Em vídeo, o então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, aparece depois de reunião com empresários que teriam ido negociar a venda de 30 milhões da vacina CoronaVac, por quase o triplo do valor vendido pelo Instituto Butantan
Circula nas redes sociais, desde sexta-feira (16), vídeo em que aparece o então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, em reunião de negociação para compra da vacina CoronaVac, com intermediadores de empresa de Santa Catarina, com preço quase três vezes maior que o do Instituto Butantan.
A surpresa disso é que o agora ex-ministro dissera em depoimento na CPI da Covid-19 no Senado, em 19 de maio, que ele jamais negociara vacinas no ministério. Além do preço superfaturado, claro.
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da CPI da Covid-19, reagiu à denúncia da Folha de S.Paulo contra o ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello por negociar a compra de 30 milhões de doses da vacina CoronaVac com intermediários. O valor oferecido formalmente a Pazuello era quase o triplo do valor de venda do Instituto Butantan, responsável pela fabricação da vacina no País.
“A CPI da Pandemia abriu a caixa de Pandora! Estão emergindo todos os esquemas do Governo Federal na compra de vacinas. Os brasileiros e brasileiras que morreram, não foram vitimadas apenas pela COVID-19!”, escreveu o vice-presidente da comissão no Twitter.
“Eu sou o dirigente máximo, sou o decisor, não posso negociar com empresa. Quem negocia com empresa é o nível administrativo. O ministro jamais deve receber uma empresa”, disse o então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, em depoimento à CPI da Covid-19, em 19 de maio.
A fala foi pronunciada como se estivesse dando aula de gestão aos senadores na CPI e ainda como se chamasse a atenção dos mesmos, que não sabiam que o ministro não poderia se envolver em questões “comezinhas” como negociar vacinas diante da pandemia, que àquela altura já tinha consumido a vida de quase 228 mil brasileiras e brasileiros.
A HISTÓRIA POR TRÁS DO VÍDEO
À frente do Ministério da Saúde, Eduardo Pazuello se comprometera a assinar contrato para a compra de 30 milhões de doses da vacina chinesa CoronaVac, do laboratório Sinovac, oferecidas por intermediadores por quase o triplo do valor negociado com o Instituto Butantan.
Antes, o imunizante fora menosprezado seguidas vezes pelo presidente Jair Bolsonaro, no confronto político com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB). O titular da cadeira no Planalto chegou a afirmar, no ano passado, que a “vacina chinesa de João Doria” não seria adquirida pelo governo federal.
A negociação de Pazuello com os intermediadores foi revelada pelo jornal Folha de S.Paulo, que divulgou vídeo da reunião, ocorrida em 11 de março, portanto, antes da demissão de Pazuello da pasta, em 26 de março.
A comitiva, liderada por empresário apresentado como John, ofertava o imunizante a US$ 28 por dose, quase três vezes o valor da CoronaVac do Butantan (US$ 10). Segundo a Folha, o intermediador representaria empresa chamada World Brands, de Santa Catarina.
O DISCURSO PARA MEMÓRIA
“Estamos aqui reunidos no Ministério da Saúde recebendo uma comitiva enviada pelo John. Uma comitiva que veio tratar da possibilidade de nós comprarmos 30 milhões de doses, numa compra direta com o governo chinês, e já abre também uma nova possibilidade de termos mais doses”, discursa Pazuello no vídeo.
“Já saímos daqui, hoje, com o memorando de entendimento assinado e com o compromisso do ministério de celebrar, no mais curto prazo, um contrato para podermos receber essas 30 milhões de doses no mais curto prazo possível”, acrescentou o e tão ministro.
O vídeo, então, desmente o próprio depoimento de Pazuello à CPI da Covid-19 no Senado, em 19 de maio. Na comissão, ao ser questionado pelo relator Renan Calheiros (MDB-AL) sobre o motivo de não ter liderado a negociação com a Pfizer para a compra de vacina, alegou que um ministro “jamais deve receber uma empresa” e ainda tripudiou sobre o senador.
“Eu sou o dirigente máximo, sou o decisor, não posso negociar com empresa. Quem negocia com empresa é o nível administrativo. O ministro jamais deve receber uma empresa, o senhor deveria saber disso”, tripudiou novamente o ministro.
REUNIÃO FORA DA AGENDA
A reunião com os empresários, fora da agenda do ministro, ocorreu no gabinete do então secretário-executivo da pasta, Elcio Franco. No vídeo, o empresário que se apresenta como porta-voz do grupo agradeceu.
“Muito obrigado, ministro, pela oportunidade de nos receber também. Como empresário, eu acho que sempre nós pensamos no trabalho, mas na contribuição social que podemos oferecer hoje”, afirmou. “E junto, em parceria com tanta porta aberta que o ministro nos propôs, eu acredito que podemos fazer essa parceria por um longo e duradouro tempo, para vários outros produtos, inclusive, se necessário.”
PAZUELLO CAI
O negócio e as tratativas só não foram para a frente porque, com a segunda onda de mortes pela Covid-19 e a crise de oxigênio em hospitais de Manaus (AM), a presença de Pazuello à frente da pasta se tornou insustentável e ele acabou sendo exonerado.
A crise aguda em Manaus, começou em dezembro de 2020, se estendeu por janeiro, tendo ganho as redes sociais em relatos desesperados de pessoas comuns denunciando o desabastecimento de oxigênio medicinal no Estado. Centenas de pessoas morreram na ocasião, inclusive bebês recém-nascidos.
Apesar da grave crise sanitária, o governo atrasou a negociação de vacinas com diversos fornecedores, entre os quais, o Butantan. Em outubro do ano passado, Pazuello chegou a anunciar a compra de 46 milhões de doses do instituto paulista, mas o ministério recuou após Bolsonaro afirmar que o imunizante não seria adquirido.
O Executivo também ignorou diversas ofertas da Pfizer e só assinou contrato com a empresa em 8 de março, em meio a muita pressão, inclusive do Congresso.
BOICOTE À CORONAVAC
Em entrevista concedida em 21 de outubro de 2020, o presidente Jair Bolsonaro disse que os processos de compra de qualquer vacina contra a Covid-19 estavam descartados. A declaração foi dada após o presidente visitar as instalações da Marinha em Iperó (SP), pela manhã.
“Toda e qualquer vacina está descartada. Tem que ter uma validade da Saúde e uma certificação por parte da Anvisa [Agência Nacional de Inspeção Sanitária] também”, descartou Bolsonaro.
Na ocasião, ele também afirmou ter ordenado o cancelamento do acordo feito pelo Ministério da Saúde com o governo de São Paulo para aquisição de 46 milhões de doses da CoronaVac, a vacina desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac em parceria com o Instituto Butantan (SP) para combater o novo coronavírus.
O protocolo de intenções fora assinado em 19 de outubro e anunciado no dia 20 de outubro, em reunião realizada entre governadores e o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello.
“Já mandei cancelar, o presidente sou eu, não abro mão da minha autoridade (…) Até porque estaria comprando uma vacina que ninguém está interessado nela, a não ser nós”, disse Bolsonaro em entrevista desautorizando o então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. E ele nem se demitiu depois disso.
CAIXA DE PANDORA
Mito grego que narra a chegada da primeira mulher à Terra. Com ela, se originam todas as tragédias humanas. Tomada pela imensa curiosidade, Pandora acabou abrindo a caixa, tendo liberado todos os males do mundo. Mas a fechou antes que a esperança pudesse sair.
Essa história foi contada pelo poeta grego Hesíodo, que viveu no século 8 AC (Antes de Cristo).
M. V.