Esquema funcionou desde o final do ano passado. 101 ofícios obtidos pelo Estadão revelam alocação secreta e sem nenhum controle de recursos públicos bilionários com fins de suborno e compra de apoio
Documentos secretos obtidos pelo jornal Estadão, e divulgados neste fim de semana, revelam que o governo Bolsonaro operou secretamente um orçamento paralelo de R$ 3 bilhões para favorecer aliados políticos com compras fraudulentas e superfaturadas. Segundo o Estadão, inicialmente os parlamentares negaram, mas, confrontados com os ofícios assinados, admitiram participação no esquema. Esquema funcionou desde o final do ano passado.
Segundo o jornal, por meio de ofícios encaminhados principalmente ao Ministério do Desenvolvimento Regional, o governo e os parlamentares beneficiados passavam por cima das leis orçamentárias e por fora da estrutura ministerial e de controle orçamentário e indicavam à pasta onde gostariam de alocar valores. Os montantes eram muito superiores aos R$ 8 milhões que eles têm direito anualmente em emendas parlamentares.
Os documentos mostraram que tratores e equipamentos agrícolas foram comprados com sobrepreços de até 259% acima dos valores de referência fixados pelo próprio governo. Os esquemas burlaram os órgãos de controle. Um caso emblemático da roubalheira é o do deputado Lúcio Mosquini (MDB-RO). O governo aceitou pagar R$ 359 mil num trator que, pelas regras normais, somente liberaria R$ 100 mil dos cofres públicos. No total, o deputado direcionou R$ 8 milhões.
Os ofícios mostram que na rachadinha orçamentária, que já está sendo chamado de “bolsolão”, os deputados e senadores alinhados ao governo tinham como proposta preferencial alocar recursos em locais como a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf), para que a estatal liberasse, com mais facilidade, valores para obras obras em seus redutos eleitorais e para a aquisição de máquinas como tratores, caminhões-pipa e escavadeiras.
O flagrante da farra com o dinheiro público foi revelado pelos ofícios que mostravam um manejo sem controle nenhum de dinheiro público. As provas da atividade criminosa aparecem num conjunto de 101 ofícios enviados por deputados e senadores ao Ministério do Desenvolvimento Regional e órgãos vinculados para indicar como eles preferiam usar os recursos reservados por Bolsonaro a revelia do que manda a lei.
O próprio Bolsonaro havia vetado uma tentativa do Congresso de impor o destino das verbas pelo parlamentar num novo tipo de emenda (chamada RP9), criado durante no seu governo. Bolsonaro havia declarado na época que não era legal esse tipo de destinação de recursos. Na argumentação que usou para vetar a medida, Bolsonaro disse que ela “contraria o interesse público” e estimula o “personalismo”. Depois que passou a adotar a política do toma-lá-dá-cá, Bolsonaro mudou de ideia e passou achar normal o desvio dos recursos.
Os ofícios mostram que os recursos foram usados sem nenhum controle e tiveram critérios eleitoreiros. Nos últimos três meses foram distribuídos de acordo com o posicionamento do parlamentar em relação a projetos do governo. A medida, além de ilegal, atropela orçamento da União e dificulta o controle do Tribunal de Contas da União (TCU) e da sociedade. Os acordos para direcionar o dinheiro não são públicos, e a distribuição dos valores atende a critérios eleitorais. Só ganha quem apoia o governo.
Outro caso que revela a dimensão do esquema é o dos deputados do Solidariedade Ottaci Nascimento (RR) e Bosco Saraiva (AM). Eles direcionaram R$ 4 milhões para Padre Bernardo (GO). Se a tabela do governo fosse considerada, a compra sairia por R$ 2,8 milhões. Eles disseram ao Estadão que atenderam a um pedido de Nascimento, seu colega de partido. Por sua vez, Nascimento afirmou ter aceito um pedido do líder da legenda na Câmara, Lucas Vergílio (GO).