Relatório apresentado na sexta-feira aponta ainda ingerência do Partido Novo e do governador nas decisões administrativas para criar condições de privatizar a estatal de energia mineira
Na última sexta-feira (18), a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) criada pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) para investigar possíveis irregularidades na gestão da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) aprovou seu relatório final.
O documento, com 315 páginas, recomenda ao Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) a apresentação de denúncia e indiciamento contra 16 pessoas e a abertura de ações de improbidade administrativa que abrangem também sociedades empresariais ou advocatícias.
O relatório do deputado Sávio Souza Cruz (MDB), aprovado por unanimidade com uma emenda de autoria coletiva, representa a conclusão de mais de oito meses de investigações.
Entre os objetivos dos trabalhos estavam os de apurar a estratégia de desidratação da estatal para privatizá-la e denúncias de ingerência do Partido Novo, do governador, em decisões administrativas.
A CPI cita no documento aprovado as supostas práticas de peculato, contratação direta ilegal, improbidade administrativa e corrupção passiva. Os ilícitos relacionados diferem entre os citados, mas a contratação direta ilegal foi comum a todos aos quais a comissão sugere a apresentação de denúncia. Grande parte das pessoas físicas citadas é da alta cúpula da estatal, entre elas seu presidente, Reynaldo Passanezi Filho.
Também foi citado no relatório o empresário Evandro Negrão de Lima Júnior, que é vice-presidente do diretório estadual do Partido Novo e, conforme apurado pela CPI, sócio do marido de uma diretora da Cemig em uma empresa de geração de energia que teria negócios com a estatal.
Por esse envolvimento suspeito nas decisões da Cemig, a CPI sugeriu ao MPMG a apuração de eventuais irregularidades cometidas por Evandro Lima, que não tem cargo nem na empresa nem no Poder Executivo. Esta é uma das alterações promovidas pela emenda incorporada ao relatório, de autoria dos deputados Cássio Soares (PSD), Professor Cleiton (PSB), Hely Tarqüínio (PV), Zé Guilherme (PP) e Zé Reis (PSD) e da deputada Beatriz Cerqueira (PT).
O diretor jurídico da Cemig, Eduardo Soares, um personagem recorrente nas investigações da CPI, também consta das recomendações do relatório. A comissão pediu ao MPMG que seja apresentada denúncia contra ele por suposta prática do crime de corrupção passiva, além de contratação direta ilegal e improbidade administrativa.
Outro membro da alta cúpula da estatal, o diretor-adjunto de Gestão de Pessoas, Hudson Felix Almeida, foi citado no relatório final da CPI por supostamente ter cometido os crimes de contratação direta ilegal, peculato e improbidade administrativa. Tanto Eduardo e Hudson quanto o superior imediato dos dois, o presidente da Cemig, e ainda o dirigente do Partido Novo, Evandro Lima, estiveram entre as testemunhas interrogadas ao longo das investigações.
A partir de agora, o relatório final da CPI será encaminhado à Mesa da Assembleia para publicação e a todos os órgãos citados aos quais foram feitas recomendações, para as devidas providências. O principal desses órgãos é o próprio Ministério Público, que, baseado nas informações apontadas pelo documento, pode decidir inclusive pelo desdobramento das investigações em outras instâncias.
SUCATEAMENTO DA CEMIG
No texto que conclui as investigações, o deputado estadual Sávio Souza Cruz (MDB) disse que a venda de subsidiárias da energética ocorreu como “preparação” para a negociação da empresa.
Durante as investigações, iniciadas em meados do ano passado, componentes da Assembleia Legislativa se debruçaram pela operação, feita em janeiro do ano passado, para a venda da fatia da Cemig na Light, empresa que controla o fornecimento de luz no Rio de Janeiro. À época, a negociação rendeu R$ 1,37 bilhão por 22,6% das ações.
Em 2019, a empresa mineira vendeu, por R$ 1, a fatia que controlava via, Light, na Renova, especializada em energias renováveis. Segundo Sávio Souza Cruz, cada ação da Cemig na Light foi vendida por R$ 20, embora poucos meses antes estivessem cotadas em R$ 24.
“A venda do restante da participação na Light se deu no auge da pandemia, em meio a um dos piores momentos de retração econômica vivida pelo País. Qual o sentido dessas operações? No entender da CPI, todos os elementos probatórios levam a um mesmo caminho: a preparação – sem autorização do Poder Legislativo e do referendo popular – para a privatização da Cemig”, lê-se em trecho do relatório do parlamentar.
O referendo popular e a autorização legislativa citada por ele são etapas previstas na lei para a venda da Cemig. Primeiro, seria necessário obter apoio de ao menos 46 dos 77 dos deputados estaduais para, posteriormente, convocar os mineiros às urnas.
Negociar empresas públicas é desejo de Romeu Zema, que tenta emplacar projeto para alienar ações do governo na Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig), responsável por explorar nióbio em Araxá.
O texto de Sávio Souza Cruz pede o indiciamento de 16 dirigentes da Cemig – entre eles, Reynaldo Passanezi Filho. O dossiê vai à votação amanhã e, se aprovado pela maioria dos componentes da CPI, seguirá a órgãos como o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), o Tribunal de Justiça estadual (TJMG) e a Agência Nacional de Energia Elétrica.
“O índice de insatisfação dos consumidores bateu recordes. Todas essas irregularidades comprovam a estratégia silenciosa do atual governo de “sucatear para privatizar”, isto é, há um claro objetivo de quebra da empresa para convencer a opinião pública a apoiar a sua venda”, escreveu.
O relatório da CPI trouxe, ainda, elementos sobre possível ingerência do Novo, partido de Zema, na gestão da estatal. Em outubro último, o ex-presidente da Cemig, Cledorvino Belini, afirmou que, em 2019, quando detinha assento no conselho de administração da Light, se absteve de votar sobre a operação de venda da Renova por discordar dos termos da negociação.
Segundo Sávio Souza Cruz, o testemunho de Belini “corrobora a ingerência indevida de dirigentes do Partido Novo que aparelharam a Cemig”.
“Em todas as operações investigadas, evidencia-se que na atual administração estadual, negócios e política se misturaram na empresa com prejuízos aos cofres públicos, como na realização de licitações suspeitas ou, pior, na celebração de contratos sem qualquer concorrência, alguns deles sem nem mesmo a prévia instauração de processos de inexigibilidade de licitação”, pontuou.
Por fim, ao final da reunião, os deputados que são membros efetivos da CPI da Cemig se revezaram em pronunciamentos avaliando a conclusão das investigações. “A comissão cumpriu sua missão de fiscalização, que é o que a população espera do Poder Legislativo”, destacou o presidente Cássio Soares.
Já o relator Sávio Souza Cruz elogiou o diálogo entre os membros da CPI, que permitiu a convergência de posições no relatório final, o que dá mais força às suas conclusões e recomendações. Essa opinião foi compartilhada por Hely Tarqüínio, que associou a busca pelo entendimento no relatório aprovado ao reconhecimento de que o mais importante é o bem-estar dos mineiros.
“A história vai colocar quem tentou ludibriar o povo mineiro no seu devido lugar. Por isso, neste momento, gostaria de agradecer a cada trabalhador da Cemig que acreditou no nosso trabalho. Essa CPI salvou a Cemig”, ressaltou o vice-presidente, Professor Cleiton.
Na mesma linha, Beatriz Cerqueira, que lembrou todas as recomendações feitas no relatório final, disse que a CPI interrompeu um projeto em curso de um grupo político de privatizar a Cemig a qualquer custo, sem autorização legislativa e da população.