Anuário de Segurança Pública revelou um aumento de 5% no número de assassinatos no país em 2020, em comparação ao ano anterior. Também foram registrados o aumento de registro de armas (108,4%), da letalidade policial (6.416 mortes) e de feminicídios (1.350 mortes)
Mesmo durante o primeiro ano de pandemia, quando houve maior isolamento social e redução de circulação, o Brasil teve um aumento expressivo no número de mortes violentas. Em 2020, foram registradas 50.033 mortes, contra 47.742 em 2019, um aumento de quase 5%, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgado na última quinta-feira (15).
O aumento nos assassinatos no país foi antecipado pelo Monitor da Violência em fevereiro. O percentual aferido foi o mesmo: 5%. O número não incluía, porém, os casos de mortes por intervenção policial, cujo balanço foi divulgado separadamente.
Os números divulgados pelo Anuário realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública compõem as chamadas mortes violentas intencionais, ou seja, os homicídios, os latrocínios, as lesões corporais seguidas de morte e as mortes cometidas pela polícia.
O perfil das vítimas é o já conhecido: 76,2% são negras, 54,3% jovens e 91,3% do sexo masculino. Os crimes aconteceram mais à noite e aos fins de semana. Em 78% dos casos, foi usada uma arma de fogo. Ao menos 16 estados registraram aumento nas mortes violentas.
No governo Bolsonaro, com mais armas de fogo nas mãos de civis, rearranjos na disputa do crime organizado com um aumento das denúncias de atuação das milícias, o Brasil interrompeu uma sequência de dois anos em queda e voltou a registrar aumento de homicídios em 2020.
O mau desempenho geral do País foi puxado por homicídios comuns (que subiram 6%, passando de 39,7 mil para 42,1 mil casos) e pela letalidade policial (de 6,3 mil para 6,4 mil, ou 1% maior). Este último índice, inclusive, só registra aumentos desde 2013. Os assassinatos de agentes de segurança também cresceram no período, de 172 para 194 casos, mas representam apenas 0,4% das mortes violentas e impactam menos no resultado final do balanço.
Segundo o relatório, a alta das mortes violentas aconteceu em 16 das 27 unidades federativas, de forma mais acentuada na região Nordeste. A situação mais preocupante foi constatada no Ceará, que notificou 4,1 mil assassinatos e crescimento de 75,1% em relação ao ano anterior. O mesmo Estado havia sido recordista de queda em 2019.
O diretor-presidente do Fórum e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), o sociólogo Renato Sérgio de Lima atribui a escalada de violência no Estado à crise vivenciada com a greve da Polícia Militar no ano passado – período em que houve atuação de grupos encapuzados e até toque de recolher.
Proporcionalmente, completam a lista de maior aumento Maranhão (30,2%), Paraíba (23,1%), Piauí (20,1%) e Alagoas (13,8%). Segundo os analistas, fatores como piora dos fatores econômicos, desemprego e saúde mental durante a quarentena também podem ter interferido no resultado ruim. O País tem 2 milhões de armas particulares, aponta relatório.
Para o Fórum, outra explicação para a subida das mortes violentas é o aumento de armas de fogo no País, uma das bandeiras do governo Bolsonaro. Segundo o relatório, atualmente há 2.077.126 armas particulares.
Só em 2020, o incremento foi de 186.071 novas armas registradas na Polícia Federal, número 97,1% maior em relação ao ano anterior, tendo duplicado o número de armas longas, como carabinas, espingardas e fuzis.
Em paralelo, o Brasil viu crescer a presença das armas de fogo nos assassinatos registrados. Em 2019, o instrumento foi usado em 72,5% dos homicídios. No ano passado, o índice saltou para 78%.
“Já é possível perceber correlação entre o aumento de armas de fogo e o números de assassinatos. Para o País inteiro, a política de liberalização começa a ter efeito nas ruas, embora essa não seja a única causa”, afirma Lima.
Na visão de especialistas, políticas para redução de crimes contra a vida passariam por aperfeiçoar o controle e rastreabilidade das armas.
Letalidade policial
A letalidade da polícia aumentou em 2020 e o número de mortes bateu recorde, segundo o anuário. De acordo com o relatório foram registradas 6.416 mortes, o maior número desde 2013, quando os dados passaram a ser coletados. De todas essas mortes causadas pela ação direta de agentes das forças de segurança, 55% estão concentradas em 50 cidades. O número é 1% maior que em 2019.
O dado é relativo a 26 estados e ao Distrito Federal. Por essa razão, difere daquele divulgado em abril pelo Monitor da Violência. Isso porque Goiás não informou os dados para aquele levantamento. E agora aparece com a segunda maior taxa de letalidade do Brasil e com 10% de todas as mortes registradas.
Em comparação com 2013, o aumento no número de mortes chega a 190%. No entanto, segundo o anuário, há que se considerar a melhoria da informação e da transparência a partir da cobrança da sociedade civil.
De acordo com o anuário, as 50 cidades que concentram 55% de todas as mortes estão localizadas no Acre, Alagoas, Amazonas, Amapá, Bahia, Ceará, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Sergipe e São Paulo, incluindo suas 16 capitais. O Rio é o principal destaque, com 15 cidades. Bahia e São Paulo têm sete cada e o Pará, cinco.
A maioria das vítimas da letalidade policial é formada por homens, perfil que se repete historicamente. Mas o percentual de mulheres entre as vítimas dobrou, passando de 0,8% (2019) para 1,6% (2020).
Do total, 78,9% são negras, confirmando anos anteriores. “A estabilidade da desigualdade racial inerente à letalidade policial ao longo das últimas décadas retrata de modo bastante expressivo o déficit de direitos fundamentais a que está sujeita a população negra no país”, anotam os autores. A concentração de vítimas negras é muito superior à composição racial da população brasileira, o que demonstra uma sobrerrepresentação de negros entre as vítimas da letalidade policial.
Feminicídios
Em meio ao isolamento social, o Brasil contabilizou 1.350 casos de feminicídio em 2020 – um a cada seis horas e meia, segundo o relatório. O número é 0,7% maior comparado ao total de 2019. Ao mesmo tempo, o registro em delegacias de outros crimes contra as mulheres caiu no período, embora haja sinais de que a violência doméstica, na verdade, pode ter aumentado.
Os casos de homicídio motivado por questões de gênero subiram em 14 das 27 unidades federativas, de acordo com o relatório. Houve crescimento acentuado em Mato Grosso (57%), Roraima (44,6%), Mato Grosso do Sul (41,7%) e Pará (38,95). Em Rondônia, os feminicídios também saltaram de sete ocorrências, em 2019, para 14 no ano passado.
Entre os Estados, Mato Grosso é o que tem a maior taxa de feminicídio, com 3,6 casos por 100 mil habitantes. Na situação inversa, o Distrito Federal é o responsável pelo melhor índice (0,4), seguido por Rio Grande do Norte (0,7), São Paulo (0,8), Amazonas (0,8) e Rio (0,9).
Três a cada quatro vítimas de feminicídio tinham entre 19 e 44 anos. A maioria (61,8%) era negra. Em geral, o agressor é uma pessoa conhecida: 81,5% dos assassinos eram companheiros ou ex-companheiros, enquanto 8,3% das mulheres foram mortas por outros parentes.
Ao contrário dos homicídios comuns, em que há maior prevalência de arma de fogo, as armas brancas foram mais usadas contra as mulheres. Em 55,1% das ocorrências, as mortes foram provocadas por facas, tesouras, canivetes ou instrumentos do tipo.
Já os registros de lesões corporais e de estupros feitos na polícia caíram em 2020. Pelo levantamento, foram notificadas 230.160 agressões contra mulheres – 7,4% a menos em relação ao ano anterior.
Apesar das reduções verificadas nos dados oficiais, haveria indícios de que o cenário de crimes contra mulheres se acentuou. Por exemplo: o número de ligações para o 190, que aciona a Polícia Militar, subiu 16,3% e chegou a 694.131 chamados por violência doméstica no ano passado.
Por sua vez, as medidas protetivas de urgência também subiram 4,4% em 2020. Foram 294.440 decisões concedidas pela Justiça brasileira, ao todo, de acordo com o Fórum.
De acordo com o relatório, o País somou 60.460 boletins de ocorrência de estupro no ano passdo, ou uma queda de 14,1% comparado a 2019. Ainda assim, isso representa um caso a cada oito minutos. A maioria das vítimas é do sexo feminino (86,9%) e tem no máximo 13 anos (60,6%).
Do total de crimes sexuais, 73,7% dos casos foram contra vítimas vulneráveis – ou seja, menores de 14 anos ou pessoas incapazes de consentir ou de oferecer resistência. Entre os agressores, 85,2% eram conhecidos da vítima.
Em números absolutos, a maior parte das ocorrência de estupro foi notificada em São Paulo, com 11 mil registros feitos. Já proporcionalmente, o Mato Grosso do Sul segue com o pior resultado do País, apresentando taxa de 68,9 casos por 100 mil habitantes. Em 2019, esse índice chegava a 82 estupros por 100 mil.
Veja o relatório completo na íntegra:
https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2021/07/anuario-2021-completo-v4-bx.pdf