
Diretor da UNE, Caio Guilherme, alerta que falta de corpo docente ameaça a formação dos estudantes. Professores e funcionários de diversos cursos da universidade declararam apoio à mobilização estudantil
Desde a última quinta-feira (21), uma greve estudantil paralisa vários institutos da Universidade de São Paulo (USP). O movimento exige da reitoria um plano para contratação de professores efetivos, em resposta ao cancelamento de disciplinas e à ameaça de suspensão de cursos inteiros devido à escassez de docentes.
A falta de reposição do corpo docente, diante de aposentadorias e óbitos, fez o número de professores cair de 5.934 para 4.892, segundo dados do Anuário da instituição. A Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e a Escola de Comunicações e Artes (ECA) são algumas das mais afetadas pela falta de professores.
O diretor de Ciência e Tecnologia da União Nacional dos Estudantes (UNE) e estudante de Letras da USP, Caio Guilherme, falou à Hora do Povo sobre o déficit de professores e os riscos que diversos departamentos da universidade estão sofrendo. Segundo Caio, a demanda pela contratação de docentes afeta praticamente toda a USP.
“A coisa foi se arrastando, porque a reitoria se negou a resolver o problema nos últimos anos”, criticou.
“As instituições que mais penam com isso é a FFLCH, a ECA que está com um problema grande de falta de professor, também tem na EACH esse problema de uma forma mais forte, lá eles também fizeram paralisação, ocuparam a EACH e lá se encaminhou pra resolver, mas também não o suficiente. Então essas são as instituições que hoje passam por mais problemas”, explicou o estudante.
Caio ressalta que a falta de professores é um problema que é admitido pela reitoria, mas a solução apresentada pela reitoria, de contratar os professores até 2026 é “insuficiente”.
“A reitoria alega que o número apresentado pelos estudantes da falta de professores é exagerado. Mas, como é exagerado se a própria reitoria está dizendo que vai contratar 800 docentes até 2026?”, questionou.
“A falta de professores é um problema que o próprio reitor Carlotti assume, ele diz que tem esse plano até 2026 e o que a gente está dizendo é que até 2026 é insuficiente, é um prazo muito longo”, destacou o líder estudantil.

MOBILIZAÇÃO DOS ESTUDANTES
Os estudantes iniciaram na quinta a greve que, no início do dia, ocorreu um trancaço das vias próximas ao Portão 1 da universidade, às 6h. Outras atividades foram realizadas, como a aula pública em frente à Reitoria, e debates em alguns institutos da universidade.
Os estudantes realizaram uma manifestação durante o dia que saiu da frente da reitoria e foi até o Instituto de Matemática e Estatística (IME). O ato, que contou com mais de mil estudantes, somado junto às baterias universitárias da universidade, o ato também passou pela Faculdade de Arquitetura, Urbanismo e Design (FAUD) e acabou na Escola de Comunicações e Artes (ECA).
Na Prainha, nome dado à praça da ECA, o movimento estudantil da USP se reunirá nesta sexta-feira (22) em nova Assembleia Geral dos Estudantes para deliberar a continuidade da greve e definir o calendário da próxima semana.
Os estudantes abriram as grades da Prainha na noite da última quinta, sendo essa uma reivindicação dos estudantes desde sua implantação em 2017. A autonomia do espaço da Prainha, as grades em um espaço público e o fechamento do local até as 21h30 são pontos levantados pelos estudantes da ECA, com um histórico de anos.
FALTA DE PROFESSORES
A falta de professores na USP ameaça seriamente a continuidade dos estudos de estudantes em diversos cursos e campi da universidade, como também demonstrado nas situações do curso de Obstetrícia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), dos cursos da Faculdade de Fonoaudiologia, Fisioterapia e Terapia Ocupacional (FoFiTO), sem falar do curso de Letras da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), que passa pela maior dificuldade. Também sofre o curso de Artes Visuais da Escola de Comunicação e Artes (ECA). Na ECA, inclusive, a perda do quadro docente é de cerca de um quarto.
Nas últimas gestões da reitoria da USP houve mudanças que dificultam o aumento e a manutenção de professores efetivos e incentivam sua diminuição. Em 2011, a administração acabou com o “gatilho automático de contratações”. Então, esse mecanismo deixou de funcionar. Ele abria concursos para contratar professores quando um docente se aposentava ou deixava a universidade.
Entre setembro de 2014 e agosto de 2023, o número de professores da USP caiu de 5.934 para 4.892. Aproximadamente no mesmo período, entre 2014 e 2023, o número de alunos de graduação subiu de 59.081 para 60.120, os de pós-graduação de 35.793 a 37.238.
O atual reitor, Carlos Gilberto Carlotti, tomou posse em 2022 com a promessa de repor esse déficit com a contratação de 876 professores até o fim de seu mandato, em 2025. O número é baseado no número de professores perdidos entre janeiro de 2014 (6.026 docentes) e janeiro de 2022 (5.150 docentes).
Mas uma quantidade considerável da perda de docentes aconteceu nos últimos anos, devido principalmente ao congelamento de contratações entre 2020 e 2021 pelo governo federal e a não renovação dos contratos de professores temporários (além das mortes, demissões e exonerações).
De acordo com dados divulgados pela própria USP e sistematizados pela Associação de Docentes da USP (Adusp), em agosto de 2023 o número de professores na instituição era de 5.014, ou seja, seriam necessárias 1.012 contratações para suprir o déficit. Isso sem considerar o aumento na demanda de professores provocando pela expansão dos cursos e programas de pesquisa e extensão nessa década.
PROFESSORES
Os professores da FFLCH decidiram pela paralisação das aulas de graduação até a próxima terça-feira (26), em apoio à greve estudantil que acontece na faculdade.
A ação tem como objetivo principal pressionar a reitoria da USP e a direção da FFLCH a efetuarem novas e suficientes contratações de docentes, além de exigir por melhores condições de permanência estudantil.
Outra justificativa da Adusp para ter se unido aos alunos na reivindicação foi o descontentamento com a ordem da diretoria da FFLCH em cancelar as aulas no período noturno na última segunda (18), e colocar a guarda universitária para proteger os prédios sob a justificativa de que o patrimônio público pudesse ser depredado.
Após a ordem, os estudantes ocuparam os prédios da faculdade em protesto. A desocupação só aconteceu na madrugada da última terça (19), após o diretor se reunir com os alunos e concordar com parte de suas demandas, retirando a Polícia Militar do local.
Segundo a Adusp, a atitude da diretoria “interrompeu subitamente o funcionamento dos cursos e de outras atividades sem sequer uma consulta aos chefes de departamento ou a qualquer colegiado” e “tentou culpabilizar por antecipação o movimento dos estudantes, agravando e tensionando desnecessariamente a situação na Faculdade”.
As reivindicações dos professores contam com:
- Disponibilização, em caráter emergencial e de imediato, de cargos de docentes efetivos – a serem preenchidos mediante a realização de concurso público – naqueles cursos em que disciplinas não estão sendo oferecidas por insuficiência de docentes, ou estão sendo oferecidas de forma precária, com sobrecarga para a(o)s docentes;
- Que todos os departamentos ou órgãos equivalentes e respectivas áreas ou especialidades recebam, até 2025, um número de docentes efetivos, para realização de concursos, em quantidade equivalente às vagas geradas por rescisões, exonerações, aposentadorias e falecimentos, contabilizadas desde 2014;
- Suspensão de todo e qualquer processo de concessão de docentes efetivos que implique concorrência entre departamentos e unidades;
- Asseguramento de reserva de vagas para docentes pretos, pardos ou indígenas (PPIs) nos concursos públicos, de forma a garantir efetivas políticas de ações afirmativas, e que se observe a questão de paridade de gênero e a inclusão de pessoas trans.
REITORIA
Em nota, a Reitoria da USP reafirmou que está fazendo esforços para contratar os docentes. Veja a nota na íntegra.
No início da tarde de hoje, dia 21 de setembro, o reitor e a vice-reitora da USP, Carlos Gilberto Carlotti Junior e Maria Arminda do Nascimento Arruda, além de outros membros da Reitoria, mantiveram uma reunião com dez representantes dos alunos e das alunas que organizam, hoje, movimentos de paralisação.
Por cerca de uma hora e meia, o diálogo fluiu de modo produtivo e com base na boa fé. Como resultado, marcou-se uma reunião de trabalho para a semana que vem, na qual a pauta de reivindicações será organizada para o encaminhamento das soluções.
A Reitoria respeita a autonomia do movimento estudantil e acolhe o diálogo com serenidade e respeito. Ao mesmo tempo, reafirma que mantém em curso o que pode ser definido como o maior esforço já empreendido por esta Universidade para a contratação de docentes. Temos 641 vagas para preencher e 238 já foram preenchidas. Ao final desse esforço, a USP terá o mesmo número de professores e professoras de 2014.
Também tem um debate sobre assistência, o Programa de Apoio à Permanência e Formação Estudantil (PAPFE), que é a bolsa, o auxílio permanente dos estudantes que mudaram esse ano e muitos estudantes que deveriam ser contemplados, não foram contemplados. A gestão alega que por ser um modelo novo a coisa vai se adaptar pro ano que vem para melhorar, mas fato é que o ano inteiro de 2023, os estudantes ficaram sem receber auxílio por incompetência ou má organização da gestão do pessoal da Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP). Então são essas questões, são algumas reivindicações, algumas mais setorizadas com problemas de unidades específicas, outras mais gerais, como o problema da falta de professor, o problema do auxílio dos estudantes, tem gente que discute por exemplo o problema da moradia, sendo as questões do CRUSP, enfim, cada um acaba puxando o problema específico do seu curso.
Tem a questão da contratação dos funcionários. Isso foi um problema que apareceu hoje, que também me deparei mais hoje, o pessoal denunciava, mas hoje na química nós tivemos uma reunião com os funcionários de lá e a situação dos funcionários também é bem crítica, dos técnicos, dos funcionários de modo geral é bem crítica. E tem poucos, tem que contratar mais também.