governo se afiançou num contrato com o laboratório multinacional AstraZeneca, que só entregou insumos para a produção de 4,8 milhões de doses da vacina à Fiocruz em fevereiro. Pelo contrato, para a compra de 100 milhões de doses, o governo Bolsonaro desembolsou R$ 1 bilhão de forma antecipada à múlti.
O resultado da sabotagem bolsonarista foi a escassez de doses de vacina duas semanas após o início da vacinação. Na última semana, o programa de imunização foi paralisado em dezenas de cidades brasileiras pela falta de vacinas.
Ele só está sendo retomado após a entrega de um novo lote de doses da CoronaVac pelo Butantan e pela chegada de mais dois milhões de doses da vacina Covshield, compradas pela Fiocruz do Intituto Serum, da Índia, após o atraso na entrega dos insumos para a produção da vacina da AstraZeneca.
Com mais de 40 mil postos de vacinação, o Brasil tem capacidade de vacinar até 2 milhões de pessoas por dia, ou 14 milhões por semana. Mas a realidade imposta pelo governo Bolsonaro é bem diferente. O Brasil tem uma média de 185 mil indivíduos imunizados a cada 24 horas.
A sabotagem de Pazuello e Bolsonaro à vacinação fica evidente em diversos momentos. O Ministério da Saúde ignorou três ofícios enviados pelo Instituto Butantan em 2020, oferecendo doses de vacina contra Covid-19 ao governo federal. Os três documentos, que ficaram sem resposta, foram enviados em julho, agosto e outubro do ano passado.
Neles, o Butantan ofertou ao governo federal a compra de 60 milhões de doses da vacina CoronaVac para entrega ainda em 2020 e de outras 100 milhões para entrega em 2021. Depois, o instituto mandou mais dois comunicados ao ministério, em dezembro e em fevereiro. Não houve resposta por parte do governo federal.
Bolsonaro afirmou que até tem um “cheque de 20 bilhões de reais para comprar a vacina”, mas diz agora que há uma falta global desses produtos. Essa, porém, não é a realidade.
SPUTNIK V
A vacina russa Sputnik V, oferecida ao governo brasileiro pelo governo russo e pela União Química (empresa nacional que pretende produzir o imunizante) não consegue ter o processo de registro para uso emergencial aprovado devido aos entraves gerados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
A agência, dirigida pelo bolsonarista Barra Torres, sequer aceitou o pedido de análise da documentação para o registro da vacina e, sem qualquer pressa, agendou apenas para março uma vistoria na fábrica da União Química em Guarulhos (SP).
Bolsonaro é sádico. Tem o dinheiro pra comprar a vacina, mas o ritmo continua sendo muito lento desde que anunciou ter o dinheiro.
MANAUS
Sem qualquer dúvida, o caso mais escabroso da política genocida do governo Bolsonaro foi o completo abandono da região norte do país no início de janeiro.
A capital do Amazonas, Manaus, viveu uma crise sem precedentes com o avanço dos casos de Covid-19. O surgimento de uma nova cepa do coronavírus na cidade causou uma nova onda da pandemia, com internações batendo recordes e o sistema em colapso, as unidades de saúde ficaram sem oxigênio para atender os pacientes.
“O que eu vivi hoje, nem nos meus piores pesadelos eu pensei que poderia acontecer. Não ter como assistir paciente, não ter palavras para acalentar um familiar. Isso é uma coisa que vai ficar uma cicatriz eterna nos nossos corações”, relatou à época a médica residente Gabriela Oliveira, do Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV).
A crise da falta de oxigênio era de conhecimento do governo federal, que nada fez para impedir que ela acontecesse. Desde o dia 8 de janeiro, e portanto uma semana antes do início da crise, Pazuello foi alertado repetidas vezes por integrantes do governo do Amazonas, pela empresa que fornece o produto e pelos representantes do Ministério da Saúde do aumento do consumo de oxigênio no estado e do risco da falta do produto essencial.
Ao invés de agir para impedir a tragédia, Pazuello se calou. Dias depois, a sua omissão foi elogiada pelo chefe: “O trabalho é excepcional do Pazuello, é um tremendo de um gestor”, disse Bolsonaro em 30 de janeiro.
Segundo o presidente da República, “não é competência nossa e nem atribuição levar o oxigênio pra lá, damos os meios”. Como resultado, o Amazonas registrou, nos dois primeiros meses de 2021, mais mortes por coronavírus que em todo o ano de 2020. Com 5.357 mortes pela doença entre 1 de janeiro e 24 de fevereiro. Enquanto de março a dezembro de 2020, foram registrados 5.285 óbitos.
MAÍRA CAMPOS
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