“O país não pode ter uma taxa de investimento tão baixa, insuficiente para repor sequer os investimentos já realizados. Temos que ampliar os investimentos para a sustentabilidade clara do crescimento a médio e longo prazos”, defende Antonio Corrêa Lacerda, presidente do Cofecon
O presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon), Antonio Corrêa de Lacerda, afirmou nesta quarta-feira (30) que o teto de gasto “sucumbiu há tempos”, em entrevista ao jornal Valor Econômico. Para o economista, o governo eleito, juntamente com o novo Congresso, terá que discutir uma nova regra fiscal. “É preciso sair das armadilhas presentes na Emenda Constitucional 95”, alertou.
“A PEC da Transição coloca às claras uma questão que tem sido recorrente no Brasil. Desde 2019 não se cumpre o teto de gastos. Ao longo de quatro anos, o gasto fora do teto foi da ordem de R$ 795 bilhões. É curioso que cause tanta celeuma quando a PEC da Transição pede espaço próximo a R$ 200 bilhões. Minha visão é que a PEC é absolutamente necessária, tendo em vista a falência do modelo da Emenda Constitucional 95 [teto dos gastos]. Fui crítico já em 2016. Era um descalabro definir uma regra fiscal que congelava os gastos públicos por 20 anos, sem levar em conta os ciclos econômicos, o papel do Estado durante crises e calamidades, o crescimento populacional”, declarou. “Na verdade, o modelo fiscal vigente já sucumbiu há tempos”, afirmou o integrante da equipe do governo de transição, no Comitê de de Planejamento, Orçamento e Gestão.
O economista destacou os desafios que o governo Lula enfrentará a partir de 1° de janeiro de 2013. “O primeiro desafio é tirar o país do mapa da fome. Um país entre os dez maiores Produto Interno Bruto do mundo não pode ter 33 milhões de pessoas passando fome nem metade da população em situação de insegurança alimentar. Não pode ter um quarto da sua população economicamente ativa [24 milhões de pessoas] fora do mercado de trabalho, considerando desempregados, desalentados e subocupados. O Brasil não pode prescindir de uma indústria inovadora, que gere valor agregado, nem continuar semiestagnado, sem ampliar seu PIB per capita. E o país não pode ter uma taxa de investimento tão baixa, insuficiente para repor sequer os investimentos já realizados. Temos que ampliar os investimentos para a sustentabilidade clara do crescimento a médio e longo prazos” declarou.
Diante desses desafios, Lacerda destacou como importantíssima a discussão que o governo já escalou para o início do ano que vem de mudar a regra fiscal vigente. “Minha opinião pessoal é que é preciso sair das armadilhas presentes na Emenda Constitucional 95. Quais são elas? O limite à capacidade de atuação do Estado, como em situações de calamidade ou quando é necessária uma política contracíclica. A emenda também não atende às necessidades demandadas pelo crescimento populacional, ainda mais em um país com as nossas desigualdades. E além de tudo tem comprimido os investimentos. O novo arcabouço fiscal não pode replicar essas restrições do teto fiscal. A partir daí, há várias configurações fiscais a serem debatidas. Lembro que, nos dois mandatos do governo Lula, a única regra fiscal foi a geração de superávit primário [resultado sem incluir despesas com juros], não havia teto de gastos. E funcionou bem. Digo isso porque não é obrigação ter teto fiscal, é algo aberto, em discussão. Todos os países têm princípios fiscais. E isso não impede que eles sejam deficitários e endividados. Isso quer dizer que pode gastar à vontade? Não. Mas é que as funções de Estado não cabem no equilíbrio fiscal de curto prazo. E é preciso perseguir a sustentabilidade fiscal de médio e longo prazos”.
Corrêa de Lacerda divulgou também que o Comitê de Planejamento, Orçamento e Gestão deve entregar hoje à coordenação da equipe de transição o primeiro diagnóstico sobre as discussões realizadas nos últimos dias para uma nova organização dos ministérios da área de economia. O professor da PUC-SP afirmou que o principal desafio do comitê é no curto prazo. “Repensar o Ministério do Planejamento. Está claro que há uma outra visão sobre o papel do Estado em relação ao governo atual. O setor privado tem papel importante, mas há funções do Estado que são imprescindíveis, como de coordenação, de planejamento, de ação, de supervisão. O Planejamento inserido nessa visão”, disse.
Lacerda também afirmou que “ existe uma certa ansiedade sobre um nome da Economia. Mas não haverá nome. Essa é minha visão. O governo atual não apresentou programa econômico e ainda denominou o que chamou de ‘posto de combustível’ – referência ao atual ministro da Economia, Paulo Guedes, que era chamado por Jair Bolsonaro de ‘Posto Ipiranga’ – concentrou todas as funções dos antigos ministérios [Fazenda, Planejamento, Indústria e Comércio], num único ministério. Isso num primeiro momento pode animar alguns adeptos do Estado mínimo, mas não funciona. O Ministério perdeu interlocução com os agentes econômicos, os empresários, os trabalhadores, os empreendedores, os consumidores, com a sociedade. Isso porque não funciona acumular tantas funções. Não é tarefa de uma pessoa. Minha visão é que não haverá ‘um posto de combustível’. Primeiro porque a política econômica não será do nomeado, é do governo” , defendeu.
“E ela [a política econômica] está muito clara, embora se diga que falta plano. O plano do governo foi amplamente debatido e elaborado, no que se refere a suas diretrizes gerais. Não haverá um ministro da Economia, mas sim ministérios integrados. Além dos três que eu citei – Fazenda, Planejamento e Indústria e Comércio -, você tem outros ministérios que dialogam com eles: os ministérios de Ciência e Tecnologia, de Meio Ambiente e o de Infraestrutura. Esses três últimos dialogam com os três primeiros no sentido de um programa econômico pró-desenvolvimento. Assim como não é possível replicar o passado, porque os desafios são novos, nós temos que repensar a estrutura dos ministérios da área econômica para atender aos objetivos de desenvolvimento e da reindustrialização do país. Pensar em rearticular a estrutura do Ministério do Planejamento para dialogar com os demais ministérios e fazer frente ao desafio de colocar o país de novo na rota do crescimento”, afirmou.
Lacerda enfatizou, ainda, que a “visão predominante desde 2016, com algumas variantes, é de que a função do Ministério da Economia é resgatar o que chamam de ‘confiança’ e o setor privado se incumbe do resto. Na nossa visão isso não basta. Embora o setor privado seja importante, sem uma articulação do Estado não resolve sozinho. É preciso uma combinação de ações do Estado, por meio de investimentos, Parcerias Público-Privadas (PPPs) e políticas públicas para fomentar a reindustrialização, os investimentos e as atividades que dão sustentação ao crescimento. É um modelo que prevê uma atuação mais forte do Estado”.
“O Estado terá um papel articulador, coordenador e planejador, a exemplo das boas práticas internacionais. Estados Unidos, Alemanha, Coreia do Sul e China. Cada um desses países tem sua estrutura. Mas o que têm em comum é uma atuação do Estado junto com a iniciativa privada em prol de atender aos desafios que são impostos”, enfatizou.