
Argentinos repudiam armação do “Supremo Tribunal de Justiça” contra a ex-presidente e anunciam a determinação e a mobilização peronista para derrotar o entreguismo de Javier Milei e construir um modelo de justiça social e independência nacional
Convocados pelo Partido Justicialista (Peronista), por lideranças sindicais e dos movimentos sociais, 500 mil pessoas tomaram o centro de Buenos Aires, na tarde desta quarta-feira (18), em apoio à ex-presidente Cristina Kirchner repudiando a condenação do Supremo Tribunal Federal (STF), que prescreveu a candidatura da principal liderança oposicionista argentina e a condenou a seis anos de prisão domiciliar.
Nem mesmo os controles policiais montados para intimidar as massivas caravanas que se dirigiram à capital ou a guarda acompanhada por caminhões com canhões de água foram capazem de deter o entusiasmo e a determinação da população de defender a democracia e rechaçar políticas que matam de fome a população e retiram recursos da ciência, da educação e da saúde pública.
À medida que o protesto ganhava força, a líder oposionista anunciou ter solicitado ao tribunal que a condenou se a proibição incluía sair à varanda do apartamento para cumprimentar os seus apoiadores, o que tem feito constantemente. Há vários dias, a residência de Cristina, na esquina das ruas San José e Humberto Primo, no centro da capital, tornou-se um local de peregrinação da militância, que chega, canta e aplaude na expectativa de que a líder saia até a sacada.
“Viemos à missa e nos vamos”, relatou um homem ao jornal Página12. Anabel veio de Bolougne, na Grande Buenos Aires, e é a primeira vez que se aproxima do local. “Para mim, Cristina representa direitos, o bem-estar do povo”, declarou Anabel, para quem “o ódio a ela me fez amá-la, uma vez que se trata de uma perseguição política evidente”.
“Cada um com sua identidade, talvez com algumas diferenças táticas, mas a estratégia tem a ver com a libertação definitiva da pátria, e os governos de Néstor e Cristina têm esse rumo bem definido, que é irreversível para a República Argentina”, declarou o prefeito de Ituzaingó, Pablo Descalzo.
O governador Axel Kicillof reuniu todos os setores que compõem o Movimento Direito ao Futuro (MDF) e ratificou a força peronista, reiterando a relevância da unidade para o combate ao ultraneoliberalismo de Milei e sua postura entreguista e truculenta, que tenta em vão inviabilizar a força da nação argentina.
O secretário-geral da Central dos Trabalhadores da Argentina-Autônoma (CTA-A), Hugo Godoy, assinalou que “a capacidade de mobilização do nosso povo para defender a democracia é muito importante para evitar que Milei e os três inapresentáveis juízes do STJ governem o país por decreto e fabriquem casos, restringindo a democracia cada dia mais, exercendo um despotismo que destrói os direitos do nosso povo”. “É por isso que hoje não apenas repudiamos a proscrição contra Cristina e nos solidarizamos com ela, mas nos mobilizamos em defesa da democracia, com a consciência de que a unidade do nosso povo deve se transformar em capacidade de rebelião para frear esse despotismo”
CRISTINA RIDICULARIZA O “LIXO” JUDICIAL
Trancada na sua residência, a ex-presidente Cristina Fernández de Kirchner enviou uma mensagem de áudio à multidão: “Estou em San José 1111, firme e tranquila. É claro que não posso sair para a varanda, meu Deus, que lixo que são”.
“‘Vamos Voltar’ porque revela uma vontade, a vontade de voltar a ter um país onde as crianças possam comer quatro vezes ao dia, e onde tenham livros e computadores na escola, onde os trabalhadores possam sobreviver e economizar para comprar um carro, uma casa, um pedaço de terra, algo que lhes pertence”
“Quero agradecer a cada um de vocês pelas incríveis demonstrações de carinho e amor nestes últimos dias. O que mais gostei foi ouvir vocês cantarem ‘Vamos Voltar’ novamente. Faz muito tempo que não fazíamos isso, talvez tempo demais”, observou a ex-presidente. E acrescentou: “E eu gosto desse ‘Vamos Voltar’ porque revela uma vontade, a vontade de voltar a ter um país onde as crianças possam comer quatro vezes ao dia, e onde tenham livros e computadores na escola, onde os trabalhadores possam sobreviver e economizar para comprar um carro, uma casa, um pedaço de terra, algo que lhes pertence, algo que conquistaram com seu trabalho duro. Os aposentados tinham remédio”. Aquele país, recordou, “não era uma utopia; vivemos lá por 12 anos e meio. E também o deixamos livre de dívidas”.
“O MODELO DE MILEI ESTÁ ENTRANDO EM COLAPSO”
Em seu discurso, Cristina Kirchner apontou que “este modelo que Milei agora encarna, que não é diferente dos do passado, está entrando em colapso. E não apenas porque é injusto e injusto, mas fundamentalmente porque é insustentável em termos econômicos. Já vimos isso com Martínez de Hoz em 76 e com Cavallo nos anos 90”, lembrou.
“E o pior é que os verdadeiros poderes econômicos sabem que este modelo não tem futuro; eles sabem que está entrando em colapso. E é por isso que estou presa. Mas há algo que todos devem entender, até eles, os que detêm o poder econômico: podem me prender, mas não conseguirão prender todo o povo argentino. Não somos nós que estamos com medo, são eles”, acrescentou.
E perguntou: “Sabe por que não me deixam competir? Porque sabem que perdem. Por isso, precisamos nos organizar para esclarecer o verdadeiro problema do nosso país, que nada mais é do que um modelo econômico em que uns poucos enriquecem, enquanto os demais ficam sem nada. E isso se sustenta em um arcabouço jurídico que, ao mesmo tempo em que mantém monstruosidades como o Decreto 70, que alterou diretamente a Constituição, também me coloca na cadeia”.
“DEFENDEREMOS A DEMOCRACIA COM CORAGEM”
“Hoje é o momento de mostrar que defenderemos a democracia com as mesmas ferramentas com as quais a construímos. Sem violência, mas com coragem, sem medo, mas com absoluta clareza sobre o momento histórico que todos os argentinos estão atravessando. Com amor, faremos isso com muito amor, como sempre, com profundo amor por esta pátria que tantas vezes tentaram colocar de joelhos e tantas vezes soube se reerguer”, ressaltou Cristina.
“Não sei o que o futuro imediato me reserva; não tenho bola de cristal. Mas sei de uma coisa. Já passei por quase tudo nesta vida”, declarou a ex-presidente, até mesmo “uma tentativa de assassinato”. “Queridos argentinos: voltaremos, e voltaremos também com mais sabedoria, com mais unidade, com mais força”, enfatizou.
Cristina assegurou que “de onde quer que esteja, de qualquer trincheira, continuarei fazendo tudo o que estiver ao meu alcance para estar junto a vocês, como vocês sempre estiveram ao meu lado”. “Mas faremos isso, porque temos algo que eles nunca terão nem poderão comprar, por mais dinheiro que tenham: temos um povo, temos memória, temos história e temos uma pátria. Nós retornaremos. Os povos finalmente sempre voltam”, concluiu.
Ao longo do breve pronunciamento de oito minutos, era visível a emoção dos participantes. Segurando faixas e cartazes, com muitos indo às lágrimas, a multidão deixou claro o que está por vir,
Ouça o discurso completo da ex-presidente
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