Ministro do STF diz que ele tem que depor presencialmente. AGU entrou com recurso para suspender a oitiva do chefe do Executivo, que não compareceu no horário marcado
Jair Bolsonaro (PL) deixou de depor na Superintendência da Polícia Federal em Brasília, nesta sexta-feira (28), como havia determinado o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Alexandre de Moraes.
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Ao mesmo tempo, a AGU (Advocacia-Geral da União (AGU) apresentou recurso ao STF para adiar o depoimento do presidente.
Mas o ministro Alexandre de Moraes negou, na tarde desta sexta-feira (28), o pedido da AGU para Bolsonaro não depor presencialmente à Polícia Federal. O presidente já havia concordado em prestar depoimento presencial.
“Comportamentos processuais contraditórios são inadmissíveis e se sujeitam à preclusão lógica, dada a evidente incompatibilidade entre os atos em exame, consubstanciados na anterior aceitação pelo investigado em comparecer à sua oitiva em momento oportuno – tendo inclusive solicitado dilação de prazo – e na sua posterior recusa”, escreveu Moraes em sua decisão.
“A alteração de posicionamento do investigado – que assentiu em depor pessoalmente ‘em homenagem aos princípios da cooperação e boa-fé processuais’ – não afasta a preclusão temporal já ocorrida”, destacou o ministro do STF.
A AGU quer levar a discussão para o plenário do STF, sob o argumento de que o presidente não seria obrigado a comparecer para depor.
A Superintendência da PF no Distrito Federal chegou a reservar sala para a realização da oitiva, mas investigadores já tinham expectativa de que o presidente não compareceria.
Representantes da AGU chegaram ao local por volta das 13h50 para avisar que Bolsonaro não iria ao depoimento e informar que entraram com recurso no STF para adiar a oitiva.
RECURSO A SER APRESENTADO AO STF
Pela manhã, Bolsonaro conversou com o advogado-geral da União, Bruno Bianco, para traçar a estratégia a respeito do assunto. O entendimento da AGU é que ele não é obrigado a comparecer, por isso o órgão passou a preparar recurso a ser apresentado ao STF para suspender o depoimento. Bolsonaro também conversou com o ministro da Justiça Anderson Torres, que é o superior hierárquico da Polícia Federal.
Como o STF suspendeu o instrumento da condução coercitiva, que serve para obrigar investigado a comparecer para prestar depoimento, não há retaliação prevista em lei para a ausência no interrogatório desta sexta-feira.
O ministro Alexandre de Moraes ainda deve analisar se há medidas a serem tomadas sobre o assunto.
CONFRONTO COM STF
A decisão de Moraes foi proferida quinta-feira (27) em resposta a outro pedido da AGU para que Bolsonaro não comparecesse ao depoimento, cujo prazo venceu nesta sexta-feira.
O presidente teve a prerrogativa de escolher data, horário e local para o interrogatório, mas a AGU apenas apresentou, na véspera do fim do prazo, pedido de dispensa. Por isso, Moraes negou o pedido e determinou o comparecimento pessoal à PF para o depoimento.
“Em momento algum, a imprescindibilidade do absoluto respeito ao direito ao silêncio e ao privilégio da não autoincriminação constitui obstáculo intransponível à obrigatoriedade de participação dos investigados nos legítimos atos de persecução penal estatal ou mesmo uma autorização para que possam ditar a realização de atos procedimentais ou o encerramento da investigação, sem o respeito ao devido processo legal”, escreveu Moraes na decisão.
Prosseguiu o ministro: “Em uma República, o investigado — qualquer que seja ele — está normalmente sujeito ao alcance dos poderes compulsórios do Estado necessários para assegurar a confiabilidade da evidência, podendo, se preciso, submeter-se à busca de sua pessoa ou propriedade, dar suas impressões digitais quando autorizado em lei e ser intimado para interrogatório”.
REGRAS CONSTITUCIONAIS E PROCESSUAIS
Segundo Moraes, embora a lei preveja que caberá ao investigado escolher o “direito de falar no momento adequado” ou o “direito ao silêncio parcial ou total”, “não é o investigado que decidirá prévia e genericamente pela possibilidade ou não da realização de atos procedimentais ou processuais durante a investigação criminal ou a instrução processual penal”.
Esse inquérito foi aberto para apurar a suspeita de vazamento de documentos sigilosos de investigação da PF a respeito de ataque hacker ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral). O inquérito foi aberto pelo Supremo e tramita sob relatoria de Moraes.
Bolsonaro divulgou os documentos em suas redes sociais e também durante transmissão ao vivo em julho passado, live pela qual divulgou informações falsas a respeito da confiabilidade das urnas eletrônicas.
O presidente, então, mostrou documentos de investigação da PF sobre ataque ao TSE, mas que não tinha nenhuma relação com as urnas eletrônicas. O deputado bolsonarista Filipe Barros (PSL-PR), que participou da “live”, também é investigado.
A divulgação de documentos sigilosos constitui crime, por isso o STF abriu inquérito para apurar a conduta do presidente da República. O depoimento de Bolsonaro é uma das últimas diligências pendentes para a PF concluir a investigação.
M. V.