
“O que os americanos estão fazendo é estimular um país a chegar a uma arma nuclear. Nesse caso, o poder de retaliação seria muito grande”, disse
O embaixador Celso Amorim, assessor internacional da Presidência da República, manifestou sua preocupação diante dos ataques realizados por Donald Trump contra as instalações nucleares do Irã. “Eu nunca vi um momento tão tenso como esse”, disse. Para ele, os atos dos últimos dias “estão ameaçando o povo iraniano, a região, o risco de guerra, mas também a credibilidade da ONU e do Tratado de Não Proliferação”.
O diplomata, do alto de sua experiência, deixou claro que falava “em nome pessoal, do alto dos meus 83 anos”. “Não estou dando uma declaração em nome do governo brasileiro. Mas estamos vivendo um momento de grande perigo”, alertou.
Na avaliação do embaixador, um dos riscos é de que o exemplo de um ataque americano no Irã – justificada por uma atitude “preventiva” – se alastre para outras regiões do mundo.
Segundo ele, um líder em qualquer outra parte do mundo pode considerar que, também de forma preventiva, poderia agir diante de ameaças para seus interesses. “Isso é muito perigoso”, continuou alertando.
Amorim avaliou, ainda, que os ataques dos EUA terão um efeito contrário aos seus objetivos de, supostamente, impedir que outros governos desenvolvam armas nucleares.
“O que os americanos estão fazendo é estimular um país a chegar a uma arma nuclear. Nesse caso, o poder de retaliação seria muito grande”, disse.
CRISE PODERIA TER SIDO EVITADA
O ex-chanceler brasileiro considerou que a crise poderia ter sido evitada se o acordo nuclear negociado há quinze anos e mediado pelo Brasil tivesse sido aceito pelos EUA. “Isso tudo poderia ter sido totalmente evitado”, lamentou. Naquele momento, o embaixador era um dos mediadores nas negociações com os iranianos.
“A ideia era de Barack Obama e da AIEA. Se aquilo tivesse sido feito, com um acordo de swap, o Irã hoje não teria condições de estar produzindo urânio em 60%. Isso tudo teria parado antes. Eles poderiam continuar enriquecendo urânio, mas com inspeções”, disse.
Amorim acredita que o Irã não teria incentivos para violar aquele acordo. “Toda a discussão foi muito franca, muito sincera. Eles aceitaram o plano da maneira que os americanos tinham proposto”, afirmou.
BRASIL CONTINUARÁ LUTANDO PELO DESARMAMENTO
Amorim afirmou que o Brasil não pretende deixar o pacto nuclear e “continuará a lutar pelo desarmamento. Mas teria sido mais difícil entrar hoje, depois dessa situação. Haveria mais dúvidas. Nossas e de outros”, prosseguiu.
Em sua avaliação, os últimos acontecimentos no Oriente Médio terão uma repercussão, também, na guerra e nas negociações em torno do conflito da Ucrânia. “É um impacto muito grande. Um momento de grande perigo. Não é só o que ocorreu no Iraque que culminou na queda de Saddam Hussein, em 2003”.
O diplomata também avaliou as possibilidades do conflito no Oriente Médio tornar-se uma contenda de caráter mundial: “Dificilmente um país que tem uma arma nuclear a use contra outras potências nucleares. Acho que o grau de loucura não chegou a esse ponto. Mas pode ser uma guerra”, disse.
Amorim argumentou que o mundo vive hoje duas “guerras graves”, na Eurásia e no Oriente Médio. “Se as duas guerras se comunicarem, como pode acontecer, já seria praticamente uma guerra mundial”, indicou.
“Se somar ao cenário a guerra tarifária, acho que o mundo está correndo o risco de afundar como eu nunca vi”, lamentou.
Falando ao portal Uol, o diplomata avaliou que a tensão que o mundo atravessa hoje é maior inclusive do que os momentos mais críticos da Guerra Fria. “Nunca vi em minha vida nada parecido em termos de tensão”, sentenciou.
“Mesmo no momento da crise dos mísseis de Cuba, evidente que tivemos um momento de drama. Mas, naquilo, envolvia duas pessoas. Uma de cada lado”, explicou. “Hoje, você não controla. Tem os iranianos, os israelenses, tem aqueles que têm armas químicas. É muito complexo”, alertou, novamente.