Quadrilha atuava no GTE, setor da Aeronáutica responsável pelo transporte de autoridades; um dos investigados, o tenente-coronel Augusto César Piovesan, estava lotado no Gabinete de Segurança Institucional, dirigido pelo ministro Augusto Heleno
Investigação da Polícia Federal (PF) apontou que o sargento da Força Aérea Brasileira Manoel Silva Rodrigues, preso na Espanha em junho de 2019, após desembarcar de um avião de apoio da comitiva de Jair Bolsonaro, traficou cocaína em pelo menos sete viagens oficiais antes de ser detido.
O sargento foi preso em flagrante, após denúncia anônima, com posse de 39 quilos de cocaína avaliados em R$ 6,4 milhões, minutos após desembarcar no aeroporto de Sevilha, na Espanha. Era uma missão oficial do presidente Jair Bolsonaro e comitiva, rumo ao Japão, para reuniões com a cúpula do G20. As informações foram divulgadas em reportagem do portal UOL.
Manoel foi condenado a seis anos de prisão pelo Superior Tribunal da Andaluzia, na Espanha. Ele confessou o crime e cumpre pena em uma prisão espanhola. A documentação do inquérito policial revela ainda que o esquema continuou com a participação de outros militares brasileiros, mesmo depois da prisão de Manoel Rodrigues.
O sargento estava lotado no Grupo de Transporte Especial (GTE), setor da Aeronáutica responsável pelo transporte de autoridades. Ele fazia viagens oficiais rumo ao exterior desde o ano de 2015.
A primeira viagem nacional suspeita do sargento aconteceu em 18 de março de 2019, já depois da posse de Jair Bolsonaro, ocorrida em 1º de janeiro do mesmo ano. Era uma missão de Brasília para São Paulo. Manoel e a mulher enfrentavam uma grave crise financeira, com contas atrasadas. A PF apurou que, no retorno a Brasília, a situação do casal começou a melhorar, e Manoel Rodrigues pagou suas dívidas.
Em todas as sete viagens oficiais em que a investigação aponta que houve tráfico, o sargento trocou mensagens cifradas com a mulher Wilkelane Nonato Rodrigues, onde indicam sucesso na empreitada criminosa. Foram quatro voos domésticos (São Paulo e Recife) e três internacionais com escalas na Espanha, onde a droga era entregue.
Segundo os investigadores, o sargento aproveitou uma missão para o Azerbaijão, entre os dias 30 de abril e 5 de maio de 2019, para traficar cocaína para Espanha, uma das escalas da viagem.
Ao retornar da missão, Manoel comprou uma moto Honda NC-750-X por R$ 32.900. O casal também gastou R$ 26 mil na reforma do apartamento de Taguatinga, no Distrito Federal, e na compra de móveis. As autoridades policiais calculam que Manoel recebeu ao menos R$ 100 mil pelo transporte da droga.
O rastreamento das ligações telefônicas e a análise das localizações apontaram que sempre às vésperas das viagens oficiais, se hospedava no motel “Park Way”, onde a PF acreditava que ele recebia a substância.
Em 23 de junho de 2019, véspera da missão presidencial para o Japão, o sargento mais uma vez alugou um apartamento no motel Park Way em Brasília. Ele foi com o mesmo carro e ficou no quarto 40 das 13h04 até 14h33. Em seguida rumou para a Base Aérea. Dois dias depois, foi preso em Sevilha.
Em nenhuma das missões oficiais o sargento teve objetos vistoriados ou apreendidos.
Quadrilha
Ainda segundo o Ministério Público Militar, Manoel não agia sozinho. Ao menos outros quatro militares da Aeronáutica são investigados por utilizar as aeronaves da FAB para o tráfico de drogas em missões oficiais nacionais e internacionais.
Dentre os investigados no inquérito militar está o tenente-coronel Augusto César Piovesan, responsável por escalar os militares da Aeronáutica nas viagens oficiais. Ele era o segundo mais antigo no importante grupo responsável pelo transporte aéreo do presidente da República. Ele estava lotado no Gabinete de Segurança Institucional (GSI), pasta dirigida pelo ministro Augusto Heleno, um dos mais próximos de Bolsonaro.
Os investigadores apuraram que Manoel e outros integrantes da quadrilha adquiriram telefone celular exclusivamente para falar em grupo restrito. Um deles era o sargento Jorge Luiz da Cruz Silva. Ele usava o codinome de “Flamengo”. A investigação indica que Jorge e o sargento Márcio Gonçalves de Almeida eram amigos de Manoel. O primeiro era responsável pelo recrutamento de militares com atuação no GTE para atuar como “mulas” no tráfico internacional de drogas, via aviões da FAB.
Piovesan, os sargentos Jorge e Márcio, o ex-soldado Dário e a esposa de Manuel, Wilkelane, tiveram a prisão decretada no dia 18 de março deste ano e também os bens bloqueados pela Justiça Militar de Brasília. Todos eles encontram-se em liberdade com medidas cautelares diversas da prisão.