Por ordem da cúpula da PF ligada ao Planalto, Bruno Calandrini deixa a investigação sobre interferência que favoreceu Milton Ribeiro, agora redistribuída para a Corregedoria-Geral da corporação
A operação Acesso Pago, da PF (Polícia Federal), ganhou novos contornos, a partir da sexta-feira (30), com a redistribuição da apuração para a Corregedoria-Geral da corporação, que investiga indícios de interferência na execução da apuração.
A ação aberta em junho prendeu o ex-ministro da Educação, Milton Ribeiro, e os pastores evangélicos Gilmar Santos e Arilton Moura, apontados como lobistas no MEC (Ministério da Educação).
O escândalo foi revelado pelo Estadão e ficou conhecido como “gabinete paralelo”.
DELEGADO VIROU “PARTE” NA INVESTIGAÇÃO
A decisão impõe a saída do delegado Bruno Calandrini do inquérito sobre a interferência que teria favorecido o ex-ministro. A alegação é que ele virou “parte” na investigação e, portanto, não pode continuar conduzindo as apurações.
Calandrini seguirá responsável pelo inquérito do “gabinete paralelo”. A decisão afeta apenas a investigação sobre a interferência na Operação Acesso Pago.
A Corregedoria da PF tem a prerrogativa de solicitar os inquéritos em curso para análise e, eventualmente, pode pedir a troca dos delegados responsáveis. O caso está agora com a Coordenação de Assuntos Internos da Corregedoria-Geral da PF, unidade central responsável por apurações que envolvem servidores.
O caso começou a causar desconforto na cúpula da Polícia Federal, ligada ao Planalto, quando Calandrini passou reclamar dos colegas de São Paulo. O delegado acusou a superintendência da PF de tratar Milton Ribeiro com privilégios e de atrasar deliberadamente a transferência do ex-ministro para Brasília por “ordens superiores”.
NA HORA H
O ex-ministro acabou conseguindo habeas corpus e foi solto antes de ser interrogado presencialmente pelo delegado. A Polícia Federal em São Paulo disse que não conseguiu fazer o translado a tempo por questões logísticas, mas afirma que o depoimento poderia ter sido prestado remotamente.
Após o episódio, Calandrini intimou a cúpula da PF a prestar esclarecimentos sobre o caso e chegou a pedir a prisão dos colegas. O comportamento é visto com reservas internamente. Delegados experientes veem quebra de hierarquia e apostam que ele pode receber punição disciplinar.
A crise chegou até o STF (Supremo Tribunal Federal). O delegado Leopoldo Soares Lacerda, que comanda a Coordenadoria de Inquéritos nos Tribunais Superiores, setor responsável por investigar autoridades com direito a foro, disse que é vítima de “injusta e ilegal coação”. Também afirmou que Calandrini abusou da autoridade e vem conduzindo a investigação sobre o gabinete paralelo com “parcialidade” e “interesse pessoal”.
CALANDRINI CONFRONTA COLEGAS
Lacerda foi um dos intimados por Calandrini e pediu habeas corpus para faltar ao depoimento. O salvo-conduto foi negado pela ministra Cármen Lúcia sob o argumento de que o tribunal não autorizou os interrogatórios e de que não havia registro de apuração contra a cúpula da Polícia Federal no STF.
Fontes da PF ouvidas reservadamente pelo Estadão avaliam que Calandrini estaria tocando investigação paralela, porque os autos não estavam tombados nem mesmo no STF.
Após a decisão de Cármen Lúcia, o caso foi transferido para a primeira instância da Justiça Federal com a justificativa de que os investigados não têm direito a foro por prerrogativa de função.
O CASO
Como Calandrini bateu de frente com a cúpula da PF e não abriu mão de investigar o esquemão montado no MEC para desviar recursos públicos, sob o beneplácito do então ministro Milton Ribeiro, com anuência do presidente Jair Bolsonaro (PL), ele entrou em rota de colisão com o chefe do Executivo.
Caiu em desgraça. No final de junho, a PF emitiu nota pública em que afirmara que o delegado seria transferido de setor. A movimentação estava prevista para julho. A PF afirmara que a transferência foi formalizada a pedido do próprio delegado. O que parece não corresponder à verdade dos fatos.
Leia a íntegra da nota pública divulgada dia 28 de junho:
“Após tratativas iniciadas ainda no mês de maio do corrente ano, no dia 15/6/2022 houve a movimentação formal do DPF Calandrini para a DRCC/CGFAZ/DICOR/PF, onde irá coordenar a Unidade Especial de Investigação de Crimes Cibernéticos – UEICC presidindo trabalhos investigativos sensíveis daquela unidade.
O próprio servidor manifestou interesse (ainda no mês de maio) em ser movimentado para a nova unidade, para onde irá apenas no mês de julho, permanecendo na presidência da Op. Acesso Pago (IPL do MEC) e outros inquéritos da CINQ/CGRCR/DICOR/PF.
Concomitantemente, foi procedida a movimentação de outro DPF para repor a saída do DPF Bruno Calandrini da CINQ.”
M. V.