Em entrevista à Revista Fapesp, ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação defendeu a reestruturação do Plano de Apoio ao Desenvolvimento da Indústria de Semicondutores – PADIS
A ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, concedeu entrevista à Revista Pesquisa Fapesp e apontou as prioridades da pasta nesta nova gestão. Com pouco mais de 30 dias à frente do Ministério, Luciana já anunciou a conquista de uma das bandeiras mais urgentes dos cientistas brasileiros, o reajuste das bolsas de pesquisadores.
Entre os projetos e desafios da pasta, a ministra defende a necessidade do Brasil produzir chips de alta complexidade e cita o Padis, um plano de apoio ao desenvolvimento da indústria de semicondutores, como uma experiência que pode viabilizar a ideia.
“Nós ainda não temos o domínio tecnológico dos chips de alta complexidade, mas há condições de desenvolver competências no país. A experiência do Ceitec (Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada) revelou isso. Chegamos a ocupar quase metade do mercado nacional de chips veiculares”, justificou.
Para financiar os projetos – e ampliar a participação das empresas na soma de recursos, a ministra acredita que um dos caminhos seria os incentivos fiscais, a partir do Padis. “Um histórico de estímulo a algumas cadeias produtivas tem sido de isenção. Você retira alguns impostos e as empresas investem em inovação, como na área dos semicondutores. Em alguns setores mais dinâmicos, devemos estimular ações de compartilhamento”, defende Luciana.
“A lógica tem sido de isenção, mas creio que, em alguns setores mais dinâmicos, devemos estimular ações de compartilhamento. Precisamos promover a participação das empresas na inovação. A demonstração disso pode ser vista na mobilização para preservar o FNDCT. A lei de contingenciamento zero só existiu porque a indústria se engajou. Parcelas significativas do setor produtivo têm convicção desse caminho”, analisou.
CBERS
Na mesma entrevista, a ministra destaca ainda as parcerias que deverão ser realizadas para desenvolver o potencial do setor aeroespacial brasileiro como os CBERS, lançados em parceria com a China, e que constitui uma das pautas da agenda que o presidente Lula terá na viagem ao país asiático, prevista para 28 de março.
“Na aeroespacial, temos uma constelação de satélites, que são os CBERS, lançados em parceria com a China. Queremos desenvolver o CBERS-6. Essa é uma das agendas que o presidente terá na viagem à China”.
A ministra também falou sobre a capacidade brasileira na produção de vacinas, como as desenvolvidas contra a Covid e defendeu que o país atue também na produção de insumos.
“Temos o complexo industrial de saúde, que é bastante desafiador. Produzimos vacinas contra a Covid-19 no Butantan e na Fiocruz, mas não os insumos. Os eixos estratégicos precisam ser atualizados. Vamos realizar uma nova Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia com esse objetivo”, afirmou.
ORÇAMENTO
“Nós tivemos um apagão na ciência no governo anterior, que foi muito além da narrativa negacionista no enfrentamento da Covid-19. Houve uma redução drástica no financiamento. Os recursos discricionários do Ministério passaram de R$ 11 bilhões para R$ 2,7 bilhões, criticou Luciana. “O FNDCT, composto por recursos da iniciativa privada como contrapartida de isenções e que é uma grande solução que se deu há décadas no Brasil, foi contingenciado”, mencionou.
Ela ressaltou que uma iniciativa conjunta entre o setor privado por meio da MEI (Mobilização Empresarial pela Inovação) resultou na aprovação de uma lei que proibiu o contingenciamento em 2021.
“Mas aí veio uma MP, a de nº 1.136, para poder bloquear esse recurso de forma escalonada até 2026. A medida caducou e há um compromisso do governo de mandar um projeto de lei abrindo um crédito para resgatar essa parte contingenciada de R$ 4,2 bilhões, alcançando o total de R$ 9,9 bilhões de arrecadação prevista para o fundo. Estamos concentrados em ampliar o financiamento. E precisamos de novos arranjos”, explicou a ministra.
Luciana Santos informou que, em uma conversa com o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, defendeu a necessidade de cuidar da transição energética com investimentos em energias renováveis. “Temos uma herança muito positiva de usinas hidrelétricas, além de parques eólico e solar consideráveis. Precisamos ter a capacidade de produzir os insumos para as placas fotovoltaicas”, defendeu.
A grande promessa do momento é o hidrogênio verde, citou Luciana. De acordo com ela, esse e outros assuntos relacionados a alternativas energéticas foram discutidas com o presidente da estatal. A ideia é que o BNDES entre nesse pacote de investimentos. “Fora isso, temos a Lei do Bem e a Lei da Informática, que incluem investimentos da iniciativa privada”, explicou.
Para a ministra, é preciso criar uma situação em que, a cada R$ 1 que o Ministério investir, a Petrobras e o BNDES coloquem também R$ 1, “assim como as empresas do setor da cadeia produtiva, que vai se beneficiar do investimento em ciência”.
“Um dos eixos estratégicos da Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, realizada em 2010, foi como desenvolver inovação nas empresas. Estamos entre os 10 países que mais publicam papers, mas eles não se traduzem em inovação”, afirmou.
A ministra também explicou como pretende resgatar a experiência do Ceitec, atacada pelo Ministério da Economia no governo de Jair Bolsonaro, sob o argumento de que dava prejuízo. “O Ceitec não teve uma política de compras do Estado e isso precisa existir, pois faz muita diferença em qualquer cadeia produtiva. Veja o caso do petróleo e do gás: se a Petrobras compra navio brasileiro, há estaleiros nacionais. Se não compra, os estaleiros fecham”, esclareceu.
Luciana ressaltou a necessidade de uma política de compras para aumento dos investimentos de ciência e tecnologia e aquecimento da cadeia produtiva. “Foi equivocada a decisão de liquidar o Ceitec porque era deficitário. Países como a China e os Estados Unidos, que têm uma competição gigante em semicondutores, investem na casa de US$ 10 bilhões no segmento”.
Ela informou que foi criado um grupo de trabalho para discutir a viabilidade de médio e longo prazos do Ceitec, ação que representa um primeiro passo para atualizar a política de semicondutores, que está inserida na agenda de reindustrialização.
ESTRATÉGIA NACIONAL
Além das articulações no setor de gás e petróleo, outras iniciativas estão em andamento para repensar a política de ciência e tecnologia no país por meio do Plano Nacional de Ciência e Tecnologia – o último que teve no Brasil foi há 12 anos. “Uma estratégia nacional nessa área precisa buscar garantir soberania e autonomia para o país. É preciso diminuir a nossa dependência. A Covid-19 revelou o quanto isso é nefasto no mundo todo”, disse.
Segundo a ministra, a pasta definiu 13 áreas estratégicas para recompensar o “apagão da ciência” vivido na gestão anterior e alavancar o setor. […] Passam pelo fortalecimento de tecnologias que se chamam portadoras de futuro, mas na verdade são contemporâneas, como a biotecnologia, a nanotecnologia, a agenda das mudanças climáticas, a transição energética, a biodiversidade da Amazônia”. “Nós já temos uma boa inserção em muitas dessas áreas”, frisou.
“Nossas universidades reúnem o que há de excelência no ensino, na pesquisa, na extensão. Me parece que um vértice da questão (desinteresse dos jovens pela carreira científica) é uma ausência de um projeto nacional de desenvolvimento”, acrescentou.
“Se houver um projeto arrojado, baseado no uso da inteligência brasileira, as pessoas serão atraídas. É preciso emular, ostentar, mostrar o quanto a ciência é transformadora, o quanto isso é belo e revigorante, para que as pessoas tenham”, afirmou.
FUTURAS CIENTISTAS
Outra barreira que o MCTI vai enfrentar é a desigualdade de gênero na distribuição de bolsas para contribuir com o avanço na inclusão de cientistas e pesquisadoras negras.
“Essas coisas exigem uma imersão na realidade objetiva das meninas que estão na graduação ou mesmo antes da graduação”, explica. “Esse foi o foco do que tentamos desenvolver em uma iniciativa em Pernambuco, o Futuras Cientistas, por meio do Centro de Tecnologias Estratégicas do Nordeste, o Cetene”, continuou.
O Futuras Cientistas é um programa que atende a alunas de escolas públicas do ensino médio., que tem apresentado resultados muito positivos – inclusive aprovação de 70% das estudantes no Enem, em áreas relacionadas a engenharias, matemática, física.
“Mas, quando se vai analisar a carreira e fazer um diagnóstico da participação no mestrado e no doutorado, a fixação das meninas é mais complicada. Isso tem a ver com questões da desigualdade de gênero na vida privada”, diz Luciana.
“Muitas interrompem a carreira para ter filhos e são prejudicadas, por exemplo, em avaliações na carreira. A mulher fica na retaguarda da família. Nosso objetivo é aprimorar as experiências, talvez reuni-las em um programa único e tentar traçar um fluxo que responda às contradições concretas que as mulheres vivenciam”, defendeu a titular da Ciência e Tecnologia.