Em tom de deboche, Bolsonaro mostra seu desprezo pela cultura e pelos artistas e afirma que recursos dos fundos do setor audiovisual serão para “acertar o final do agronegócio”
Jair Bolsonaro vetou na última terça-feira (5), a Lei Paulo Gustavo, que tinha previsão de destinar R$ 3,85 bilhões à cultura. A discussão voltou à tona no último sábado (9), quando Bolsonaro disse, em um vídeo publicado no Twitter, querer destinar o recurso ao agronegócio.
“Estamos precisando de três bilhões, mais ou menos, para a gente acertar o final do agronegócio”, disse Bolsonaro em uma igreja em São Miguel Arcanjo, durante sua caravana pelo Paraná. Em tom de deboche Bolsonaro criticou também a Lei Rouanet, ironizando projetos culturais e gestões anteriores.
Da mesma forma, em tom jocoso, Bolsonaro também criticou o atual governador da Bahia, Rui Costa (PT), sobre o destino da Lei Rouanet. “O Rui Costa vai aplicar em que na Cultura na Bahia? Com aqueles figurões que ficaram de fora da Lei Rouanet”, completou.
O projeto de lei, de autoria do senador Paulo Rocha (PT-PA), também indicava o repasse de R$ 2,79 bi do orçamento para o audiovisual. Já o restante R$ 1,06 bi seria utilizado para ações emergenciais no setor cultural. O valor seria custeado pelo Fundo Nacional de Cultura, do Orçamento da União, além de outras fontes que não foram detalhadas no texto.
Em nota, o governo justificou que a proposta “enfraqueceria as regras de controle, eficiência, gestão e transparência”. A proposta foi aprovada pelo Senado em 15 de março e enviada para sanção presidencial.
Na época, o ex-secretário especial da Cultura e atual candidato a deputado federal Mário Frias, disse em suas redes sociais que o projeto era inconstitucional. “É um absurdo. A manobra feita é completamente inconstitucional”.
O texto também altera a Lei de Responsabilidade Fiscal e isso permite que os entes federativos excluam os recursos recebidos da meta de resultado primário. Este ponto também foi contestado pelo governo. No Diário Oficial da União, o despacho menciona que o Ministério da Economia, o Ministério do Turismo e o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos foram consultados sobre o proposta e “manifestaram-se pelo veto ao Projeto de Lei Complementar”.
A Secretaria Geral da Presidência ainda defendeu que o projeto poderia comprometer despesas discricionárias em outras áreas, como saúde, educação e investimentos públicos. E estas pastas, segundo a secretaria, “se encontram em níveis criticamente baixos”.
As proposições defendidas pela proposta podem ser comparadas à Lei Aldir Blanc, criada durante a pandemia para assegurar a renda emergencial de profissionais do setor da cultura. Ambas focaram na subdivisão dos recursos para estados e municípios.
ORIGEM DOS RECURSOS
No entanto, a fala de Bolsonaro e os argumentos do governo são demagogos, tendo em vista que a justificativa para barrar a lei indica desrespeito pela legislação brasileira e aponta mal uso de verbas públicas pelo governo federal.
Da verba prevista na Lei Paulo Gustavo, R$ 2,79 bilhões seriam voltados à área audiovisual, extraídos basicamente do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), que têm sido liberados a conta-gotas após ficar mais de um ano paralisado no governo Bolsonaro.
Os valores do FSA são obtidos por meio de uma taxa específica, a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (CONDECINE), cobrada dos setores de telecomunicação e audiovisual com destinação apontada em Lei.
A Lei Nº 11.437, de 28 de dezembro de 2006, reforçava que o total dos recursos arrecadados pela CONDECINE, criado pela Medida Provisória nº 2.228-1, de 6 de setembro de 2001, seria integralmente alocado em categoria de programação específica, denominada Fundo Setorial do Audiovisual, e utilizado no financiamento de programas e projetos voltados para o desenvolvimento das atividades audiovisuais.
O restante da verba da Lei Paulo Gustavo viria do Fundo Nacional de Cultura (FNC). Assim como o FSA, este fundo também tem aplicação específica e mesmo quando não utilizado deveria permanecer legalmente vinculado a uso cultural. Como Bolsonaro paralisa a liberação de verbas, ambos os fundos têm grande valor acumulado para uso.
O superávit destes valores foram liberados pela PEC Emergencial de março de 2021 para pagar a dívida pública até o fim de 2023.
Isso liberaria o dinheiro da Cultura para Bolsonaro usar exclusivamente para quitar dívidas existentes. Entretanto, Bolsonaro está propondo fazer novas dívidas, não culturais, com o montante.
O fomento cultural é responsável por centenas de milhares de empregos no Brasil, movimenta a economia e faz crescer a influência do país no mercado internacional.
A LEI
Com homenagem ao humorista Paulo Gustavo, morto em maio de 2021, vítima da covid-19, a proposta ainda passou por alterações na Câmara dos Deputados e foi revisada pelo Senado em duas ocasiões. Na assembleia, o relator aceitou pedido para excluir um trecho que previa estímulos à participação e o protagonismo de pessoas do “segmento LGBTQIA+”.
A iniciativa da Lei Paulo Gustavo foi do próprio poder legislativo, o que deve favorecer a derrubada do veto.
Após a eventual aprovação, a União terá de enviar o dinheiro que represou do FNC e FSA aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios para que sejam aplicados em iniciativas culturais, livrando os fundos das “limitações de despesas”, evocadas para justificar o travamento dos recursos por parte do governo.
MENTIRAS
No evento em que Bolsonaro realizou a afirmação, ele afirmou que o Brasil e o mundo passam por momentos difíceis, com a pandemia, com uma guerra, com uma crise pela falta de água, seca e geada também.
“Mas estamos vencendo estes obstáculos, o Brasil é um dos países que melhor tem controlado a sua economia. É o trabalho de vocês que leva o Brasil para frente. E o governo, por sua parte, não atrapalha quem quer produzir”, disse.
Bolsonaro afirmou ainda “que o tempo de outrora, de corrupção e desmando, acabou”.
Ao se dirigir aos produtores rurais, listou algumas medidas do governo tomadas para ajudar o setor.
“Primeiro, reduzimos drasticamente a ‘multagem’ no campo, a multa deixou de ser uma indústria e deixou de ser aplicada como um projeto de poder. Retiramos o dinheiro de ONGs que abasteciam o MST. Também passamos a titular os assentados, que passaram a ter o título (definitivo de posse) de suas terras. Conseguimos que o homem de bem e a mulher de bem possam cada vez mais se armar, porque o povo armado jamais será escravizado”, afirmou.