A família de Moïse Mugenyi Kabagambe afirmou que se sentiu intimidada pela atitude de dois policiais militares que compareceram ao estabelecimento três vezes desde o crime.
Segundo os parentes, a primeira vez foi na própria noite do assassinato, em 24 de janeiro. A dupla teria sido filmada no local depois que o Samu chegou, os recortes do vídeo das agressões que foram divulgados à imprensa pela Polícia Civil não mostram esse momento.
A segunda vez em que os policiais apareceram foi no dia seguinte à morte, uma terça-feira, quando parentes e amigos de Moïse foram até a Barra da Tijuca (zona oeste) tentar entender o que havia acontecido. Eles contam que estavam fazendo perguntas ao dono do quiosque Tropicália, Carlos Fabio Muzi, a um dos seus funcionários, e depois a uma mulher de outro quiosque.
A família pedia que o proprietário do quiosque os acompanhasse até a Delegacia de Homicídios (DH) para dar depoimento, o que até aquele momento ainda não havia acontecido. Segundo os relatos, o proprietário disse que iria buscar o carro para partirem, mas não retornou.
Nesse meio tempo, segundo os parentes, os policiais surgiram, pediram documentos do grupo e fizeram perguntas sobre o que havia acontecido, mesmo supostamente já tendo estado no local no dia anterior.
A gravação em áudio de parte da conversa, divulgada pelos familiares, mostra um agente afirmando que os comerciantes não eram obrigados a dar explicações à família, e sim apenas ao delegado. A comerciante chega a dizer que tudo bem, mas o homem que se apresentou como policial insiste.
“Eu falei para o dono do quiosque. Qualquer informação, vocês têm que dar lá na DH, que está a cargo da investigação. A informação que eles devem dar, que eles são obrigados a dar, é para o delegado. O delegado veio ou vai vir aí, ou vai chamá-los para a delegacia. Não adianta ficar falando aqui”, diz o agente.
“Não, mas a gente só está conversando”, responde o amigo de Moïse. “Beleza. Se quiser falar, você pode falar, mas você [se dirige à mulher] não é obrigada a dar informação nenhuma. Até porque a investigação quem faz não são vocês, é a delegacia”, repete o policial.
“Ele é nosso irmão, aconteceu ontem, a gente veio tentar entender”, rebate o amigo. “Eu entendo seu sentimento de irmão, sua revolta, ninguém quer perder um parente”, responde o agente. A comerciante então continua explicando que Moïse trabalhava informalmente para vários quiosques, e o policial intervém novamente.
“Não, mas eu posso conversar com eles”, ela fala. “Se você quiser falar alguma coisa, pode falar, [mas] ela não é obrigada a dar nenhuma informação”, afirma o agente mais uma vez. “Eu também não estou obrigando ela a dar nenhuma informação”, diz o amigo. “Tranquilo”, responde o policial, e a conversa se encerra.
Quatro dias depois, no sábado (29), a mesma dupla apareceu pela terceira vez, segundo os familiares. Foi durante o protesto em frente ao quiosque, embora já houvesse policiais do programa Segurança Presente acompanhando o ato. Até então, o caso não havia ganhado tanta repercussão.
Nesse dia, de acordo com os relatos, os agentes voltaram a pedir documentos e a fazer perguntas sobre o que havia acontecido e o que o grupo fazia ali.
Um tio de Moïse afirmou que se considerou intimidado pelos policiais.
“O policial fardado com arma, pedindo seu documento com aquele tom de voz, daquele jeito da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Eu sou negro, já passei por batida policial quando tava com uniforme de serviço indo trabalhar, aí você não está uniformizado, começam a te perguntar… Quem não fica intimidado?”, disse ele.
Procurada na tarde da quarta (2) para comentar a situação, a Polícia Militar afirmou que “todas as questões pertinentes ao caso estão sendo investigadas pela Delegacia de Homicídios da Capital”.
A família conta que foi avisada da morte do congolês por um colega que estava bebendo com ele na praia mais cedo naquele dia. Esse jovem, com quem a Comissão de Direitos Humanos da OAB está em contato, é menor de idade e até agora não prestou depoimento por medo.
Já o funcionário do quiosque Tropicália, que foi filmado discutindo com o congolês antes das agressões, afirma que ele queria pegar cervejas do freezer. Quando a família conversou com esse funcionário no dia seguinte à morte, ele disse que Moïse estava bêbado e incomodando outras mesas.
PM apontado como patrão é intimado
Apesar de a Justiça do Rio de Janeiro ter decretado a prisão temporária dos três homens que aparecem no vídeo, o inquérito continua em aberto na Polícia Civil. O principal objetivo agora é apurar a motivação do crime.
Entre os depoimentos previstos, está o do policial militar Alauir Mattos de Faria. Ele é apontado por dois dos agressores do congolês como dono do quiosque Biruta — onde Moïse trabalhava — e da Barraca do Juninho, estabelecimentos vizinhos ao quiosque Tropicália, onde o rapaz foi morto.
Segundo a concessionária que administra a orla do Rio de Janeiro, o policial não possui autorização para administrar o quiosque e ele ocupa o local de forma irregular.
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