O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), defendeu a ação de policiais militares na chamada Operação Verão que resultaram na morte de ao menos 39 pessoas e ignorou as denúncias de execuções sumárias por parte de policiais. Em declaração dada nesta sexta-feira (8), Tarcísio diz que não está “nem aí” para as denúncias.
“Sinceramente, nós temos muita tranquilidade com o que está sendo feito. E aí o pessoal pode ir na ONU, pode ir na Liga da Justiça, no raio que o parta, que eu não tô nem aí”, disse o governador.
“Tem uma questão de denúncia, vamos investigar. Agora, nós precisamos de fato saber o que realmente aconteceu. Não há nenhum interesse da nossa parte em confrontar ninguém. Nós tínhamos lá na baixada uma série de barricadas que foram removidas. Locais em que o poder público não entrava. Hoje a gente retirou todas as barricadas. A gente está restabelecendo a ordem. Não existe progresso sem ordem.”
MINISTÉRIO PÚBLICO ABRE INVESTIGAÇÃO
Na última quinta-feira (7), o Grupo de Atuação Especial da Segurança Pública e Controle Externo da Atividade Policial (Gaesp), do Ministério Público de São Paulo, abriu uma notícia de fato para investigar as denúncias de funcionários da Saúde de Santos de que corpos de mortos na Operação Verão da PM na Baixada Santista são levados como vivos para hospitais.
As denúncias foram feitas por funcionários da rede pública de saúde de Santos à TV Globo. Segundo o Ministério Público, as irregularidades teriam ocorrido durante a Operação Verão, deflagrada no começo de fevereiro após a morte do soldado da Rota Samuel Wesley Cosmo, também em Santos. A ação já registra 39 suspeitos mortos.
Os promotores vão colher os prontuários médicos e identificar os socorristas para saber como esses transportes ocorreram. O Gaesp também oficiou a Secretaria de Saúde de Santos para saber se sindicância interna foi instaurada, além da Corregedoria da PM.
Quando o corpo é retirado do local do crime, o trabalho da perícia fica prejudicado, e é difícil constatar, por exemplo, se houve um homicídio ou uma Morte Decorrente de Intervenção Policial (MDIP), isto é, quando alguém é baleado em confronto com a polícia.
De acordo com promotores e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a retirada dos corpos, se for confirmada, pode ser enquadrada como crime de fraude processual. A pena prevista na lei é de três meses a dois anos de detenção, e multa.
CENÁRIO DE MASSACRE
Em nota divulgada também na última quinta (7), o ouvidor da Polícia do Estado de São Paulo, professor Cláudio Silva, afirmou que as operações na Baixada Santista representam um “cenário de massacre e crise humanitária”.
“Esta ouvidoria ultrapassa a marca de mais de 3,5 mil casos em que a Corregedoria da PM não nos fornece nenhuma resposta. Com referência à Operação Escudo de 2023, nenhum dos ofícios direcionados à Polícia Científica do estado foram respondidos”, disse Silva, em nota. Ele ressalta que, com relação às ameaças de vida sofridas pelo ouvidor, apenas o Ministério Público respondeu aos ofícios, enquanto houve absoluto silêncio da SSP.
Ainda segundo o ouvidor, a declaração do secretário da Segurança Pública (SSP) do Estado de São Paulo, Guilherme Derrite, à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) ontem “não corresponde à verdade”. Derrite disse que não tinha recebido nenhuma reclamação formal sobre violência policial na ação da Polícia Militar na Baixada Santista durante a Operação Escudo e a Operação Verão entre 2023 e 2024.
Apenas entre janeiro e ontem, a Ouvidoria informou que encaminhou 44 ofícios à Corregedoria da Polícia Militar e Deinter 6, além do Comando Geral da PM, Ministério Público, governador de São Paulo, secretário da SSP, entre outras instituições relacionadas aos direitos humanos. Aos órgãos de segurança do estado foram solicitadas imagens, laudos, boletins de ocorrência e elementos periciais, sem resposta.
Silva apontou “um provável processo contínuo de inviabilização do trabalho desta Ouvidoria, que representa, neste cenário de massacre e crise humanitária, uma das poucas salvaguardas da institucionalidade dos direitos da população que se vê em confronto com uma segurança crescentemente ineficaz e violenta”.
ONU
Entidades brasileiras vão usar o Conselho de Direitos Humanos da ONU para acusar o governador Tarcísio de Freitas de promover operações policiais que violam direitos básicos e com um impacto desproporcional sobre a vida de negros e pobres.
Tarcísio ainda será cobrado para garantir o uso de câmeras corporais em todos os agentes de segurança no estado de São Paulo. Na queixa, as instituições pedem que todos os responsáveis por abusos durante as operações sejam investigados e punidos, incluindo no comando.
As entidades que apresentam a queixa — Comissão Arns e Conectas — ainda pedem que o governo de Tarcísio garanta que haja a recomendação para que todos os policiais tenham esse dispositivo.
Na intervenção, as entidades vão apontar que os “registros oficiais do Estado indicam que as mortes em decorrência de intervenção policial subiram 94% no primeiro bimestre de 2024”. Segundo eles, “esse é o resultado de uma ação deliberada do atual Governador, Tarcísio de Freitas, que vem investindo na violência policial contra pessoas negras e pobres”.