Engenheiro também recebeu R$ 1 milhão do PL para fazer relatório que questionou, sem provas, o resultado do segundo turno
O Ministério da Ciência e Tecnologia pagou, em 2021, duas viagens de urgência para o engenheiro Carlos Rocha, indiciado no inquérito da tentativa de golpe de Estado para manter ilegalmente Jair Bolsonaro (PL) no poder, mesmo com a derrota na eleição de 2022.
O dinheiro público — R$ 7,7 mil — foi usado para que Carlos Rocha fosse a Brasília se encontrar com o então titular do ministério e hoje senador Marcos Pontes (PL-SP), em duas datas distintas: 26 de julho e 30 e julho de 2021.
A compra de passagens de urgência só pode ser autorizada pelo próprio ministro ou por seu secretário-executivo.
O objetivo oficial das viagens, segundo os registros do ministério, era ouvir associação que defende voto auditável — bandeira usada por Bolsonaro para atacar a confiabilidade das urnas eletrônicas, que já são auditadas.
Não há registro do primeiro encontro. O segundo ocorreu no Palácio do Planalto e contou com a participação, além de Marcos Pontes e Carlos Rocha, do então presidente Jair Bolsonaro (PL) e do ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general da reserva do Exército Augusto Heleno, ambos também indiciados pela tentativa de golpe de Estado.
O governo do ex-presidente usou e abusou da máquina pública com práticas e ações nada republicanas, com propósito de atingir objetivo de fragilizar as instituições públicas.
RELATÓRIO MENTIROSO
O senador Marcos Pontes não foi indiciado, mas é citado no inquérito como responsável por indicar Carlos Rocha para Valdemar da Costa Neto, presidente do PL (Partido Liberal). A legenda contratou o engenheiro por R$ 1 milhão para elaborar relatório que apontou, sem provas, indícios de fraudes nas urnas eletrônicas no segundo turno da eleição de 2022.
Para a PF, Rocha fez o documento mesmo tendo consciência de que não havia irregularidade nas urnas.
As informações produzidas por Rocha foram usadas pelo PL para questionar o resultado da eleição do segundo turno e para embasar a propagação de informações falsas sobre as urnas eletrônicas para incitar a população contra a derrota de Bolsonaro, segundo a investigação da PF.
Por conta disso, Rocha foi indiciado por tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do estado democrática de direito e organização criminosa, juntamente com outras 36 pessoas – incluindo Bolsonaro, Valdemar e Heleno.
INTERMEDIÁRIO
Ao jornal O Globo, Marcos Pontes disse que Valdemar — o presidente do PL —, lhe perguntou se conhecia alguém que entendia da tecnologia das urnas e que, em resposta, indicou Carlos Rocha.
Pontes afirma que Rocha o havia procurado anteriormente por meio de associação de ex-alunos do ITA (Instituto Técnico da Aeronáutica), no qual os dois estudaram.
“Assim, passei o contato dele [para Rocha], e aí encerrou minha participação”, afirmou Pontes ao jornal O Globo.
“VOTO AUDITÁVEL” E “AUDITORIA EXTERNA”
Segundo os registros oficiais, o Ministério da Ciência e Tecnologia pagou as viagens para Carlos Rocha para que Marcos Pontes, Bolsonaro e o general Heleno vissem a apresentação de proposta “para o aperfeiçoamento técnico do sistema eletrônico de votação” feita pela Associação Grita!.
A associação defende “voto auditável” e “auditoria externa” do processo eleitoral brasileiro — medidas que já existem.
A urna eletrônica já possibilita a auditoria da votação por meio do Boletim de Urna, que é documento público, disponibilizado logo após o fim da eleição, que permite ver quais foram os votos registrados em cada urna.
Além disso, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) permite que entidades credenciadas — públicas e privadas — façam a auditoria do código-fonte das urnas antes das eleições, e convida observadores externos para acompanhar todo o processo eleitoral.
VIAGENS DE CARLOS ROCHA
As viagens a Brasília de Carlos Rocha pagas pelo Ministério da Ciência e Tecnologia ocorreram na mesma época em que Bolsonaro fez “live”, com notícias falsas para atacar as urnas eletrônicas.
Na ocasião, 29 de julho, o então presidente voltou a defender voto auditável.
No relatório do inquérito do golpe, a PF (Polícia Federal) destaca que 2 dias antes, em 27 de julho, o então diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), Alexandre Ramagem, atualmente deputado federal pelo PL do Rio de Janeiro, fez as últimas modificações em documento com ataques às urnas e orientações que deveriam ser seguidas por Bolsonaro.
Entre as orientações, está a defesa do voto auditável.
“Há domínio de apenas alguns técnicos do TSE ao código-fonte e chaves criptográficas sem qualquer controle. O voto auditável é o controle dessa liberdade desses técnicos. A democracia brasileira não pode estar na governança de alguns técnicos, levados a estas funções por governos anteriores. Estas questões que devem ser massificadas”, está escrito no documento da PF.