“Como é ser LGBTQIA+ na China” é o assunto abordado pelo economista e pesquisador Elias Jabbour nesse Meia Noite em Pequim, da TV Grabois, sob uma visão mais baseada na análise do processo histórico, marxista, ao invés da simplificação da visão liberal, que leva a um julgamento de valor e, daí, ao ‘cancelamento’.
Trata-se de, sem passar o pano para como o governo chinês trata a questão, chegar a uma visão “mais sofisticada e profunda do que essas visões liberais que predominam no chamado campo progressista no Brasil”.
O ponto de partida é que a China é “um país de 5 mil anos de história, que ao longo de sua trajetória forjou filosofias como o confucionismo e o taoísmo, que prezavam a ‘unidade familiar’. Ou seja, o núcleo da sociedade é a família”.
Até hoje a família camponesa é o núcleo da sociedade chinesa. E essa subjetividade vai sobreviver ao longo do tempo, como percebem os mais afeitos à visão marxista da história.
O fato é que a China é um país em que metade das pessoas vive da atividade agrícola, ou seja, são camponeses, e a outra metade é de camponeses recém industrializados.
Ou seja, uma sociedade muito conservadora. E, como assinalou Jabbour, é a produção social que liberta as pessoas de velhos preconceitos. Assim, não é fácil ser homossexual numa sociedade em que boa parte da população ainda não está urbanizada.
É o que mostra uma pesquisa com 732 estudantes LGBTI da Universidade Normal de Pequim, de 29 províncias, sobre suas orientações sexuais. Mais de 70% dos jovens homossexuais da China, conforme essa pesquisa, não contaram ainda aos parentes e professores sobre suas orientações sexuais. Dos entrevistados, 85% sofrem de condições clínicas como depressão. 40% já pensaram em suicídio.
Para Jabbour, não se trata de inquirir essa questão sob a pauta identitária, mas como uma pauta civilizatória, um processo de humanização. A mudança de atitude da sociedade e do próprio Estado em resposta a determinados fenômenos sociais.
O nível de consciência de uma sociedade – ele aponta – reflete o nível de desenvolvimento material de uma sociedade. Para Jabbour a discussão LGBTI tem de ser colocada no campo da análise das relações de produção de uma dada sociedade. “E é com esse nível de consciência que temos que dialogar o tempo inteiro”, enfatiza.
A revolução de 1949 tratou a questão como um comportamento decadente, como se sabe, o que perdurou por muito tempo mas mudou de forma acelerada na década de 90. Em 1997, acabou-se com a ideia de que a homossexualidade é uma doença.
Para Jabbour, a resposta desde então do Estado Nacional Chinês está marcada pela ambiguidade entre a lei e a moral, à medida que a urbanização vai avançando na China.
O pesquisador cita um estudo que avalia, por um lado, a autopercepção dos homossexuais na sociedade chinesa e, por outro, a aceitação ou reprovação da opinião pública sobre eles.
A porcentagem de pessoas que disseram ter experimentado ‘forte desejo sexual por alguém do mesmo sexo’ evolui de 1,1% (2006) para 5,1% (2015). ‘Identificam-se como homossexual’: 2% (2006) para 4,4% (2015). ‘Já tiveram sexo com alguém do mesmo sexo’: 1,3% (2006) para 3,7% (2015).
À pergunta se concorda ou discorda com a afirmação de que ‘homossexuais devem ser completamente iguais às outras pessoas’, a discordância evoluiu de 52,2% (2006) para 48,1% (2010) e baixou significativamente para 28,3% (2015). Preferiram não dizer: 0,5% (2006), 9,2% (2010) e vai a 26,5% (2015).
O patamar da concordância não se alterou muito: 47,4% (2006), 42,7% (2010) e 45,2% (2015). Assim, há uma tolerância muito maior.
O Estado Chinês, de forma não oficial, mas todo mundo sabe, tem 3 ‘Não’ em relação à homossexualidade. Não aprova. Não Reprova. Não promove. Atitude que responde em grande medida à base camponesa do Partido Comunista, ao mesmo tempo em que o Estado começa a retirar barreiras em relação ao reconhecimento legal dessa questão.
O casamento gay na China ainda não é legalizado, mas há aberturas como o estatuto da ‘tutela’, que permite que duas pessoas do mesmo sexo que moram juntas, casal, os dois têm que ter os mesmos direitos em relação à saúde pública. A parada gay de Xangai é famosa na Ásia.
Por outro lado, recentemente houve a polêmica da China ter proibido literalmente a promoção e exibição de ‘homens afeminados’ na mídia. O que, para ser apreendido, tem de ser olhado pelo ‘olhar da totalidade’ e não recair na postura altamente reacionária de só olhar a parte, segundo Jabbour.
O pesquisador enfatizou que o Estado chinês está enfrentando uma questão ideológica interna e considera que a promoção de certos valores “não é compatível com a atual contradição principal que envolve a China, que é o confronto com o imperialismo”. Há também toda essa discussão sobre a ‘guerra híbrida’ e como o imperialismo se utiliza das contradições no seio do povo para promover a divisão.
Sem fechar a questão, “nem que sim, nem que não”, o vídeo, conclui Jabbour, está mais para mostrar o grande quadro do que acontece na China em relação a isso, acrescentando que, na opinião dele, estão avançando, em um país em que metade da população ainda é camponesa e onde o preconceito é muito grande.
Elias Jabbour é professor dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Econômicas e em Relações Internacionais da UERJ.
Muito oportuna a discussão e o artigo. Em todo o mundo homossexuais sofrem.
Gente em 2021 publicar uma matéria usando a expressão “opção sexual”? Pararam no tempo?
O jornal esta precisando de uma consultoria sobre diversidade, até porque se fosse opção ninguém escolheria ser hetero.
Sobre a expressão “opção sexual”, você está certo – e já a substituímos, na matéria. Quanto a que “se fosse opção ninguém escolheria ser hetero”, é preconceito seu. Até porque, nesse caso, leitor, se isso fosse possível, a humanidade já estaria extinta – e nenhum de nós, nem ao menos nossos pais, existiria.
Um homem trans gay e um homem cis gay podem procriar, tal como uma mulher trans gay e uma mulher cis gay, além de que essas pessoas também podem ser bisexuais ou pansexuais, afirmar que sem essa heterosexualidade compulsória a humanidade não existiria é no mínimo ignorância da sua parte.
Mas alguma heterossexualidade haveria de existir, não é? Poderia não ser “compulsória”, mas, mesmo assim, para haver procriação, teria que existir alguma espécie de heterossexualidade.
A ignorancia se da no momento em que alguem acha que pode rotular a promiscuidade e falta de compromisso moral com seu parceiro, seja do mesmo sexo ou nao. Se a comunidade lgbt busca a legalização da união homossexual, como entao vc me diz que podem ser bi sexuais? Quer dizer que a ideia nunca foi envelhecer ao lado de quem se ama? Mas sim usar de libertinagem para transar xom quem bem entender sem ter consequencias legais e morais? Interessante…
Eu escolheria ser hetero sim. E é opção sim. A biologia e a ciencia deveriam se aprofundar mais sobre o tema, porem os governos e o proprio povo tem MEDO da verdade, por isso nao se estuda a fundo sobre o tema. Alias, para nao me entender errado, os grandes lideres da historia antiga eram bi sexuais, curtiam sua homosexualidade e pedofilia, mas tinham esposas que os geravam filhos e herdeiros. Fica a reflexão aí!