O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES) irá destinar a quantia de R$ 500 milhões para linhas de crédito diretas voltadas ao audiovisual. Esse valor foi revelado durante um seminário organizado pelo banco, nesta quarta-feira, 30, com o presidente da instituição, Aloizio Mercadante, que afirmou: “O tempo da resistência à cultura acabou. Precisamos de agenda ofensiva em defesa da cultura, do cinema e do audiovisual brasileiro”, disse.
No ato do anúncio, Mercadante estimulou as empresas desse ramo, especialmente as de menor porte, a se unirem em cooperativas. “A fragilidade das produtoras que estão começando dificulta o financiamento. Pensem na possibilidade de montar cooperativas que compartilhem, pelo menos no início, os equipamentos mais sofisticados e a infraestrutura física. Juntas as pequenas produtoras têm força”, depois podem virar grandes”, disse.
No evento, Mercadante destacou a desmantelação do setor cultural no BNDES durante administrações anteriores. Ele recordou que, em 2016, o banco alocou R$ 351 milhões para o setor, enquanto em 2017, essa quantia foi de apenas R$ 12 milhões. “Esse tempo do BNDES pequeno acabou”, disse. Segundo ele, o BNDES pretende atuar de forma direta na formulação de políticas públicas, articulando com o governo. “Já estamos recompondo as políticas, com orçamento para a cultura e remontando a equipe de cultura do banco”, disse.
A importância que o âmbito cultural terá dentro do BNDES é evidenciada pela criação de uma equipe de apoio ao presidente da instituição. O ex-ministro da Cultura, Juca Ferreira, é o assessor especial da presidência do BNDES e o criador do seminário.
No evento, Mercadante também se comprometeu a dar ao banco um papel central em sensibilizar diversas áreas para a agenda do audiovisual, envolvendo empresas estatais, federações industriais e comerciais, instituições acadêmicas e até mesmo a Federação Brasileira de Bancos (Febraban). “Vamos deflagar uma ampla aliança em defesa do audiovisual brasileiro. Parabéns a vocês que resistiram, não à pandemia, mas ao negacionismo que achava que o cinema tinha que ser objeto de uma guerra cultural, predatória, retrógrada e atrasada”, finalizou.
No que diz respeito a políticas, Mercadante pressionou por uma regulação das grandes plataformas de streaming. Ele observou que países da União Europeia já regulamentaram as gigantes da tecnologia. Ele enfatizou que os recursos dessas empresas são centralizados e destinados a atender às regulamentações dos países que agiram antecipadamente, “enquanto nós ficamos para trás”.
A ministra da Cultura, Margareth Menezes, ressaltou durante o evento que o Governo Federal está “voltado a colocar o audiovisual brasileiro a todo vapor no que diz respeito à sua produção, visando o desenvolvimento econômico que reconhecidamente existe no setor”.
Neste momento, ela lembrou que há diversos debates em andamento no congresso para organizar questões pertinentes ao setor audiovisual brasileiro, como as cotas de exibição, a regulamentação das plataformas digitais e a distribuição de direitos autorais para os criadores dessa área.
“Os danos causados pela falta de compreensão do potencial econômico e transformador desse setor são incalculáveis. A perseguição que sofreram prejudicou diretores, produtores, artistas e, consequentemente, todas as áreas técnicas”, afirmou.
“É imensurável o prejuízo que temos com a falta de compreensão do potencial econômico e transformador do setor. A perseguição imposta prejudicou diretores, produtores, artistas e consequentemente todas as áreas técnicas”, disse.
Segundo a ministra, o novo Ministério da Cultura, e a Secretaria do Audiovisual, “compreende que construir ações que venham potencializar cada vez mais o poder competitivo gerador de emprego e de renda do audiovisual” e, por isso está agindo “para reformular, modernizar e ampliar as políticas públicas para o setor”.
“O cinema brasileiro já provou que tem qualidade para competir no mercado nacional e internacional”, ressaltou a ministra, destacando questões em discussão, como as cotas de tela e regulações para plataformas digitais, além de direitos autorais mais justos para criadores do setor.
COTA DE TELA
No evento, a ministra da Cultura anunciou que o Projeto de Lei nº 3.696/2023, que prorroga o prazo de obrigatoriedade de exibição de filmes nacionais na TV paga, foi aprovado na Comissão de Educação e Cultura (CE), no Senado. “Estamos organizando as questões que dizem respeito ao setor audiovisual e cultural do país como a cota de tela, as regulações das plataformas digitais e as big techs e a luta por direitos autorais mais justos. Também estamos promovendo a melhor distribuição do fomento”, comentou a ministra.
Sobre as plataformas de streaming, Mercadante afirma que “a União Europeia já fez a regulação e o Congresso Nacional precisa olhar para o que foi realizado lá”. Segundo ele “não podemos ficar de fora por conta da importância que o Brasil tem em relação às plataformas”.
HOMENAGENS
Reconhecida na cerimônia por sua carreira, Fernanda Montenegro contou que tornou-se atriz por conta do encantamento que teve ao assistir filmes com a família durante a infância, nos anos 1930, em subúrbio no Rio. “Hoje, por amor à arte cinematográfica, eu tenho a minha vida de ofício ligada aos mais de 30 filmes nacionais que fiz”.
A grande dama da dramaturgia brasileira recordou ainda um episódio das filmagens de “A Falecida”, de Leon Hirszman (1937-1987), quando seu colega Paulo Gracindo (1911-1995) alegou que não iria mais fazer cinema por ser “muito cansativo”. Fernanda repetiu a justificativa dita ao ator sobre a importância da sétima arte: “É o meu futuro que está para quem quiser me ver quando eu já não estiver mais aqui. É um documento artístico da minha vida graças ao cinema”.
Também homenageado, Luiz Carlos Barreto dedicou a honraria à companheira, a produtora de cinema Lucy, e citou o cineasta Glauber Rocha (1939-1981) ao comentar a relevância do evento. “Este seminário corresponde a um desejo dele. Essa posição do BNDES é uma decisão que já devia ser sido adotada antes. O cinema brasileiro necessita de gestão, de planificação, de racionalidade. Porque nós fazemos cinema num impulso da criação, e o cinema é uma indústria, e das indústrias culturais é a mais industrializada e mais mundializada, isso muito antes da globalização”, disse o produtor de sucessos como Dona Flor e seus Dois Maridos e O Quatrilho.
O ator, apresentador e cineasta Lázaro Ramos enfatizou que até hoje a classe cinematográfica está em luta, por conta da campanha promovida nos últimos anos “para tirar a importância do que a gente faz”, e defendeu a cota de tela, direito autoral e regulação do streaming. “Isso é um respeito com os profissionais que aqui trabalham”. De acordo com o diretor do longa Medida Provisória, a sua vida foi transformada pelo cinema nacional várias vezes, e citou filmes como Central do Brasil, Eles Não Usam Black-Tie, O Auto da Compadecida e Minha Mãe É uma Peça como inspiradores. “É o que estamos fazendo e com o que a gente pode sonhar. E ainda não chegamos na metade de onde podemos ir”.