“Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do [pastor] Gilmar”, revelou em áudio o então ministro da Educação, Milton Ribeiro
O pastor Arilton Moura, um dos pastores sem cargo que atuavam no Ministério da Educação (MEC) pedindo propina, esteve 90 vezes na sede do órgão desde o início do governo de Jair Bolsonaro.
Segundo o ex-ministro da Educação, Milton Ribeiro, os pastores eram privilegiados com verbas do MEC para os municípios a “pedido especial” de Bolsonaro.
O pastor Gilmar Silva dos Santos, investigado pela mesma prática, esteve 13 vezes no Ministério no mesmo período.
Com Milton Ribeiro, os dois pastores passaram a ter acesso liberado à entrada privativa da pasta, reservada às principais autoridades.
O acesso a essa área restrita continuou mesmo após Milton Ribeiro ter feito uma denúncia à Controladoria-Geral da União (CGU) sobre a atuação dos dois pastores. Além disso, a maioria dos encontros não tem correspondência nas agendas de Ribeiro e dos demais dirigentes do Ministério.
Os dados foram divulgados pelo MEC, através da Lei de Acesso à Informação (LAI), a pedido do jornal O Globo. São dos registros da entrada principal do Ministério e da portaria privativa. Dos 90 registros de entrada de Arilton, 47 ocorreram na segunda categoria. No caso de Gilmar, foram sete entre 13.
Apesar de Arilton frequentar o Ministério desde agosto de 2019, foi somente um ano depois que ele passou a entrar pela portaria privativa, em agosto de 2020. A mudança coincide com a chegada de Milton Ribeiro, que assumiu a pasta no mês anterior, em julho.
O pastor indicou na portaria 38 vezes que seu destino seria o gabinete do ministro. Em somente seis dessas datas há registros da presença dele na agenda de Ribeiro.
Gilmar começou a visitar o MEC depois: seu primeiro registro de entrada ocorreu em dezembro de 2020. Depois de cinco visitas no primeiro semestre de 2021, a partir de outubro ele passou a utilizar a portaria privativa. Desde então, ele indicou setes vezes que iria ao gabinete do ministro, sendo que apenas uma delas constou na agenda de Ribeiro.
Os dois pastores também frequentavam o Palácio do Planalto. Arilton esteve 35 vezes na sede da Presidência desde o início do governo Bolsonaro, enquanto Gilmar visitou o local em outras dez oportunidades no mesmo período.
Gilmar é presidente da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus no Brasil, e Arilton é assessor de Assuntos Políticos da organização.
ESCÂNDALO
O escândalo começou com o vazamento de um áudio com a fala do então ministro Milton Ribeiro revelando que os pastores eram favorecidos por um “pedido especial” de Bolsonaro. “Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do [pastor] Gilmar”, diz o ministro na reunião com prefeitos, que ocorreu dentro da pasta. Ribeiro tentou negar a atuação ilegal dos pastores, mas, logo em seguida, surgiram as denúncias dos prefeitos sobre os pedidos de propina. O ministro caiu logo depois disso.
Segundo relatos de prefeitos, os pastores pediam propina até em barra de ouro para liberar verbas do Ministério para as prefeituras. Quem não pagava, ficava sem os recursos do MEC.
Segundo os prefeitos, eram eles que mandavam nas verbas. Três prefeitos denunciaram formalmente a cobrança de propina pelos dois pastores.
Dez prefeitos relataram a presença dos pastores nas reuniões para definir a liberação das verbas do FNDE.
O prefeito de Luís Domingues (MA), Gilberto Braga, contou que Arilton pediu R$ 15 mil para que a demanda fosse registrada no Ministério da Educação e um quilo de ouro, que vale mais de R$ 300 mil, para que a verba fosse destinada para sua cidade. “Ele [Arilton] disse que tinha que ver a nossa demanda, de R$ 10 milhões ou mais, tinha que dar R$ 15 mil para ele só protocolar [a demanda no MEC]. E, na hora que o dinheiro já estivesse empenhado, era para dar um tanto, X. Para mim, como a minha região era área de mineração, ele pediu 1 quilo de ouro”.
O prefeito de Bonfinópolis (GO), Kelton Pinheiro, relatou que o pastor Arilton disse que faria um “desconto” na propina. “(Arilton) falou: ‘vou lhe fazer por R$ 15 mil porque você foi indicado pelo pastor Gilmar, que é meu amigo. Pros outros aqui, o que eu estou cobrando aqui é R$ 30 mil’”, disse.
Kelton Pinheiro contou ao Estadão que Arilton Moura também propôs ainda uma contribuição para a igreja. “Se você quiser contribuir com a minha igreja, que eu estou construindo, faz uma oferta para mim, uma oferta para a igreja. Você vai comprar mil bíblias, no valor de R$ 50, e você vai distribuir essas bíblias lá na sua cidade. Esse recurso eu quero usar para a construção da igreja”, disse o pastor, segundo o prefeito. “Fazendo isso, você vai me ajudar também a conseguir um recurso para você no Ministério.”
Kelton prosseguiu: “ele sentou do meu lado, em um dos lados da mesa e falou: ‘olha prefeito, eu vou ser direto com você. Tem lá um recurso para liberar com ministro, mas eu preciso de R$15 mil hoje’”, afirmou Arilton Moura, segundo o prefeito. “O discurso dele que ainda me deixou mais chateado foi: ‘eu preciso desse pagamento hoje, porque vocês políticos não têm palavra, vocês não cumprem com o que prometem. Depois eu coloco o recurso para você lá e você nem me paga’”.
A atuação dos dois está sendo investigada pela Polícia Federal (PF). O caso levou Ribeiro a pedir demissão do governo, no mês passado.
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