Os atos de perseguição, violência e intimidação contra padres e fiéis da Igreja Católica por parte de apoiadores do candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), têm se espalhado – e se intensificado – por todo o país na campanha eleitoral deste ano. A onda de ódio não poupa paróquias, padres e fiéis, alvos constantes das agressões.
Sacerdotes e fiéis da Paróquia Nossa Senhora do Desterro, em Campo Grande, na Zona Oeste do Rio, denunciam que estão sofrendo ameaças e intimidações desde que afirmaram que manteriam postura neutra em questões políticas, conforme recomendação da Arquidiocese do Rio de Janeiro.
Nesta quinta-feira (27), o último ato público da campanha de Bolsonaro levou à suspensão de missas, além de provocar o confinamento de três religiosos católicos da congregação na residência da paróquia.
O evento aconteceu em frente à igreja e o palanque foi montado na praça em frente à igreja. Dias antes, na segunda-feira (24), organizadores do ato começaram a remover o gradil que cerca a construção e a uma praça do entorno sem comunicar a prefeitura. Eles também cortaram árvores do local.
Mas as ameaças começaram no sábado, quando os clérigos que respondem pela paróquia, se recusaram a ceder o estacionamento e o salão da igreja para que fosse instalada uma base de apoio para o comício do presidente e candidato à reeleição. Já na tarde desta quinta-feira, a página da paróquia no Facebook foi invadida e a foto de capa foi trocada por uma imagem de Bolsonaro num comício.
As hostilidades se intensificaram na tarde de domingo (23), após a missa dominical, conforme denúncia do diácono Vitor Henrique, por meio das suas redes sociais.
“É um absurdo […] Por isso fechamos a Igreja e ficamos sem missa. Queriam entrar. A gente aqui está sendo assediado, ligam sem parar, mandam mensagens, dizendo que estão de olho em nós. Não sabemos se podemos sair de casa. Lamentável isso”, desabafou o religioso.
“Agora estão aí na porta, pessoas, carros”, concluiu o pároco ao se referir a cobranças que não competem à administração da paróquia, como deliberar sobre o uso da praça e autorizar o uso de imagens e espaços da igreja, como queriam os bolsonaristas. Outro pároco da igreja, o padre João Lucas, também já havia explicado essa mesma questão por meio de suas redes.
De acordo com o religioso, por conta do assédio os padres resolveram fechar a igreja já na segunda-feira, 24. Ele lamentou que as ameaças tenham privado a comunidade das tradicionais celebrações litúrgicas durante a semana, além do café que é servido à população carente.
“Temos missas semanais, ao menos duas por dia, exceto às segundas-feiras. O fechamento foi por decisão do pároco, motivada pelo medo de vandalismo e represálias que possam atingir também paroquianos”, informou ao Extra Classe um frequentador da igreja sob a condição de anonimato por medo das milícias.
“Aqui é terra dominada pela milícia e por isso quem está falando pede para não ser identificado”, justificou.
A região é controlada por duas facções que também exerceram pressão sobre os religiosos e que demonstra simpatia pela candidatura de Bolsonaro. Nem funcionários da paróquia escaparam do assédio de apoiadores do candidato.
Outro fiel disse ao portal G1, que no sábado (22) eles foram procurados por um deputado da região recém-eleito e seu segurança para participarem do ato, mas negaram para manter a neutralidade política.
“No sábado, eles vieram tentar falar com o padre, mas ele não estava. Ao serem informados, acharam que estávamos mentindo, e o segurança começou a dizer coisas como: ‘É para o presidente’, ‘o presidente vai saber’”, contou o membro da paróquia.
Os religiosos, dois padres e um diácono, depois de dias abrigados na casa paroquial sob ameaças via telefonemas e mensagens de WhatsApp foram transferidos para outra residência da congregação, no bairro da Tijuca. O expediente interno da paróquia está cancelado desde quarta-feira, 26, e os funcionários foram dispensados.
Além de protocolar uma denúncia no Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), a comunidade católica lançou uma carta que já tem mais de 2 mil assinaturas, dirigida ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e “a todas as pessoas de bom coração”.
O texto, que relata as ameaças e as hostilidades contra os clérigos, afirma também que está acontecendo “uma difamação à nossa igreja matriz e um completo desrespeito aos nossos princípios doutrinais”. O documento encerra com a frase: “Igreja não é palanque”.
A Prefeitura do Rio confirmou que partes da grade que circundam a Praça Dom João Esberard, da Paróquia Nossa Senhora do Desterro, em Campo Grande, foram retiradas. Acrescentou que não tomou conhecimento e nem autorização, o que é necessário, a retirada das partes, o que pode configurar dano ao patrimônio municipal, na forma do artigo 163 do Código Penal.
Disse ainda que vai comunicar o fato às autoridades policiais para que sejam apuradas as devidas responsabilidades.